Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 9
Primeiro dia de aula




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Apesar de ainda poder ficar mais um pouco na cama, Mônica não agüentou e acabou levantando mais cedo tamanha era a sua empolgação. Primeiro dia de aula no mundo paralelo! Aquele dia prometia ser tudo de bom e cheio de surpresas.

- Ai, nossa! Preciso ver a minha roupa!

Ela correu para o enorme closet e mais uma vez ficou maravilhada ao abrir a porta e se deparar com as roupas mais lindas que uma garota da sua idade poderia querer. A última vez que ela tinha visto algo parecido foi numa loja chique do shopping, só que daquela vez todas as roupas eram delas e não um sonho distante numa vitrine.

- O que eu visto? Que dúvida, é tanta coisa! – as roupas estavam bem guardadas e separadas de forma a facilitar sua escolha. Ainda assim era difícil se decidir em meio a tantas opções. Tinha de tudo ali: shorts, blusas, camisas, regatas, calças, vestidos, batas, sapatos, sandálias, cintos, bolsas e diversos tipos de acessórios.

E tudo ali era de grife, mesmo as roupas mais simples destinadas a dormir ou ficar em casa. Economia era uma palavra que parecia não pertencer ao vocabulário dos seus pais alternativos. Melhor para ela! Após pensar um pouco, ela resolveu procurar por algo que fosse vermelho, sua cor preferida.

Uma blusa com decote canoa lhe chamou a atenção. A gola era bem larga, deixando os ombros a mostra e a peça tinha um desenho de um coelho feito em strass. Era uma blusa larga e grande, feita para ser usada com um bom cinto, que também levou tempo para escolher. Para vestir com a blusa, ela escolheu um top preto para colocar por baixo, uma calça legging e também uma sandália vermelha combinando com a blusa. E para complementar, brincos, um colar com pingente em forma de coração e algumas pulseiras.

- Nossa, você já está de pé? Quanta empolgação! – sua mãe falou quando ela foi até a cozinha tomar o café.
- Ah, tô muito empolgada mesmo, viu mãe! A senhora é que parece assim meio triste...
- Coisas do trabalho, não se preocupe. Agora tome logo seu café que eu vou te levar para o colégio.
- Bom dia, princesinha! – seu pai cumprimentou entrando na cozinha levando o jornal daquela manhã. E aí, pronta para o primeiro dia de aula?
- Estou sim, pai.
- Pena eu não poder te levar, o colégio fica muito fora de mão para mim. Olha, tome cuidado com esses rapazes assanhadinhos, ouviu? E evite conversar com estranhos, fique longe dos alunos bagunceiros e... blábláblá...

“Até que ele não é tão diferente do meu pai assim.” Ela pensou fingindo que prestava atenção as milhares de recomendações que seu pai alternativo fazia. Quando terminou e saiu para escovar os dentes e buscar sua mochila, Souza percebeu um pouco de aborrecimento por parte da esposa e perguntou.

- Algum problema na joalheria?
- Sim. Um relógio foi roubado.
- Era caro?
- Quatrocentos e noventa reais. Acho que vou ter que mandar instalar câmeras de segurança. Que decepção! Esse bairro sempre foi tranqüilo e agora acontece uma dessas?
- Acho que vizinhança está piorando. Outro dia vi duas moças mal-encaradas olhando para nossa casa. Precisamos ficar de olho e alertar a Mônica para ficar longe desse tipo de gente.

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Até que a paisagem ali não era tão diferente assim e a primeira vista até parecia com o seu bairro. Será que o colégio também ia ser parecido? E como eram seus amigos daquele mundo? Denise e Magali realmente a chocaram e Mônica ficou com medo de que todos também tivessem com a personalidade muito diferente. Isso ia ser um problema na hora de fazer amizade.

“Bem que o homem do jaleco falou pra esquecer o que eu sei deles... vixe! Tá dando até medo!” A moça ficou pensando como seria se os amigos alternativos tivessem a personalidade oposta a dos originais. Em alguns casos ia ser engraçado. Em outros, bem assustador.

- Chegamos, lindinha. Na hora da saída eu venho te buscar, está bem?
- Tá bom, mãe. Tchau.

Ao descer do carro, ela estava tão distraída olhando o prédio que não reparou duas garotas ali perto que tinham visto sua chegada e a beleza do carro da sua mãe.

- Ei, Carmen, você viu só o carro dela?
- O carro? Olha só aquelas roupas! Ai, eu já cansei de procurar aquela blusa e não acho em lugar nenhum!
- Também procurei e não achei. É uma peça muito exclusiva mesmo!
- Hunf! Essa novata mal chegou e já tem uma coisa que eu não tenho? Isso não é justo!
- Ah, sossega! Pelo menos ela não tem o cabelo maior do que o seu.

O rosto dela se distendeu e Irene ficou tranqüila. A última coisa que ela queria era Carmen implicando com a nova aluna sem nenhuma razão plausível. Pelo carro e pelas roupas, dava para ver que se tratava de uma garota rica e talvez ela pudesse ser uma boa amizade. Mais uma garota de belos cabelos negros se juntou a elas.

- Oi, Maria! Olha, você perdeu viu?
- Perdi o quê?
- Parece que tem aluna nova no colégio. E as roupas dela são um luxo que só vendo!

Irene descreveu as roupas dela em detalhes, citando a grife a que cada peça pertencia. Com aquilo, Maria acabou se interessando. Talvez fosse bom ter um rosto novo entre elas, alguém do mesmo nível e não aquelas garotas pé-de-chinelo que tinham na escola.

- Falando em estilo, cadê a Isa?
- Ela já vem. – Maria respondeu – você sabe como ela é, não sai de casa sem estar bem produzida.
- E é assim que tem que ser!

Em poucos minutos, uma garota loira de olhos verdes se juntou ao grupo. Ela tinha formas bonitas e perfeitas e usava um conjunto verde que combinava com seus olhos. As meninas deram um largo sorriso para a recém-chegada.

- Menina, você está um arraso!
- Valeu, gente. E aí, alguma novidade?

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- Tente se controlar, rapaz! – Astronauta repreendeu o Cebola que não parava de dar chiliques porque não agüentava mais esperar para conhecer seu duplo.
- Dloga, vocês só quelem olhar a Mônica!
- Porque é ela quem foi transportada para esse novo mundo. – Zé Luis falou achando graça da ansiedade do rapaz.
- Bah, grande coisa! Eu quero ver meu duplo, eu quero! Por que tudo tem que ser pra ela? Não é justo! Ô seu Paradoxo, quando é que o meu duplo vai aparecer, heim?
- Calma, rapaz do cabelo espetado. Tenha calma. Dentro de alguns minutos, você vai conhecê-lo.

Seus olhos brilharam como se ele tivesse diante de um novo jogo.

- Sério? E o que ele vai estar fazendo? Ah, já sei! Aposto que ele vai enfrentar essa Magali trevosa e dar uma bela lição nela!
- Oi? Eu estou aqui do seu lado, esqueceu? – Magali o cutucou fazendo cara feia. – Você quer mesmo ver o meu duplo se dando mal? Que coisa feia!
- Não quero dizer se dando mal... mas aposto que meu duplo vai derrotar ela agora mesmo! Caramba, ele deve ser o cara mais sinistro, fodão, maneiro e bacana do pedaço!

Cebola falava mais que papagaio na chuva e não parava de exaltar as qualidades do seu duplo, que naquela altura já tinha se tornado o seu herói, alguém em quem se espelhar em planos futuros para derrotar a Mônica.
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Aquela escola era tão parecida com a original que por alguns instantes Mônica se sentiu bem a vontade, como se fosse apenas mais um dia de aula. Se não fossem algumas árvores que estavam em posições diferentes e os bancos pintados de outra cor, ela pensaria que estava em seu colégio no mundo original. Mas claro, ela não estava e ao lembrar disso, borboletas começaram a voar em seu estômago.

Ninguém ali a conhecia nem ao seu passado, então o primeiro dia tinha que ser perfeito. Se era mesmo verdade que a primeira impressão era a que ficava, então era preciso causar uma boa impressão em todo mundo. Assim ela poderia cultivar sua nova identidade, uma Mônica mais delicada e controlada. Ela pretendia exercitar sua nova forma de ser ali e voltar totalmente mudada para o seu mundo de origem. Todos iam ficar surpresos quando conhecessem seu novo eu!

Após olhar no mural onde ficava a sua classe, ela correu para o seu armário afim de deixar suas coisas depois ir para onde ficava sua sala naquele ano. Será que algum amigo seu ia ficar na sua turma? Ela torcia para que sim.

Quando terminou de guardar suas coisas, uma garota loira se aproximou dela toda sorridente.

- Oi, como vai?
- Oi Carmen. (droga!) – ela mordeu a língua na hora ao ver que tinha falado demais. Aquela Carmem estava tão parecida com a original que Mônica acabou se confundindo.
- Como você sabe o meu nome?
- Er... eu... bem...

Para sua sorte, Irene veio ao seu socorro involuntariamente.

- Você lê as colunas sociais?
- Eu? Ah, sim, sim! Claro! – ela apressou-se em dizer. Aquela foi uma boa desculpa que Carmen engoliu sem problemas.
- Que luxo! Eu também adoro ler as colunas sociais. Eu sou a Irene, prazer fofa!

Ela aceitou a mão que a moça loira de cabelos curtos estendeu, surpresa pelo que estava acontecendo. Irene andando com a Carmem? Aquilo nunca lhe passou pela cabeça antes. Mais duas garotas também tinham chegado e ela reconheceu Maria Melo, embora não tivesse reconhecido a outra loira que estava com ela.

- Essa é a Isadora, mas a gente chama de Isa.
- Oi, prazer! – Foi muito difícil disfarçar o espanto ao ver Isa tão magra daquele jeito. Será que naquele mundo alternativo, ela tinha feito lipoaspiração?
- Menina, eu adorei sua blusa, é um luxo que só vendo! – Carmem falou com olho gordo na blusa da Mônica.

Antes que o sinal tocasse, as cinco resolveram ir para a sala de aula juntas e ela não estava se sentindo nem um pouco confortável andando com as patricinhas do colégio. Não era seu objetivo fazer parte da panelinha delas.

Um grupinho mais adiante chamou sua atenção e quando ela foi chegar perto para ver, Irene segurou seu braço.

- Ih, melhor ficar longe!
- Por quê?
- A Magali deve estar perseguindo o cobaia, pra variar! – Isa respondeu.
- Cobaia?
- E um bobalhão que ela vive pegando no pé dele há um bom tempo.
(Maria) – Ai, o dia nem começou e ela já está surrando o coitado?

Irene fechou a cara.

- Coitado uma ova! Daquele ali eu não tenho dó mesmo!

Mônica não conseguiu ficar quieta e se aproximou do grupo bem a tempo de ver um rapaz ajoelhado, com a cabeça encostada no chão e escondida sob um capuz. Na frente dele, Magali pisava na sua cabeça com aquela bota militar de sola dura.

- Anda, late aí que eu quero ver! – ela falou e alguns latidos finos se fizeram ouvir. Ela fez um sinal para Tonhão, que enfiou a mão na calça do rapaz e puxou sua cueca com toda força, arrancando um grito apavorado da garganta dele.

Quando Mônica ia avançar para acabar com aquilo, Irene e Carmem a seguraram, cada um pegando num braço e Isa repreendeu.

- Tá doida? Se arrumar encrenca com aquela ali, você tá perdida!

Alguns alunos riam da situação, outros apenas assistiam e ninguém se preocupava em sequer levantar um dedo para defender aquele pobre coitado. Não satisfeita, Magali continuou pisando com mais força na cabeça dele.

- Cachorro que é cachorro tem que latir direito! Anda, senão eu afundo sua cabeçona nesse chão!

O sangue acabou subindo a sua cabeça e não foi possível ficar quieta. Ela se desvencilhou das garotas que a seguravam e foi até Magali com o rosto vermelho de indignação.

- Ei, pára com isso! Você tá machucando ele!

Todos ficaram em silêncio de repente. A surpresa foi tanta que Tonhão até acabou soltando a cueca do infeliz e ficou olhando para aquela moça que certamente devia estar pedindo para levar uma surra ali mesmo. O rapaz também tinha percebido que algo aconteceu, mas não pode olhar porque a bota de Magali pressionava sua cabeça contra o chão.

- Você de novo, sua vaca? O que foi? Tá querendo apanhar, é?
- Eu não quero brigar com ninguém, mas isso aí que você tá fazendo é covardia!

Magali deu mais uma pisada na cabeça do rapaz e falou olhando para Mônica com um olhar desafiador.

- Quer que eu pare? Então vem me fazer parar!

Por um instante Mônica pensou mesmo em avançar, mas se fizesse aquilo, ela não ia só acabar com seu plano de ser uma pessoa diferente como também seria forçada a brigar com o duplo da sua melhor amiga.

- A gente não precisa brigar, só acho que isso não leva a nada!

A valentona deu uma risada e depois falou.

- Fala sério! Você me desafia e depois vem com esse papinho de vamos todos ser amigos? Vai se ferrar vagabunda! Esse colégio é meu e aqui eu faço o que quiser!
- Os professores já vão chegar. – Denise avisou olhando para o fim do corredor e Magali resolveu acabar com aquilo para não ter que começar o dia na diretoria.

Após dar mais uma pisada na cabeça do rapaz, ela chegou perto da Mônica e a encarou.

- Seguinte, não se mete comigo não ou você vai se ferrar bonito, valeu? Eu vou adorar arrebentar essa carinha bonita.

Mônica sustentou seu olhar sem medo algum. Se ela não queria brigar, fugir ela também não pretendia. Ao ver que aquela patricinha a encarava, Magali até quis brigar, mas Denise a convenceu que era hora de sair dali.

Quando eles se afastaram, os outros alunos também foram seguindo seu caminho, deixando o rapaz caído no chão.

(Carmem) - Ai meu santo! Eu não acredito que você desafiou a Magali!
(Irene) – Olha, não faz mais isso não, viu? Da próxima vez ela acaba com você!
(Isa) – Ela tá certa. Agora vamos que o sinal já vai tocar!
- Vão na frente.
- Mas...

Andando lentamente, ela se aproximou do rapaz e falou com a voz suave.

- Oi, levanta daí. Ela já foi embora. Vem, eu te ajudo!

Ele tremeu um pouco e levantou a cabeça, vendo uma garota lhe sorrindo e estendendo a mão. Ela tinha belos olhos castanhos e um sorriso encantador.

- Me dá a mão, anda. Você não pode ficar aí o dia todo.

Ainda hesitante, ele aceitou a mão que ela lhe estendia e levantou-se com dificuldade. Seu corpo doía, a cabeça latejava e pela força com que Tonhão puxou sua cueca, o local devia estar todo assado.

- Ela te machucou? Se quiser, te acompanho até a enfermaria.

Ele balançou a cabeça e um fio de voz falou.

- N-não... obligado... e-eu pleciso ir pla sala...

Ao ouvir aquelas palavras sendo pronunciadas com as letras trocadas, seu corpo começou a tremer e sem se dar conta do que estava fazendo, ela puxou o capuz num gesto impulsivo revelando cabelos bem pretos e espetados. Seus olhos eram castanhos e a pele parecia ser morena, embora estivesse bastante pálida por falta de tomar sol. Havia uma cicatriz bem evidente na sua testa sobre a sobrancelha e ele se escondia sob roupas folgadas, que pareciam dois números maiores.

- Ei... não faz isso! – Ele protestou puxando o capuz de volta.
- Desculpa, eu só queria ver se não tinha nenhum machucado na sua cabeça.
- Não tem nada aqui... e-eu vou pla sala... – ele começou a se afastar e depois parou, voltando-se de novo para ela. – Obligado... er... – como não sabia mais o que falar, ele saiu dali tentando esconder o rosto sob o capuz.

Mônica viu, em choque, o rapaz se afastando correndo pelo corredor. Não, aquilo não podia ser verdade. Seu coração tinha ficado em pedaços e por pouco ela não acabou chorando ali mesmo. Toda sua alegria e entusiasmo pelo primeiro dia de aula tinham ido embora, dando lugar a uma tristeza e angustia sem fim.

- Vamos, fofa! Não fica gastando seu tempo com esse perdedor! – Carmem chamou, sendo seguida pelas outras garotas. Quando recuperou o movimento das pernas, Mônica também foi para a sala de aula sentindo os olhos marejados.

- Cebola... o que aconteceu com você? – ela murmurou para si mesma antes de entrar na sala de aula.



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