Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 47
A procura




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O celular vibrou debaixo do colchonete e ela o pegou para ler a mensagem. Nela, era sua mãe lhe perguntando se ela estava bem e se tinha sido ferida. Magali ia lendo com lágrimas nos olhos. Seus pais estavam mesmo preocupados! Ao contrário do que ela pensava, eles não estavam só preocupados como também lhe procuravam como loucos. Finalmente uma coisa boa no meio de toda aquela miséria!

Ah como ela queria poder ouvir a voz deles... nem que fosse só para ouvir queixas e reclamações. Pela primeira vez ela não ia se importar. Não, péssima idéia. Se os bandidos ouvissem alguma coisa, ela estaria perdida.

Ela olhou o relógio do celular e viu que passava das duas horas. O seu tempo estava se esgotando.

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- Mônica, não faz isso que a gente precisa dele!
- Se ele não quer ajudar, então não serve pra nada e vai levar umas bifas!
- Pára com isso, me solta! Você não tem o direito de me obrigar a nada! – Franja protestava se debatendo.

Denise observava tudo chupando um pirulito e se divertindo com a situação. Ao ver que já tinha se divertido bastante, ela tirou o doce da boca e falou com a voz debochada.

- Deixa ele, gatz. Se o rapaz aí não quer ajudar, a gente não pode fazer nada, né?

Os três olharam para ela sem entender e Mônica acabou soltando Franja, sabendo que não havia mesmo como obrigá-lo. Denise continuou.

- Claro que a Marina vai ficar chateada se a Magali aparecer morta num terreno baldio, mas fazer o quê?

Franja arregalou os olhos.

- Desde quando a Marina se importa com a Magali?
- Amore, aquela ali é a garota mais certinha e politicamente correta do bairro. Ela nunca ia ficar feliz com esse tipo de coisa. Ah, não encana! Ela vai entender perfeitamente se você não quiser ajudar. Cada um faz o que quer da própria vida.

Mônica e Cebola seguraram o riso e tentaram ficar sérios. Aquela ruiva fofoqueira tinha encontrado o ponto fraco do inventor. Franja esfregou a nuca, pigarreou, estalou o pescoço e perguntou.

- Acha mesmo que a Marina vai me admirar se eu ajudar?
- E como, fófis! Eu vou fazer questão de contar tudinho!
- Nos mínimos detalhes? Vai falar como eu colaborei e me esforcei para encontrar a localização dela?
- Palavra de Denise. Ela adora rapazes inteligentes e tá aí sua chance de mostrar que tem tutano na cabeça.

Ele respirou fundo e acabou dando o braço a torcer. Além do mais, ele sabia que ajudando ou não, de qualquer forma Denise ia contar tudo para Marina. Se ele não ajudasse, ela ia ficar com uma imagem muito ruim dele.  

- Tá bom, tá bom! Mas eu só vou fazer isso e mais nada! Não contem comigo pra ir até lá resgatar aquela maluca!

O celular foi conectado ao computador e Franja baixou os dados para rastrear o número.

- Como ele vai fazer isso? – Mônica quis saber e Cebola respondeu.
- Através da triangulação de dados, usando como referência a posição das antenas da cobertura GSM e 3G da CTBC pra informar a localização aproximada de um celular.
- Heim? – as duas perguntaram ao mesmo tempo, não entendendo nada do que ele tinha falado.

Como não estava lá com muita paciência para explicações longas, Cebola ficou muito aliviado quando Franja interrompeu a conversa.

- Parece que eu tô conseguindo alguma coisa.
- Credo, então ninguém tem privacidade, dá pra achar todo mundo! – Denise falou fazendo careta.
(Franja) - Há empresas que fazem isso e usam equipamentos mais sofisticados. É por questões de segurança também. Aqui meus equipamentos não são tão bons e só vai dar pra fornecer uma localização aproximada. Olhem aqui.

Ele mostrou um mapa na tela do computador, onde havia dois círculos. O menor e mais escuro marcava um quarteirão enquanto o maior e mais claro abrangia uma área maior.

- Dentro do círculo escuro é onde tem mais chance de ela estar. Só que isso não é muito exato, então ela pode estar em outra parte dentro do círculo maior. É uma área grande.
(Cebola) – A gente tenta percorrer de bicicleta, deve ser mais rápido.
(Mônica) – Bairro das Pitangueiras? Nossa, ela foi pra longe, viu?
(Denise) – E logo no lado mais pobre e feio? Cruzes!

Os dois a olharam.

- Você conhece?
- Mais ou menos. O Cascão conhece aquilo bem melhor.
(Cebola) – Mesmo? Interessante...
- O que você tá pensando, Cê?

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- “Cê” ? Por que ela fica chamando ele assim? Já tá criando essa intimidade toda com ele? – Cebola protestou não gostando nem um pouco daquela proximidade.
- Deve ser o hábito, careca.
- Que mané hábito! Ela nunca chamou ele assim e só agora começou com isso!
- Esquenta não que quando ela voltar, vai esquecer ele num instante.

Cebola ainda resmungou por um tempo e voltou a olhar a tela. Sim, ele ia ter que trabalhar muito para tirar aquele idiota da cabeça dela. E não ia ser nada fácil já que ele era tão inteligente, esperto e a tratava com carinho. Bem... ele também a tratava com carinho... de vez em quando. Era preciso se esforçar um pouco mais e Cebola começou a pensar se valia mesmo a pena querer se vingar dela saindo com outras garotas. Não... os sentimentos dela poderiam ficar ainda mais abalados e ele acabaria a perdendo de vez.

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Cascão ia pedalando na frente enquanto Mônica e Cebola seguiam atrás. Eles estavam chegando ao seu destino e tinham conseguido ir mais rápido graças a carona do seu pai, que sem desconfiar de nada achou apenas que os jovens iam dar um passeio inofensivo. Finalmente seu filho estava deixando aquela vida ruim para se entrosar com boas companhias.

O que o sujinho ainda não conseguia entender era como Cebola tinha conseguido convencê-lo a entrar naquela aventura. Que coisa, tantos anos tinham se passado e ele ainda não era capaz de dizer não ao careca.

Cebola e Mônica iam segurando seus localizadores, atentos a qualquer mudança no sinal.

- Será que ela tá nessa rua? – Mônica perguntou.
- É nessa área onde Franja disse que tem mais chance de ela estar.
- Só que pode estar na rua de baixo, de cima... ih, vai dar um trabalhão danado!

Eles continuaram percorrendo as ruas e como não encontraram nada ali, foram para as adjacentes. O local era feio, com ruas de terra e casebres mal construídos que mesmo não tendo reboco do lado de fora, tinham antena parabólica nos telhados. Aquele povo parecia não ter senso de prioridade.

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- Sai bicho, saaaaai!
- Denise, pára com isso criatura! – Franja gritava tentando se esquivar das vassouradas que a ruiva lhe dava sem parar.
- Tem uma taturana enorme na sua cabeça!

Ele segurou o cabo da vassoura e falou zangado.

- Isso não é taturana, é o meu cabelo crescendo!
- E cabelo mexe por acaso?
- É efeito colateral do meu tônico capilar!
- Como é?

Franja explicou que por ter raspado a cabeça para tirar aquele penteado punk, ele tinha ficado careca. Como ia demorar muito para o cabelo crescer de novo, a solução foi tentar inventar um tônico para acelerar o crescimento. Só que alguma coisa deu errado e seu cabelo além de ter crescido rápido demais, pareceu ter ganhado vida própria.

- Droga, agora vou ter que raspar tudo de novo!
- Melhor deixar isso pra lá que tá perigoso demais!
- Aí vou ter que usar essa boina ridícula? Como é que eu vou impressiona a Marina careca desse jeito?
- Paciência, fófis. Por que não arranja uma peruca?
- Ninguém merece! Aqui, não tá na hora de chamar a polícia não?

Ela consultou o relógio e viu que eram quatro e meia da tarde.

- Tá quase. Daqui a pouco eu ligo. Olha, tá mexendo de novo! – Ela pegou novamente a vassoura e saiu correndo atrás dele pelo laboratório.

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Os três pararam para descansar um pouco. A procura estava demorando mais do que Cebola tinha previsto, já que Magali não estava na área onde Franja tinha marcado como mais provável. Então ela devia estar nas redondezas.

- Véi, minhas pernas estão doendo de tanto pedalar!
- Vamos continuar. Ela tá por aqui, sei disso. Quer um gole? – ele perguntou oferecendo água mineral ao amigo, que deu um salto.
- Credo, tira isso daqui!
- Não vamos desanimar, né gente? Sei que vamos conseguir.
- Então vamos continuar porque daqui a pouco Denise vai ligar pra polícia. Se eles aparecerem sem a gente ter encontrado nada, vamos nos encrencar feio!

Os três montaram novamente nas bicicletas e continuaram a procura. Eles sabiam que o tempo não estava a seu favor.

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Ela estava sentada na cama da Magali olhando um retrato da filha de quando ela ainda era aquela menina doce e meiga. O que tinha mudado para ela ter ficado daquele jeito? Mingau dormia no travesseiro e ela afagou a cabeça do gato.

- Você deve saber, não é mesmo? Seria tão bom se gatos falassem...

O gato levantou-se do seu lugar e ficou se roçando na mulher à moda dos felinos, como que tentando consolá-la. Era só o que ele podia fazer. Ela sorriu e o colocou no colo. Quantas vezes eles tiveram ciúmes daquele gato porque ele recebia todo afeto da Magali?

O celular estava ali do lado e ela esperava receber mais uma mensagem de texto da filha. Era o único contato entre elas no momento. Carlito estava na polícia e eles tentavam rastrear o celular dela, só que aquilo ia levar um tempo porque de vez em quando o aparelho era desligado, talvez por medo dos bandidos.

Tudo o que ela queria era ter sua filha de volta. Será que a polícia ia demorar demais para encontrá-la? Será que iam encontrá-la? Seu coração apertou quando se fez a segunda pergunta. Eles tinham que encontrá-la, não havia outra opção. Ela não queria perder sua filha assim de um jeito tão estúpido. E quando ela voltasse para casa, Lili pretendia ser uma mãe melhor. Depois de muitos anos, talvez mais lúcida depois de ter passado por todo aquele sofrimento, ela chegou a conclusão de que alguma coisa tinha acontecido para ela ter ficado assim. Só que ao invés de procurar saber o que houve, ela e seu marido só sabiam recriminar, reclamar e compará-la com as outras meninas. Na época parecia o mais certo a fazer, mas depois de pensar com mais calma Lili chegou a conclusão de que eles tinham feito tudo errado.

Não era de julgamentos que sua filha precisava e sim de compreensão. Talvez toda aquela rebeldia fosse a única forma que ela tinha encontrado para lidar com um problema mais sério e doloroso, então eles precisavam mudar o jeito de tratá-la se quisessem trazer a paz de volta para aquela casa. Será que eles iam ter uma chance de consertar tudo?

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Quando passou perto de um barraco, Cebola viu seu aparelho soltar um som fraco, uma espécie de apito indicando que o sinal ali era forte. Ele voltou para trás e ficou parado em frente ao local para conferir e viu que tinha acertado.

- Mônica, Cascão, vem cá! Encontrei!

Os dois voltaram e foram para perto do rapaz.

- Então ela tá naquela casa ali? Que lugar mais feio! – Mônica falou com uma careta.
- Beleza. O que a gente faz agora?
- A Denise já deve ter ligado pra polícia, mas eu vou ligar também já que agora temos o nome da rua.
(Cascão) – Só que o barraco não tem número.
- A gente vai ter que esperar aqui e mostrar pra eles.
(Mônica) – Aqui no meio da rua? Se tem bandido naquela casa, eles vão ver a gente!

Cebola olhou em volta e viu que em frente o barraco tinha um terreno baldio que estava tomado pelo mato que tinha crescido muito. Eles esconderam as bicicletas ali e se acomodaram entre a vegetação.

- Tem certeza de que ela tá ali, Cê?
- O sinal aqui é muito mais forte do que em qualquer outro lugar. Um dos terrenos é baldio e o outro parece que ainda estão construindo, então não deve ter ninguém ali. Só pode ser esse aí mesmo.

Eles ficaram ali esperando pela chegada da polícia, só que o tempo passava e não aparecia nenhuma viatura. Cebola ligou outras vezes e percebeu que o atendente não o estava levando a sério, achando que se tratava de um trote. Mônica e Cascão também tentaram ligar e tiveram a mesma resposta.

- Porcaria, eu não tinha imaginado esse imprevisto. – Ele reclamou ao ver que seu plano estava dando errado. – Cascão, você tem o número dos pais da Magali?
- Eu? Claro que não! Tentem o Franja ou a Denise.
- Tá bom. Fiquem de olho que eu vou ligar pra eles.

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O celular tocou e o sujeito atendeu.

- Fala, chefe.
- Seguinte, eu tô aí dentro uma meia hora, então bota a magrela pra tomar banho que eu tô em ponto de bala!
- Pode deixar.

Titi, que tinha ouvido a conversa, quis saber.

- Ele já tá chegando? Pensei que ele só vinha de noite!
- Vai ver ele resolveu o pepino mais cedo. Tá achando ruim do quê?
- Eu? Nada não! Só quis saber.  

O rapaz ficou preocupado, pensando no que ia fazer. O tempo estava se esgotando muito mais depressa do que o imaginado. Um dos capangas entrou no quarto e sai trazendo Magali pelo braço.

- Pára de espernear, ô magrela, senão eu meto a mão na sua cara!
- O que vai fazer comigo?
- Agora? Nada. Você vai é tomar um banho e ficar cheirosa pro chefe.
- Como é?

Ele a empurrou para o banheiro com grosseria e lhe jogou uma toalha velha.

- Aí tem sabonete, então toma um banho caprichado!

Outro capanga foi colocando as cervejas no congelador para que ficassem bem geladas e Titi sentia o estômago se revirando de medo e ansiedade. Então era isso, não tinha mais escapatória. Magali não tinha conseguido pedir ajuda e os bandidos iam ter a festa de qualquer maneira. O que ele ia fazer caso lhe mandassem fazer a mesma coisa com ela? Ele sentiu que não ia conseguir. Se bem que caso eles entrassem no quarto um por vez, não seria difícil fingir que tinha feito algo, só que aquilo não ia fazer muita diferença para ela. Que diabos! Só mesmo um milagre para resolver aquela confusão!


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