Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 46
Pedindo socorro




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Na avenida movimentada do centro da cidade, Carlito e Lili paravam as pessoas com a foto da Magali nas mãos, perguntando se tinham visto sua filha. Algumas pessoas paravam para olhar, poucas se condoíam de verdade e a maioria estava mais preocupada com seus afazeres do que com o sumiço de mais uma adolescente, que certamente deve ter fugido de casa e ia voltar logo que tivesse fome.

- Carlito, será que isso vai dar certo? A gente devia estar percorrendo o bairro!
- A polícia já está cuidando disso, não se preocupe. Eles também estão procurando em hospitais, pronto-socorros, no IML...

Ela deu um suspiro triste quando seu marido falou em IML, tentando não pensar no pior.

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No colégio não se falava de outra coisa. Todos já sabiam do desaparecimento de Magali e também que Titi estava envolvido.

- Será que ele raptou ela?
- Não duvido nada, aquele ali nunca prestou!
- É mesmo, ele sempre foi um abusado!
- Sei não, vai ver ele foi obrigado.
- É mesmo, ela sempre mexeu com quem não presta!

Mônica andava pelos corredores ouvindo os comentários e sentindo ganas de socar alguns narizes.

- Tomara que ela fique por lá mesmo, agora a gente vai ter sossego!
- Aquela ali era ruim feito a peste, mereceu!
- Eu não tô com pena nenhuma! Ela nunca teve pena da gente!

O jeito foi respirar fundo para se controlar e ir embora dali. As aulas nunca pareceram tão longas, foi como se cada segundo valesse por dez.

- Mônica? Você está bem? – Cebola perguntou alcançando a moça.
- Claro que não, né? Eu tô morrendo de preocupação aqui!
- Calma que eu tô dando um jeito.

Ela parou de andar e ficou olhando para ele.

- Um jeito? Como?
- Não é nada garantido, mas de repente dá para achar a localização dela. Vai lá pra casa depois do almoço que a gente conversa direito.
- Ai, tá bom! Você é demais, viu? – ela falou lhe dando um beijo na bochecha e indo embora mais aliviada. Após ficar ali meio abobalhado por um tempo, ele tratou de correr para casa também.

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A noite tinha sido longa e muito ruim. Ele teve que dormir naquele barraco junto com outros dois capangas que se revezaram para ficar de guarda. Pior foi ter que dormir num colchonete velho já que o sofá era reservado só para eles.

De manhã, ele tomou café com pão, um café amargo e com gosto ruim. Eles também deram algo para Magali comer e ele ficou pensando como ela tinha passado a noite tendo comido só duas vezes.

Mais cedo, ele ouviu um dos capangas dizendo que Ricardão só chegaria a noite, deixando o rapaz mais aflito. Aquele tormento ia durar por horas e horas. Se ao menos houvesse um jeito de pedir ajuda... não, não havia como. A vigilância ali era constante e eles controlavam até o tempo que ele ficava no banheiro. Não dava para fazer uma ligação sem ser pego no flagra. E sair dali também não era possível.

Como tinham medo de que ele fraquejasse, os dois ordenaram que ele ficasse dentro da casa até que Ricardão chegasse e dissesse o que fazer.

“Droga, por que eu fui me meter com esses caras? Por que?” ele pensava a toda hora. Não, ele não queria mais fazer aquele tipo de coisa. Era demais até para alguém como ele. Além do mais ele estava com muito medo e tinha desistido de fazer parte daquele bando de marginais. Eles não valiam nada. Seu desejo era só voltar para casa e esquecer aquilo tudo. O problema era que ele não sabia como fazer isso. Será que eles iam deixá-lo voltar para casa? Aquela pergunta também lhe assombrava. Pelo rumo que os acontecimentos tinham tomado, voltar para sua casa ia ser difícil porque ele teria que responder muitas perguntas.

E se eles resolvessem dar um fim nele? Afinal, ele era uma testemunha e por ser muito jovem, não tinha grande serventia para o bando deles. Um frio percorreu sua espinha. Mesmo Ricardão tendo falado que não pretendia matar Magali, o rapaz tinha lá suas dúvidas. Aquele homem não tinha nenhum tipo de compaixão e para salvar a própria pele, seria capaz de matá-los e esconder os corpos onde nunca mais seriam encontrados. Ao pensar aquilo, Titi começou a pensar numa forma de se salvar daquela confusão. Nenhuma boa idéia lhe ocorria.

Quando chegou a hora do almoço, um deles entrou levando sacolas com marmitex.

- Puta que pariu, que cheiro ruim é esse? – o homem falou tampando o nariz.
- É a lata de merda lá no quarto. A magrela deve ter enchido até a boca! – outro respondeu também fazendo cara de nojo.
- Então esvazia, caralho! Como é que a gente vai comer com esse fedor no nosso nariz?
- Eu é que não entro lá dentro de jeito nenhum! O fedor deve estar muito pior!
- Alguém vai ter que fazer isso!

Os dois olharam para o Titi, que estava sentado no sofá vendo televisão e alheio a conversa dos dois. Um deles chamou.

- Ô dentuço, entra lá no quarto e esvazia a lata.
- Eu?
- Claro! Acha mesmo que a gente vai entrar lá dentro com esse fedor? Vai lá ou não almoça hoje.
- E onde eu vou jogar a porcaria? No vaso?

O sujeito pensou e logo viu que não era boa idéia. Mesmo dando descarga, o mal cheiro poderia continuar assombrando seus narizes por um longo tempo.

- Não. Vai lá no quintal dos fundos e joga do outro lado do muro. Depois passa uma água pra limpar.
- Tá bom.

Antes que o rapaz entrasse no quarto, o capanga ameaçou.

- Não fala nada com ela, valeu? E trate de voltar logo, senão a tente vai te caçar e meter uma bala na sua cabeça.
- Não tenta fugir porque a gente sabe onde você mora, tá ligado?   
- Tá, entendi, que coisa!

Titi abriu a porta e pela primeira vez viu as condições em que Magali estava. O local estava fétido, com o ar totalmente abafado e ela estava em um estado de miséria. Como não podia falar nada, ele foi direto até a lata e saiu dali rapidamente sem lhe dirigir a palavra.

- Agora joga isso fora antes que pegue a casa inteira! – os dois ordenaram já não agüentando mais tanto fedor.

Ele correu até o quintal dos fundos prendendo a respiração e despejou o conteúdo conforme tinha sido ordenado. Quando estava voltando, Titi acabou tendo uma idéia maluca. Ele não podia pedir ajuda porque era vigiado o constantemente, mas Magali podia. Ela ficava trancada naquele quarto o tempo inteiro e não saía para nada. E como tinham recebido ordens para não encostarem as mãos nela, os outros capangas também não entravam.

Era loucura, mas podia dar certo. E se não desse? Bem... se a pegassem com o celular, seria o pescoço dela que estaria em risco, não o dele. Só faltava encontrar uma forma de lhe entregar o aparelho e ele logo descobriu como quando foi lavar a lata. Bastava disfarçar bem e torcer para que nenhum dos capangas resolvesse olhar o que tinha lá dentro.

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- Qual é a sua idéia, Cê? – Mônica perguntou sentando-se ao lado dele na frente do computador.
- É o seguinte: eu tipo coloquei uns aparelhinhos de escuta na mochila da Magali.
- Você fez o quê? Aparelhos de escuta?
- Era pra saber o que ela estava fazendo. Esses aparelhos emitem uma freqüência especial que eu posso detectar.
- Nossa! Que tudo! Então o que a gente tá esperando?
- Ei, calma lá! O problema é que essa freqüência tem pouco alcance, só uns cinco metros.
- Ah, droga! Então não vai adiantar pra nada!
- Quem disse?
- Oi?

Ele digitou alguns comandos no teclado e voltou a falar.

- Tudo o que precisamos é selecionar os locais mais prováveis onde ela poderia estar e percorrê-los. A detecção é instantânea, então será relativamente rápido.
- E você já sabe onde encontrá-la?
- Podemos começar na periferia do bairro. É mais afastado e seria um bom lugar para esconder alguém.
- Só que é muito lugar pra gente procurar! Não seria melhor falar com a polícia?
- Acha mesmo que eles vão acreditar na gente? Nem! O melhor é a gente tentar achá-la e só então dar um telefonema pra polícia. Isso vai resolver.
- Faz sentido, mas como a gente vai percorrer esses lugares? De ônibus vai levar um século!
- Pindarolas! Deixa eu pensar...

Um carro seria a solução, só que nenhum deles tinha idade para dirigir e ele também não sabia como arranjar um.

- O jeito vai ser a gente ir de bicicleta. Vai dar trabalho, mas é melhor do que ir a pé. Eu levo um localizador e você leva outro. Isso deve ajudar. Deixa só eu fazer alguns ajustes e a gente já vai.

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- E como tá a magrela? – Ricardão perguntou pelo celular.
- Tá quieta agora e não grita mais.
- Legal! Só que ela vai gritar um monte quando eu chegar. Hahaha!
- Sei não, chefe! Ela tá num fedor tão grande que eu nem sei se vou querer!
- Não tem chuveiro no barraco? É só mandar ela tomar um banho. Lavou, tá novo! De noite eu chego aí, então vê se providencia umas cervejas pra nós!
- Beleza!

Ele desligou o telefone e voltou ao seu trabalho sujo pensando na diversão que ia ter aquela noite.

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A porta se abriu e ela viu aquele traidor entrando no quarto para colocar a lata de volta. Mais uma vez ele sequer olhou em sua direção e saiu dali rapidamente. Magali voltou a encostar a cabeça na parede de tábuas, onde tinha uma fresta que permitia a entrada de um pouco de ar. O cheiro ali estava ficando cada vez pior e seu estomago nem roncava mais. Como ter algum apetite num lugar como aquele e sabendo o que ia lhe acontecer em breve?

Quanto mais o tempo passava, mais ela tinha certeza de que ninguém ia salvá-la. Seus pais já devem ter esvaziado seu quarto e a escola inteira devia estar comemorando o seu fim, todos felizes e contentes. Talvez até inventassem algum feriado.

Será que ninguém ia sentir sua falta? Ninguém ia chorar sua morte? Não. quem ia se importar com alguém como ela? Talvez somente seu gato Mingau, que naquela altura já devia estar em algum centro de controle de zoonoses esperando para tomar uma injeção letal.

Magali voltou a chorar, coisa que não fazia há muitos anos. E mais uma vez não tinha ninguém para lhe consolar e enxugar suas lágrimas.

O cheiro ruim da lata voltou a lhe incomodar, deixando-a irritada. Por que aquele idiota tinha colocado aquilo tão perto do colchonete? Quando foi tirar a lata dali, ela viu que tinha alguma coisa no fundo e teve uma grande surpresa quando viu um celular ali dentro.

“Um celular? Por que ele colocou isso aqui?”

Então ele estava querendo ajudá-la? Ela logo ficou desconfiada. E se fosse uma armadilha? Era óbvio que se aqueles bandidos a pegassem com aquele aparelho, uma bala ia ser alojada em sua cabeça num instante.
 
Por outro lado, como eles iam descobrir se nunca entravam no quarto? Bastava colocar no modo silencioso e não fazer barulho. Sua primeira providencia foi ligar para seus pais. O telefone tocou algumas vezes e antes que alguém atendesse, ela desligou rápido. Que burrice! Como ela ia conseguir falar alguma coisa sem que ninguém ouvisse? Sem falar que ela não fazia a menor idéia de onde estava. De qualquer forma, era preciso pedir ajuda e ela revolveu tentar outra alternativa. Após certificar de que os bandidos estavam muito ocupados vendo televisão, ela começou a digitar uma mensagem de texto e mandou para todos os telefones que tinha na sua lista. Alguém com certeza ia receber essa mensagem e talvez arrumassem uma forma de rastrear o telefone e lhe encontrar. Isso, claro, se alguém se importasse.

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Seu celular vibrou e Carlito atendeu.

- Lili, olha só! É nossa filha! – ele falou saltando do sofá e chamando a esposa.
- A Magali? Ela tá no telefone?
- Mandou um sms. Deixa eu ver.

“Socorro, fui raptada e não sei onde estou. Eles me prenderam num barraco!”

- Essa não, minha filhinha! – Lili chorou desolada.
- Engraçado, eu não conheço esse número! Melhor avisar a polícia!

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- Como é? – Cascão falou atendendo o aparelho e vendo a mensagem. Era o número do Titi, mas a mensagem parecia ser de outra pessoa. Seria da Magali? O que fazer agora?

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Cebola segurou o celular de Denise e leu a mensagem.

- Então ela deu um jeito de pedir socorro. Olha, chegou outra!
- Aqui diz que ela está num lugar ermo porque não ouve barulho de carro e nem de vizinhos. Ainda assim tá difícil! – Mônica falou também chateada por não ter descoberto nada com as mensagens.
- Não esquentem. – Denise falou - Os pais dela também receberam essas mensagens e já falaram pra polícia. Agora é só esperar.
- Esperar nada, a gente precisa dar um jeito de rastrear isso.
(Denise) – E tem jeito?
- Por vias normais é bem difícil mesmo, mas eu conheço outra forma. Pra casa do Franja!

Mônica e Cebola correram para a casa do inventor, seguidos por Denise que não queria perder nada do grande babado do ano. Assim ela ia ter muito assunto para conversar com as garotas no dia seguinte.

Quando abriu a porta do laboratório e se deparou com os três, Franja levou um susto. Talvez Denise fosse de se esperar, mas Cebola e Mônica?

- Franja, por acaso você recebeu mensagens de texto da Magali? – Cebola foi logo perguntando enquanto os três entravam sem nenhum convite.
- Recebi e já falei pra polícia. Os pais dela também receberam.
- Tá, isso eu já sei. Só quero saber se tem um jeito de rastrear esse número.

O rapaz pegou o celular e falou.

- É o número do Titi.
- E dá pra saber a localização exata?

Ele levou um susto, já sabendo onde Cebola queria chegar.

- Dá pra localizar o quarteirão, mas não é exato.
- Legal, faz isso então!
- E por que eu faria isso? a Magali teve o que merecia! Eeeeiiii!

Mônica o agarrou pela gola da camisa, levantando-o no ar e batendo suas costas contra a parede.

- Como você pode falar uma coisa assim? A Magali tá em perigo e a gente precisa ajudar ela!
- A gente quem, cara pálida! Eu não tenho que ajudar ninguém, tá legal? Cada um com seus problemas!
- Grrrrr!

Cebola e Denise tentaram segurar Mônica antes que ela partisse Franja ao meio. A confusão era grande e eles discutiam muito. Pelo visto, Franja não pretendia colaborar de jeito nenhum e nada ia fazê-lo mudar de idéia. Ou quase nada.


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