Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 44
O confronto




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As garotas estavam sentadas a mesa do refeitório comendo seu lanche quando Mônica chegou junto com Denise, que segurava sua bandeja e olhava para baixo meio envergonhada.

- Meninas, a Denise vai sentar com a gente hoje, tá bom?
- Tá bom. – elas falaram dando lugar para que a ruiva se sentasse.

Após alguns minutos de silêncio constrangedor, aos poucos elas foram ficando a vontade perto de Denise, que usando aquelas roupas mais coloridas e alegres, parecia ser uma delas. Longe do controle de sua antiga gangue, Denise era outra pessoa. Mais alegre, expansiva e sempre dizendo coisas engraçadas, tal como era na infância.

Magali trincou os dentes com raiva quando viu Denise sentada com as outras garotas. E sua raiva foi maior ainda ao ver Franja e Cascão sentados em outra mesa e mostrando claramente que não queriam sua companhia. Os outros alunos a olhavam e cochichavam entre eles à medida que ela passava levando sua bandeja.

- Ouvi falar que eles deixaram ela sozinha!
- Será? Tomara, viu?
- Olha só a cara dela, que medo!
- Ih, não encara não que é pior!

Ela estava tão distraída com os murmúrios que não viu quando alguém veio em sua direção e esbarrou em seu ombro com força, fazendo com que sua bandeja caísse no chão.

- Seu bosta, olha o que você fez! – Ela bradou olhando DC com aquele olhar assassino.
- Eu vou discordar, você é que não olha pra onde anda, sua mocréia!
- Olha que eu arrebento a sua cara, heim!
- Arrebenta? Hahaha, você em que exército? Já era, garota, você tá sozinha e não tem ninguém pra se esconder atrás!
- Eu posso estar sozinha, mas ainda posso arrebentar essa cara de merda!
- Então arrebenta, vai! Aí eu conto tudo pro meu tio!

Mônica via tudo de longe, sentindo raiva ao ver DC falando com Magali daquele jeito. Quem ele pensava que era? Só porque ela estava sozinha, ele se achava no direito de querer brigar?

- O que você vai fazer, Mô? – Marina perguntou ao vê-la se levantando com aquela cara de brava.
- Você vai ajudar ele? – Cascuda quis saber.
- Não.

DC chegou mais perto da Magali e falou olhando-a desafiadoramente.

- E aí? Vai, me bate! Quero ver você encarar o meu tio! Me bate que eu conto tudo pra ele!
- Por que você sempre esconde atrás do seu tio? Não consegue encarar suas brigas sozinho?

Todo o refeitório ficou em silêncio. Os outros alunos pararam de comer e muitos ainda seguravam o garfo no ar, com os olhos vidrados na cena mais inusitada de toda a história daquele colégio. Mônica parou no meio do caminho e ficou tão espantada quanto os outros.

Magali olhava para ele com os olhos arregalados, sem saber o que era mais estranho: o Cebola tomando seu partido ou o fato de ele ter falado corretamente. E aquela voz... ela conhecia aquela voz!

- Olhem só! Ele tá falando direito agora!
- Sim, eu estou. E o que você pensa que tá fazendo?
- Eu tô botando essa mocréia no lugar dela, é isso! Ela não vai mexer com mais ninguém desse colégio!
- Oi, eu tô aqui, esqueceu? – Magali protestou zangada ao ver os dois falando dela como se ela nem estivesse perto. Eles a ignoraram por enquanto.
- Sei... e você quer fazer isso botando seu tio delegado no meio? Por que não encara ela sozinho? Por que tem que ficar se escondendo atrás dele?
- Isso mesmo! Você não honra suas calças não? Por que não briga sozinho? – Mônica falou alto, chamando a atenção de todos.

Denise olhou para os lados e acabou tomando uma decisão. Apesar de ter ficado livre da Magali, ela ainda queria ficar do lado do vencedor. Se DC vencesse aquela briga, ela não ia ganhar nada de bom.

- Pra falar mentira você é bom, né fófis? Agora encara essa sozinho que eu quero ver!

Quim viu que a coisa estava ficando feia e foi até onde eles estavam.

- Deixa ela em paz, tá legal? Ela nem mexeu com você!
- Vai ficar do lado dela?
- Vou! Quando ela ainda tava com os outros, você não fazia nada, nunca fez! Agora que ela tá sozinha, você vem bancar o valentão?

Os rapazes acabaram se empolgando e apesar dos protestos do Nimbus, Jeremias também falou.

- Qualé, DC! Tá dando no saco você ficar falando toda hora do seu titio!
(Xaveco) – Se você é tão valente assim, então prova!
(Luca) – E prova brigando sozinho, só você e ela!

Com aquilo, o rapaz ficou receoso. Ele jamais teria condições de encarar Magali cara a cara, só ele e ela. Se os dois brigasse, ele ia apanhar com certeza. As meninas também empolgaram e Marina falou.

- Que coisa feia! Só é valente porque tem um delegado na família!
(Cascuda) – Se vira sozinho!

Mônica sorriu ao ver o apoio das amigas e olhou para Cebola com cumplicidade. Era ele quem precisava lidar com aquela situação. Ele entendeu o recado e voltou a falar.

- DC, vamos parar com isso, já deu! A gangue acabou, o que mais você quer?
- Ele quer apanhar, isso sim! – Magali respondeu socando a mão fechada contra a palma da outra. O contrariado se encolheu de medo e Cebola voltou a falar.
- Não, chega. Ninguém vai bater em ninguém aqui. Chega de briga nesse colégio, todo mundo tá de saco cheio!
- E quem vai me impedir? Você? um saco de bosta que apanhou de mim a vida inteira? Vai mesmo sair no braço comigo?

Ela chegou bem perto dele, olhando-o nos olhos. Cebola sustentou seu olhar sem a menor sombra de hesitação.

- Eu não vou te parar. É você quem vai parar a si mesma. Caramba, Magali! Por que você não deixa todo mundo em paz? Ninguém aqui tem culpa dos seus problemas.
- Isso é verdade. O culpado aqui é você, esqueceu? É por sua causa que eu fiquei assim, agora agüenta!

Cebola balançou a cabeça negativamente e falou.

- Sim, eu pisei na bola com você, aprontei de tudo quanto é jeito e sempre te humilhava na frente dos outros.

Ela ficou surpresa ao vê-o admitindo aquelas coisas. Ele continuou.

- Só que tem uma coisa: eu sou responsável pelas minhas escolhas, não pelas suas!
- Como é?
- Eu fiz o que fiz e não vou negar nada, mas se você resolveu ficar desse jeito, foi escolha sua!
- Escolha minha? Seu cachorro sem vergonha, filho duma égua! Eu fiquei assim por sua causa!
- Depois que você me bateu naquele dia, eu nunca mais mexi com você de novo! Todo mundo aqui é testemunha que eu te deixei em paz! E mesmo assim você continuou me perseguindo e perseguindo os outros da turma também!
- Claro! Só dá pra impor respeito na base da porrada!
- E você acha que é respeitada agora? O DC tá te respeitando por acaso? Seus amigos te respeitaram quando deixaram você sozinha? Isso lá é respeito?

Magali ficou sem saber o que responder, cerrando os punhos com raiva.

- Então cai dentro, se você quer brigar a hora é agora! Eu sei que você pode me encarar, já fez isso antes usando aquela roupa ridícula.

O susto foi geral e DC resolveu tirar proveito da situação.

- Então você é o tal Herói Mascarado, não é? Tô reconhecendo sua voz! Você ficou se fantasiando e fazendo todo mundo de trouxa!

Um murmúrio espalhou pelo refeitório e Cebola se defendeu.

- Não. Eu não quis fazer ninguém de idiota!
(Luca) – Então por que fez aquilo?
(Nimbus) – Você enganou todo mundo!
(Xaveco) – A gente te admirava!
- E isso vai mudar só porque sabem que sou eu? Será que me odeiam tanto assim? – Ele virou-se para os amigos e continuou falando. – Gente, eu fiz aquilo porque queria compensar o que fiz! Não agüentava mais ver a Magali maltratando todo mundo, então queria fazer alguma coisa pra ajudar!
(Quim) – Então por que você se fantasiou?
- E alguém ia me levar a sério por acaso?

Ninguém respondeu nada.

- Eu queria ajudar, fazer alguma diferença! Por todos esses anos fiquei escondido sem fazer nada por ninguém e cansei disso! Cansei de viver com medo, me escondendo e sem fazer nada para melhorar as coisas! Foi por isso que me fantasiei!
- Grande bosta! E aí, vai tentar me derrotar agora seu saco de merda?
- Não. Eu não quero brigar nem com você, nem com ninguém. Quero é dar um ponto final nisso tudo!

Ela pôs as mãos na cintura e perguntou olhando-o desafiadoramente.

- E como você vai fazer isso sem brigar?
- Pedindo desculpas.
- Como é?

Um “Ohhh” espantado percorreu todo o refeitório e Cebola continuou.

- Magali, me desculpe por tudo de ruim que te fiz, desculpe por ter feito você sofrer. Me desculpe. Eu não posso mudar o que aconteceu no passado, mas o futuro é a gente que faz! A gente não precisa mais brigar, não precisa mais ter raiva de ninguém!
- Agora você vem com essa conversinha mole? Pensa que vai me amolecer com isso?

Ele ficou espantado com a dureza dela. Claro, ela tinha formado uma casca ao seu redor que impedia qualquer um de se aproximar. Aquilo não ia mudar com um simples pedido de desculpas.

- Eu só quero me desculpar. Só isso. Errei muito e te fiz mal, então me desculpe. Estou sendo sincero. Vamos acabar com isso, por favor! – Ele finalizou estendendo uma das mãos para ela esperando por uma reconciliação.
- Vai se ferrar, seu imbecil! – ela bradou dando um tapa forte na mão que ele tinha estendido. – Eu não quero fazer as pazes com ninguém não, tá legal? Você acabou com a minha vida e agora vai pagar pelo resto da sua!
- Não vou te deixar fazer isso. Estou muito arrependido pelo que fiz e peço desculpas, mas não vou pagar isso te deixando arruinar minha vida. Se você tentar, vou me defender porque é um direito meu!
- Então pode esperar porque eu não vou pegar leve coisa nenhuma, seu porcaria!
- Magali, não faz isso! – Quim pediu falando tentando amolecer aquele coração duro.

Por alguns segundos, aquele olhar carinhoso fez efeito, mas ela logo se recompôs e falou.

- Cuida da sua vida que eu não pedi sua opinião.
- Mas...
- Vai se ferrar. Vai todo mundo se ferrar! – ela bradou para todos e saiu dali pisando duro.

Mônica chegou perto do Cebola, triste com o final daquela discussão.

- Puxa, eu sinto muito... achei que ela fosse mesmo aceitar fazer as pazes.
- Tudo bem. Uma coisa de cada vez. Pelo menos ela não veio pra cima de mim, já é alguma coisa.
- Só que ela vai continuar te perseguindo.
- Mas eu não vou deixar ela me bater como fazia antes. Vou me defender porque é um direito meu.

O sinal tocou e todos saíram dali comentando o acontecimento entre si. Uns estavam admirados com a mudança do Cebola, outros revoltados com a dureza e teimosia da Magali. Alguns estavam bem frustrados por saberem que aquele herói tão admirado era ninguém menos que o cobaia da escola.  

- Menina, você sabia que ele era o herói? – Marina perguntou surpresa com tudo aquilo.
- Sabia, né? Só que não podia falar porque esse segredo não era meu.
(Cascuda) – Tô passada! E eu achava ele um gatinho!
- Ele continua um gatinho, né gente? Será que ficou feio só porque deixou de ser o herói?
(Keika) – Ah, sei lá... ele é tão branquelo... se pegasse uma corzinha podia melhorar um pouco.
(Aninha) – E se vestisse umas roupinhas decentes.
(Marina) – É mesmo! com aquelas roupas ele parece cinco quilos de batatas num saco pra dez!

Até Mônica acabou rindo com a piada.

Entre os rapazes, o alvoroço era geral.

(Xaveco) – Eu nunca pensei que Cebola pudesse ser o herói!
(Jeremias) – Cara, nem eu! Que doideira!
(Nimbus) – Bem que o DC falou, só que eu não acreditei!
(Luca) – E tem como acreditar! Rapaz, ele tá falando direito! Quando foi que ele aprendeu a falar direito?

Eles seguiram discutindo até cada um ir para a sua sala. DC vinha logo atrás tendo que suportar cochichos e risinhos dos outros alunos. Aquele idiota acabou lhe desmoralizando na frente de todos e ele não via nenhuma saída. A única forma de recuperar sua moral perdida era enfrentando Magali sozinha, coisa que ele não tinha condições de fazer. E a situação estava tão ruim para seu lado que nenhuma garota estava lhe dando atenção. Nem Carmem que antes vivia correndo atrás dele.

“Fala sério, tem como isso piorar?”

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Quando o sinal tocou, Titi ficou de olho no portão de saída esperando por ela. O plano era simples, bastava levá-la para a rua de baixo, onde era mais deserto, e o pessoal do Ricardão ia fazer o restante. Não tinha como dar errado. Quando a viu andando entre os alunos, com a pior cara possível como sempre, ele se aproximou.

- Tá fazendo o quê aqui, seu traidor? Me deixou na mão e nem foi homem pra vir me encarar hoje?
- Te deixei na mão? Onde?
- A Denise falou...
- Bah, aquela ali fala demais só porque eu terminei com ela. não agüentava mais tanta chatice de patricinha.

Magali ficou um pouco mais animada.

- Então você não pulou fora?
- Claro que não!
- Então por que faltou?
- Porque eu tava resolvendo uns lances lá com os traficantes.
- Pelas minhas costas?
- Calma aí! Eu também fui pego de surpresa e não deu pra te avisar. É o seguinte, eles vão liberar a gente de vender a droga.

Ela acabou sorrindo de alívio.

- Sério mesmo? Por que?
- Os caras falam que é arriscado pra eles e não tá rendendo nada.
- Beleza, demorô! Só que eu não terminei de vender a mercadoria...
- Ainda tá com você?
- Tá. E o dinheiro deles também...
- Então vamos lá devolver tudo e não se fala mais nisso. A gente vai ficar livre deles.
- E o resto do pessoal? Agora só ficamos nós dois.
- Não esquenta que a gente vai dar um jeito. Primeiro vamos resolver isso lá com os traficantes. Vem, eles estão esperando a gente lá na rua de baixo.

Titi saiu dali e Magali o seguiu sem desconfiar de nada. Sem que os dois vissem, Quim os seguia de longe. Ele não se conformava em ver Magali agindo daquela forma e só queria uma chance de falar com ela a sós, sem ninguém vendo. Talvez assim ela baixasse um pouco a guarda.

“O que aquele patife tá querendo com ela?” ele perguntou a si mesmo sentindo uma ponta de ciúmes. Se tinha sobrado somente os dois, era bem arriscado eles ficarem próximos demais.

Na rua de baixo, Magali viu um carro parado com os vidros escuros.

- Fica fria que vai ser rápido. Vem.

Quim se escondeu atrás de uma árvore e logo ficou preocupado. Para onde Titi a estava levando?

Quando os dois chegaram perto do carro, Titi bateu levemente no vidro e a porta se abriu. Foi tudo muito rápido. Antes que pudesse reagir, Magali viu um homem saindo rapidamente do carro e colocando um saco na sua cabeça.

- Ei, que é isso? Me soltem!

Como ela se debatia fortemente, um dos sujeitos lhe deu uma coronhada na cabeça, fazendo-a perder os sentidos. Eles entraram rapidamente no carro, que já estava com o motor ligado, e arrancaram dali chiando os pneus.

- Magali! Magali! – Quim veio gritando feito louco tentando correr atrás do carro. foi em vão. O veiculo desapareceu na esquina em questão de segundos, deixando o rapaz aflito e desesperado. O que aqueles marginais iam fazer com sua Magali?


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