Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 33
O primeiro a cair




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Aquela não era uma mansão igual a dos filmes. Na verdade, nem era exatamente uma mansão e sim uma casa bem grande e luxuosa. Por isso não havia circuito interno de câmeras que ele podia usar para controlar os movimentos dos assaltantes. Tudo bem, ele tinha seus pequenos robôs que foram espalhados pela casa e iam lhe dar algumas imagens de como estavam andando as coisas. Bastava acompanhar tudo do seu iPhone.

“Eles se espalharam. Melhor ficar esperto. Será que os empregados já chamaram a polícia? Tomara que sim!”

Tonhão ia procurando de quarto em quarto e até olhando debaixo das camas. Nada. Outro bandido que estava olhando o andar de baixo deu um grito e eles correram até lá.

– Os empregados fugiram!
– Essa não! Já devem ter chamado a polícia!
– Temos que vazar daqui!
– Nem pensar! A gente tem que pegar o sujeito que tá nessa casa! Ele pode ter visto nossos rostos!
– Então vamos logo!

Eles voltaram a procurar e Cebola viu que não ia poder se esconder para sempre. As imagens não estavam exatamente boas por causa da iluminação, mas ele pode ver que dos quatro, Tonhão era o único que levava uma faca ao invés de um revólver. Se pudesse imobilizar o mastordonte, seria um a menos para lhe preocupar.

Cebola pegou o lençol de uma grande cama de casal e saiu dali a procura de Tonhão. De acordo com as imagens dos seus nano-robôs, ele estava na sala do home theater.

– Olha só essa TV! – o grandalhão falou se distraindo momentaneamente. O plano, infelizmente, era só roubar coisas pequenas e fáceis de carregar. Uma TV como aquela ia dar muito trabalho. De repente, o aparelho ligou e começou a passar um jogo de futebol.

Ele recuou rapidamente e rosnou empunhando sua faca.

– Quem tá aí?
– Você ainda não percebeu? Parece que inteligência não é seu forte!

O brucutu rangeu os dentes ao ver, no canto da sala, o tal herói mascarado que tinha feito a gangue de idiota.

– Eu vou te triturar todinho!

Apesar de a sala ser grande, havia muitos móveis que atrapalhavam seus movimentos de fuga. Além de ter que desviar dos goles de faca, ele também precisava ter cuidado porque se aquele brutamontes colocasse as mãos nele, tudo estaria perdido.

– Seu heroizinho de merda, eu vou acabar com tua raça!

Ele avançou com tanta raiva que acabou pegando Cebola de surpresa tamanha era sua velocidade. Isso fez com que ele tropeçasse numa almofada jogada no chão e caísse de costas. Ao ver que seu oponente estava vulnerável, Tonhão partiu para cima dele tentando esfaqueá-lo. Se não fosse pela sua bengala, Cebola tinha levado uma facada na barriga. Ainda assim, um corte tinha sido feito, rasgando o tecido da sua roupa e atingindo sua pele, fazendo o sangue jorrar.

Ao ver que outro golpe estava por vir, Cebola agiu depressa e deu uma cabeçada contra o rosto do sujeito. Céus, que cabeça dura aquela! Ainda assim ele conseguiu uma chance de jogá-lo para o lado e se levantar. Mesmo sentindo dor no local do corte e na testa, Cebola procurou não perder a compostura.

– Você é muito lento! Por que não se esforça um pouco mais?
– Então você vai ver só!

Quando Tonhão tentou avançar de novo, Cebola tirou o lençol de trás da capa e enrolou os pés dele, fazendo-o cair no chão. Mais do que depressa, ele golpeou a cabeça do outro com a bengala algumas vezes até deixá-lo grogue.

– Agora você vai ficar quietinho aqui para não dar trabalho! – ele falou amarrando aquele corpo enorme com o lençol, dando vários nós e ainda amordaçando sua boca.

Passos vindos do lado de fora chamaram sua atenção e ele saiu dali bem a tempo de um dos assaltantes entrarem na sala.

– Fica quieto aí! – ele gritou e Cebola saiu correndo. O sujeito atirou, acertando o beiral da porta enquanto Cebola corria dali o mais rápido que pode.

– Olha o que ele fez com o Tonhão! - Outro falou quando entrou na sala e viu o rapaz desacordado e amarrado com o lençol.
– Depois a gente ajuda ele, vamos logo!

Cebola correu até o andar mais alto, indo parar no quarto da Carmem. Era um típico quarto de patricinha, atolado com bichos de pelúcia, itens de beleza, maquiagem e um armário repleto de roupas. Não pareceu grande coisa para ele já que o quarto da Mônica era muito melhor.

– Agora você tá ferrado! – o ladrão gritou do lado de fora e Cebola correu até a janela, de onde dava para ver a rua e alguns carros da polícia chegando. Ainda bem!

Só faltava sair vivo dali e não ser pego pelos policiais. Mas como sair dali se o quarto da Carmem ficava no segundo andar da casa e não tinha como descer pela parede?

– Você já era, seu filho da puta! – um ladrão gritou entrando no quarto junto com os colegas e empunhando sua arma.
– Pensam que vão me pegar assim tão facilmente? Pois pensem de novo! – ele falou dando uma risada e tirou algo do bolso, jogando no chão com força.

Uma nuvem de fumaça encheu o quarto, deixando os ladrões confusos e atordoados. Tiros foram dados por todas as partes, gritos e som de coisas se quebrando.

– Aqui é a polícia, vocês estão cercados! Saiam com as mãos para cima! – uma voz falou através de um mega-fone.
– Fudeu tudo, cara! Vamos sair daqui!

Os três saíram em debandada, deixando Tonhão para trás e preocupados apenas em salvar a própria pele. Quando chegaram à sala, viram que os policiais já estavam do lado fora.

– O que a gente faz? Tá tudo cercado!
– Merda, eu não sei!

Se tivessem reféns, eles até poderiam fazer alguma coisa. Só que não havia ninguém em casa e o sujeito de roupas esquisitas não estava ao alcance deles. Certamente já deve ter fugido.

Cebola olhava tudo pela janela, só esperando uma chance para fugir dali sem ser visto. Quando os policiais invadiram a casa, ele viu que tudo estava resolvido e correu para outro quarto onde ele sabia que havia uma árvore ao lado da janela. Dava para sair dali em relativa segurança.

Após escalar a arvore e ganhar o chão, ele foi se esgueirando aqui e ali antes que toda a propriedade fosse cercada. Como não podia sair pelo portão da frente, ele pulou o muro para a casa vizinha e dali conseguiu escapar para a rua, tirando seu disfarce e se tornando novamente um garoto normal. Sua missão estava concluída e se tudo desse certo, o primeiro membro daquela gangue tinha acabado de sair do seu caminho.

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– Que doido, véi! Esse seu duplo é muito da hora! – Cascão falou empolgado, quebrando o silêncio que até então tinha sido feito por causa da ansiedade e expectativa.
– Ele é maluco, isso sim! Onde já se viu entrar numa casa cheia de bandido armado? – Cebola falou irritado por ver mais um plano do seu duplo dando certo. Como ele conseguia bolar aqueles planos perfeitos sendo que os seus quase sempre davam errado?
– Foi um risco calculado que seu duplo não hesitou em correr. – Paradoxo falou também alegre com o desfecho da história.
– Pelo visto, um deles está para ser tirado do jogo. – Astronauta também falou. – Isso irá enfraquecer muito aquela gangue.
– Agora fiquei com medo, gente! Será que ela vai se dar muito mal? Eu não queria isso não! – Magali falou preocupada com seu duplo e torcendo para que ela não sofresse tanto. Paradoxo tentou acalmá-la.
– Se é o que te preocupa, ela não irá presa e nem será morta. Mas terá que arcar com as conseqüências dos seus atos de qualquer maneira. Acalme-se menina. Se seu duplo criar juízo, haverá esperança para ela no futuro.

Todos duvidaram seriamente que aquela desmiolada fosse mesmo criar algum juízo, mas ninguém falou nada para não deixarem Magali ainda mais aflita do que já estava.

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O céu estava bastante nublado e fazia um pouco de frio. Um clima nada agradável para uma tarde de domingo. No ferro velho da gangue, Franja, Titi e Cascão estavam encolhidos tremendo de medo da Magali que gritava sem parar.

– Como é que o Tonhão foi se meter numa encrenca dessas? Alguém me conta essa história direito!
– A gente não sabe, juro! – Franja tentou disfarçar. Se Magali descobrisse que eles sabiam daquele plano, as coisas seriam muito piores.
– Ele não contou nada pra gente! – Titi confirmou e Cascão o apoiou.
– Tava tudo numa boa com a gente lá no ferro velho, eu não sei o que deu nele!
– Denise!
– Não olha pra mim que eu quase não fiquei com eles.
– E por que não?
– Porque eles queriam uma tal reunião só de macho, blábláblá! Aí eu fiquei de fora roubando coisas pra você.

Magali chutou uma lata para longe.

– O que aconteceu com ele, você tá sabendo de alguma coisa?
– Ouvi dizer que os pais dele vão tirá-lo da escola.
– Como é? Ele vai sair da escola? Não acredito!
– Melhor acreditar. Não deu pra saber muita coisa, mas eles vão ver se conseguem evitar que ele vá pra uma daquelas instituições pra menores e mandar ele pra um colégio militar.
– Um colégio militar? Onde? Nessa cidade não tem isso!
– Então eles vão ter que se mudar. Parece que o Tonhão já era.
– Droga, porcaria! Grrrr!

Ela voltou a andar de um lado para outro, furiosa com o que tinha acontecido. E tudo por culpa daquele maldito mascarado! Aquele sujeito tinha entrado no seu caminho de novo e daquela vez causou um desfalque em sua gangue.

– Como a gente vai fazer sem o Tonhão? – Titi perguntou quebrando o silêncio.
– A gente vai fazer o que sempre fez.
– E você vai dar conta? – o rapaz perguntou num tom mais desafiador. Aquela garota magrela não ia conseguir cuidar de tudo sozinha sem o Tonhão para ser seu cão de guarda.
– Como é? Repete de novo!
– Tô falando a verdade. Sem o Tonhão, duvido que você vai ter peito pra agüentar tudo sozinha.

Sem falar nada, ela sacou a corrente e golpeou o rapaz em cheio, derrubando-o no chão. Titi levantou-se rapidamente e partiu para cima dela tentando lhe dar um soco. Magali desviou agilmente enrolando a corrente no pulso dele para imobilizar um braço e acertou um forte chute na parte mais sensível do corpo dele, fazendo-o dobrar de dor. Outro chute foi desferido em seu rosto, jogando-o no chão em definitivo.

Titi se contorcia de dor, um filete de sangue escorria da sua boca e seu orgulho estava destroçado. Aquela garota era mais forte do que parecia.

– Mais alguém aí acha que eu não dou conta do tranco sozinha? – como ninguém respondeu nada, ela tornou a falar. – A gente não vai perder a moral porque aquele idiota resolveu fazer cagada. Amanhã a gente vai voltar pra escola e botar ordem naquela joça.
– E o tal mascarado? – Denise quis saber. – Ele pode aparecer de novo.
– Aquele ali não vai aparecer mais porque vou dar um jeito nele.
(Franja) – Ainda acha que é o DC?
– Acho não, tenho certeza. Quando ele apareceu, o DC não tava por perto. Ele ficou enrolando a gente com aquele papo de plano e armadilha e isso só serviu pra nos ferrar ainda mais! Só pode ser ele.

Ela enrolou a corrente de volta na cintura e tornou a falar.

– Ele me fez de boba pela última vez.

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Assim que pôs os pés no pátio da escola, DC reparou que os alunos olhavam para ele, apontavam e cochichavam aqui e ali. O que tinha dado no pessoal? Ele não teve tempo de pensar a respeito e alguém voou para cima dele, abraçando seu pescoço e enchendo seu rosto de beijos.

– Aaaaiiiii! Meu herói! Lindo! Maravilhoso! Você salvou a minha casa! – quando sua família voltou para casa e soube do ocorrido, Carmem percebeu na mesma hora que o herói mascarado tinha salvo sua casa após ouvir as descrições dos empregados. Mas DC não entendeu nada.
– Como é? Peraí, Carmem, tá toida? – ele falou tentando se esquivar daquele abraço que mais parecia um aperto de jibóia. Outros alunos cercaram os dois, também cumprimentando DC efusivamente.
– Cara, você mandou muito bem!
– Foi demais!
– Valeu mesmo, a gente te deve essa!
– DC, como você conseguiu escapar sem que nossa mãe visse? Cara, nem eu percebi!
– Ninbus, o que tá pegando?
– Eu é que pergunto! Você se arriscou demais!

Nimbus pegou o irmão pelo braço e os dois saíram dali sob aplausos dos outros alunos. Cebola olhava tudo de longe mal contendo sua raiva. Mais uma vez, aquele idiota estava levando os créditos pelo seu trabalho!

– Você devia falar a verdade pra eles. – Mônica sussurrou.
– Vou falar sim, quando chegar a hora. Por enquanto, deixa ele se pavonear um pouco.

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– Ô, peraí! O pessoal tá achando que eu evitei que a casa da Carmem fosse assaltada? Sério? Eles acham mesmo que eu lutei contra bandidos armados? EU?
– E que graças a você, o Tonhão foi preso!
– Preso?
– Não na cadeia, ele é menor de idade, mas parece que vão dar um jeito nele! Cara, por que você não me falou desse plano?

DC andava de um lado para outro esfregando os cabelos. Mais uma vez, o tal herói tinha aprontado das suas e os outros alunos achavam que era ele. Não, ele não tinha feito nada, não tinha sequer saído de casa. Por que ninguém entendia que ele não tinha nada a ver com aquilo?

– Que demais, agora você é o herói do colégio! Tá todo mundo pagando pau pra você!
– Sério? Quer dizer, isso não é grande coisa!
– Não é grande coisa? Tá doido? Com o Tonhão fora, a gente vai ter muito mais sossego! Você sabe que ele é a bucha de canhão da Magali!

O rapaz se acalmou. Pelo menos havia uma coisa boa naquilo tudo. Sem o Tonhão por perto, Magali tinha enfraquecido um bocado já que ele era o membro mais forte da gangue, sempre usado para intimidar todo mundo. Titi, Franja e Cascão não eram tão ameaçadores quanto ele.

O problema era que todos achavam que ele era o herói. Se bem que aquilo talvez não fosse um problema e sim algo muito bom. Como novo herói da escola, sua popularidade ia para as alturas e talvez Mônica acabasse cedendo ao seu charme.

– É isso aí, eu dei mesmo um jeito no Tonhão, mas não conta nada pra mãe não, valeu?
– Só promete que não vai fazer isso de novo, cara! Já pensou se você leva um baita tiro?
– Tranqüilo, eu dou um jeito.

Quando os dois saíram do banheiro, foram recebidos pelos alunos felizes e agradecidos.

– Quando você vai livrar da Magali?
– Dá um jeito naquele Titi, por favor! Ele é muito abusado!
– Começa pelo Cascão que a gente não agüenta mais o fedor dele!

Até que estava sendo bom receber toda aquela atenção e ainda continuar esnobar a todos como o contrariado que sempre foi. Quanto mais as pessoas queriam se aproximar, mais ele se mantinha distante.

– E aí, gata?
– Oi, DC. – Mônica cumprimentou sem grande empolgação.
– Qualé, que cara é essa? Não vai me dar os parabéns por ter derrotado o Tonhão?
– Será mesmo que foi você?
– E você tem prova de que não foi? – ele perguntou desafiadoramente e Mônica teve que se calar. Para desmascará-lo, seria preciso falar a verdade e não cabia a ela esclarecer aquele assunto. – Então não pode falar que não fui eu.
– Desde quando você precisa de máscara pra enfrentar a Magali?
– Digamos que eu tenho meu jeito de fazer as coisas.
– Tem mesmo, é? Eu também tenho o meu e vou é quebrar sua cara agora mesmo! – uma voz falou e os dois olharam para Magali e seu grupo atrás dela. – Seu cretino, você tentou passar a perna em mim, agora vai se ferrar geral.
– Ei, peraí! Er... Mônica?
– O que tem eu? Você não é o grande herói? Então pode se virar muito bem sozinho.

Ela saiu dali, deixando DC para enfrentar Magali sozinho. Os outros alunos perceberam a movimentação e logo começou a torcida. Até Cebola gostou de ver o outro em dificuldade para aprender a não sair contando vantagens por aí.

– Seu desgraçado, por culpa sua o Tonhão foi preso!
– Culpa minha? Eu não mandei aquele idiota invadir a casa de ninguém! Só fiz o que era correto!
– E agora eu vou acabar com sua raça!
– Faz isso e você vai ter que se entender com meu tio.
– Ué, o grande herói tá escondendo atrás do titio agora?

Foi difícil para ele manter a pose.

– Meu tio quer que eu faça o correto e fale se você causar problema. Então é melhor você ficar na sua, tá entendendo? Senão vai ver só uma coisa e... – Um soco foi desferido bem em cheio no rosto dele.
– E aí, seu bunda-mole? Vai contar pro titio agora, vai!

Os outros alunos não deixaram por menos e começaram a gritar.

– Vai lá, acaba com ela!
– Você pode!
– Não deixa assim não!

DC não sabia o que fazer e nem como reagir. Brigar nunca foi seu forte e ele não ia durar nem um minuto numa luta com Magali. Mas recuar também não era opção por isso ele resolveu fazer a segunda coisa que fazia melhor depois de contrariar: blefar.

– Olha aqui, sua mocréia! Você tá passando dos limites comigo e com todo mundo, valeu? Pensa que esse assalto na casa da Carmem vai passar batido?
– O Tonhão trabalhou sozinho, valeu?
– Fala isso pro meu tio então, porque ele acha que você tá envolvida até o pescoço!

Embora não demonstrasse, Magali acabou ficando preocupada.

– Então, se você não quiser se complicar ainda mais, melhor me deixar quieto ou vai ver só uma coisa!

Ele saiu dali de cabeça erguida e sendo aplaudido por todos, deixando Magali parada no corredor apertando as mãos com raiva.

– Se esse idiota pensa que vai ficar assim, tá muito enganado!


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