Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 32
Hora de agir




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Cebola estava num canto com os braços cruzados e a cara fechada. Os outros resolveram deixá-lo de lado já que nada parecia melhorar seu péssimo humor. Pelo visto a Mônica estava ficando muito próxima do seu duplo. Por um lado, pelo menos não era o DC, era seu outro eu. Por outro lado, ele tinha medo de que aqueles dois ficassem próximos demais. E se eles começassem a namorar? Aquilo podia ser um problema.

Se namorasse seu duplo, ela poderia começar a fazer cobranças quando voltasse ao mundo original, exigindo que ele fizesse alguma coisa para derrotá-la e reatar o namoro. Só que ele não se sentia preparado ainda e não queria ser pressionado. Se ela ficasse com muita pressa, ele poderia ter problemas e havia até o risco de ela se cansar dele e desistir de vez.

“Droga, maldita hora que ela botou os pés naquele mundo!”

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Sentada no banco do ponto de ônibus, Denise olhava tristemente alguns itens que tinha roubado de uma loja. Será que mesmo suspensa, Magali não poderia dar um pouco de folga para eles? Ela já estava ficando cansada daquilo, mas como tirar o corpo fora?

Mais cedo, na escola, ela viu as garotas na hora do recreio folheando uma revista da Avon, que ela adorava. Elas riam, falavam sobre os produtos e até faziam encomendas. Denise pode apenas olhar de longe. Chegar perto não era opção. Às vezes ela até conseguia bater um papo com uma delas quando Magali não estava olhando e talvez não tivesse grandes problemas caso quisesse se juntar a elas.

Só que havia a vigilância do Tonhão, que estava de olho em todo mundo. Quando Magali não estava, ele garantia que ninguém saísse da linha. O jeito foi ficar quieta no seu canto e se contentar com a companhia dos seus colegas de gangue ou então dar uns beijos no Xaveco escondido.

O ônibus chegou e ela subiu sentindo o corpo pesado e cansado. A única coisa que lhe animava um pouco era imaginar que quando formasse no ensino médio, cada um ia seguir seu caminho e talvez assim ela ficaria livre daquela gangue. Só que ainda faltava muito tempo. Muito tempo mesmo...

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- Então tá todo mundo na linha?
- Tá sim, ninguém aprontou essa semana.
- Beleza. Segunda feira eu volto pra botar ordem no barraco. E aí, alguém roubou alguma coisa legal?
- O de sempre. Vai dar uma boa grana.
- Quando os velhos pararem de encher o saco, eu passo aí no ferro velho pra gente reunir e conversar. Agora vou desligar antes que minha mãe vem torrar a paciência.

Tonhão desligou o aparelho e voltou para onde estavam Titi, Cascão e Franja. Denise não estava e ele também não fazia questão dela. De vez em quando era bom ter uma reunião só com os rapazes.

- E aí, ainda tem cerveja?
- Tá na mão! Titi falou jogando uma lata para ele.
- Então a Magali vai voltar segunda feira. Franja falou meio triste.
- Vai. Tá achando ruim do quê?

Franja engoliu em seco e tentou disfarçar.

- Nada não, é que tô até gostando de a gente ficar junto sem garotas por perto. É uma reunião de macho!

O brutamontes relaxou um pouco, concordando com o colega. Ainda assim eles precisavam da Magali, já que ela era a líder e sempre sabia o que fazer e quando fazer. Pensar não era o forte dele, que só sabia executar as ordens e os planos. Já que aquilo sempre lhe dava um bom dinheiro, poder e respeito dos outros alunos da escola, ele não reclamava.

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Cebola ouvia toda a conversa dos quatro através do aparelho de escuta que tinha instalado no ferro-velho. Aquilo era tão óbvio e simples e mesmo assim aquela idéia nunca lhe ocorreu. Na verdade, havia muitas idéias que ele não tinha sequer pensado nelas. Que bobeira! Ele acabou perdendo tempo valioso com aquela demora.

- Eu fiquei sabendo que a família daquela patricinha loira vai viajar esse fim de semana. Ele ouviu a voz de Tonhão e Cebola imaginou que estavam falando da Carmem. Cascão perguntou.
- E daí?
- Daí que a casa vai ficar livre, seu pateta!
- A Magali já falou que é pra gente não mexer com essas coisas ainda. Titi alertou. Isso pode dar o maior rolo!
- Pode dar pra vocês, que são uns mariquinhas. Mas comigo não vai ter erro! Tem uns conhecidos meus que podem fazer o serviço numa boa!
(Voz do Franja) - Você vai mexer com outros caras? Deixa a Magali saber disso!
- Só vai saber se alguém contar. E se alguém contar, eu quebro os dentes! ele falou ameaçadoramente.

Durante um tempo, tudo ficou silencioso. Tonhão voltou a falar.

- Eu vou invadir aquela casa com esse pessoal e ganhar uma boa grana extra. Vocês ficam calados e se o roubo for bom, vão ganhar alguma coisa.

Os outros três não falaram mais nada, já que não ia adiantar mesmo.

- Acho que eles vão sair sábado de manhã, então a gente entra de noite.
(Voz do Titi) E os empregados?
- Alguns vão aproveitar pra sair também, eu acho. Se tiver alguém lá, a gente dá um jeito.

O assunto mudou para outras coisas sem importância e Cebola encerrou a transmissão com um grande sorriso no rosto.

- Agora eu já sei quem vai cair primeiro. Hahaha!

Inicialmente, ele tinha pensado na Denise porque era a mais fraca. Só que a semana tinha passado e ele não conseguiu nada com ela por causa da constante vigilância do Tonhão. Ele já estava ficando aflito e sem idéias quando lembrou-se de que um dia, quando os dois estavam jogando, Mônica conseguiu vencer um desafio e alcançar o tesouro que ficava escondido atrás de uma grande porta guardada por vários ogros.

O que deixou o rapaz mais impressionado foi a maneira como ela tinha feito aquilo, bem diferente do usual.

- Rapaz, não é qualquer um que consegue vencer esse desafio!
- Pois eu consegui, hahaha!
- Só não entendi porque você foi atrás daqueles fortões e não dos fraquinhos!
- Porque pegar os fraquinhos dá trabalho, gasta muitos pontos e a gente acaba apanhando dos fortões. Então eu peguei esses primeiro.
- Ah, tá. E por que você não pegou o líder de uma vez? Ele perguntou tentando saber até onde ela ia chegar.
- Esse era forte demais, ia gastar todos os meus pontos. Os outros deu pra derrotar. Sem eles, o resto foi moleza.

Na hora ele tinha ficado impressionado sim, mas logo esqueceu o assunto. Ao ouvir aquela transmissão, sua cabeça começou a funcionar. E se ele usasse a mesma estratégia? Ir atrás da Denise era a escolha mais óbvia, mas pensando bem a ausência dela não ia enfraquecer a gangue como ele gostaria. Então era preciso ir atrás de alguém mais forte que não fosse o líder.

Cebola sabia que era Tonhão quem mantinha tudo em ordem quando Magali não estava por perto. Ele também era seu cão de guarda e ela sempre o usava para intimidar as pessoas. Como ela ia se arranjar sem ele?

E aquele plano dele de invadir a casa da Carmem era uma oportunidade de ouro que ele precisava aproveitar. Se Tonhão caísse, a gangue ia enfraquecer.

- Esse mastordonte não perde por esperar!

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Na casa da Mônica, as coisas não estavam indo tão bem assim. Sua mãe ralhava sem parar, tentando entender o que tinha dado na sua filha para ter ficado burra daquele jeito, não sendo capaz de tocar nem uma música simples ao piano. Durvalina ouvia tudo morrendo de pena daquela moça, que era forçada a viver sob constantes cobranças dos pais.

- Ai, meu Deus! Eu prometi que você ia tocar e dar um lindo show, agora vou morrer de vergonha!
- Mas mãe...
- Mas nada. Eu vou ter que ligar para eles e dizer que minha filha não será capaz de tocar! Que desculpa eu vou dar? Com que cara vou falar isso?

Os olhos da moça se encheram de lágrimas. Sua mãe original jamais falaria com ela daquele jeito.

- E por favor, não venha com choradeira! Trate de se recompor, ouviu? Eu não criei uma filha chorona!

Ela respirou fundo, tentando engolir as lágrimas enquanto a mulher continuava falando sem parar o quanto estava triste, decepcionada e envergonhada. Será que aquilo não ia acabar nunca? E com que direito aquela mulher falava com ela daquele jeito? O fato de ser sua mãe não era pretexto para lhe humilhar daquela forma. Desde quando ela aceitava ser humilhada daquele jeito? O que houve com sua personalidade forte, independente e ativa?

- Será que vai ser sempre assim agora? E tudo o que investimos em você? Como fica? Perdemos dinheiro?

Seus lábios apertaram e seu olhar endureceu. Aquela foi a última gota em um copo já totalmente cheio. Muito bem. Se aquela mulher queria uma filha forte, então ela ia ter uma filha bem forte.

- Mãe, pára de falar assim comigo, tá bom?

Luisa parou mesmo, tomada de surpresa.

- Eu sei que a senhora é minha mãe e tudo, mas não tem o direito de ficar me humilhando desse jeito não! Eu tenho sentimento, sabia? Tô fazendo tudo o que posso, mas parece que nada tá bom pra você! Qual é o seu problema?
- ...
- Olha aqui, eu não sou perfeita e nem quero ser! Se o que sou não tá bom pra senhora e o papai, paciência! Eu não vou mais ficar feito boba fazendo de tudo pra agradar e só ouvindo um monte de bronca!
- Você é que não pode falar assim comido! Sou sua mãe e você me deve respeito! a mulher falou assim que se recompôs.
- E eu te respeito, a senhora é que não tá me respeitando!
- Estou falando tudo isso para o seu bem!
- Meu bem? Eu pareço estar bem agora? Pareço? Olha aqui! Eu vou fazer todo o possível, tá bom? Vou melhorar nessa porcaria desse piano e dar um show bem bonito naquele casamento, mas vê se pára de ficar me cobrando toda hora pra ser perfeita porque eu não sou! Eu não sou a bonequinha de ninguém!

A mulher levou outro susto. Há anos sua filha não lhe falava daquele jeito desde que era uma menina geniosa e difícil.

- O que aconteceu com você? Que rebeldia é essa?
- Não é rebeldia nenhuma! Eu só quero um pouquinho de respeito! É pedir demais? Será que eu tenho que ser a garota mais perfeita do mundo só pra senhor e o papai gostarem de mim? Então vocês não vão gostar nunca!
- Vá para o seu quarto e procure se acalmar. ela falou esfregando o rosto com as mãos e cansada daquela briga. Mônica tinha dito coisas que ela nunca esperava ouvir e era preciso esfriar a cabeça para poder pensar naquilo melhor.

Mônica foi de cabeça erguida e pisando duro, mostrando que não ia mais ouvir nenhum desaforo calada. Ao entrar no seu quarto, ela desabou na cama e ficou olhando para o teto. Nem vontade de chorar ela tinha mais.

Talvez o Cebola estivesse certo mesmo. Ela tinha sua personalidade e não podia abrir mão dela para agradar aos outros. Era ela quem vivia sua vida e sabia o que se passava em seu íntimo. Ela podia sim melhorar por quem merecesse, mas mudar e deixar de ser quem ela era, nunca. Quem gostasse, ótimo. Quem não gostasse, paciência. Ela estava farta de negar a si mesma só por causa do que os outros pensavam.

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Passava das dez da noite. Os jardins estavam iluminados com holofotes e algumas luzes da mansão também estavam acesas, indicando que havia alguém em casa. Mesmo assim eles não se importaram e pularam o grande muro com dificuldade driblando a cerca elétrica.

Três homens fortes pularam no jardim de dentro, acompanhados por um que era mais novo que eles.

- Tem certeza de que eles saíram? Um deles perguntou colocando seu capuz.
- Tenho. Só deve ter os empregados, mas a gente dá um jeito. Tonhão respondeu e eles correram em direção a casa.

Alguns cães vieram ao seu encontro latindo e eles trataram de distraí-los jogando pedaços de carne com sonífero. Nenhum deles resistiu à tentação e logo todos os cães estavam dormindo pelo jardim.

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Na cozinha da mansão, o jardineiro e o chofer jogavam cartas juntamente com as duas empregadas e a cozinheira.

- Você tem um dois?
- Deixa eu ver...
- Ué, tem alguém mexendo na porta? um deles perguntou colocando as cartas sobre a mesa. Ele mal teve tempo de se levantar e quatro elementos armados invadiram a cozinha gritando e apontando suas armas.
- Parado todo mundo que isso é um assalto!
- Ai meu Deus! a cozinheira choramingou levantando as mãos junto com os outros.

Os assaltantes pareciam estar falando sério e todos trataram de obedecer.

- Vamos trancar todo mundo! um deles ordenou e logo estavam todos trancados num dos quartos de empregada. A casa estava finalmente livre para eles fazerem a festa.
- Não falei que ia ser moleza? Tonhão perguntou enquanto eles vasculhavam os quartos a procura de objetos de valor.
- É isso aí! Vamos limpar as jóias da madame!

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Ao pular o muro, Cebola viu os cães dormindo no jardim sendo que era para estarem todos acordados e vigiando a casa.

- Parece que eles já chegaram. Melhor dar uma olhada antes de chamar a polícia.

Ele correu rapidamente até alcançar a porta da cozinha. Havia cadeiras jogadas no chão e objetos espalhados. Também dava para ouvir barulho e o falatório dos assaltantes, ainda que ele não pudesse entender o que falavam. Aquilo era suficiente para entrar em ação.

Outro som o chamou a atenção e ele acabou indo até os quartos das empregadas. Havia alguém preso lá dentro. Rapidamente, ele vestiu sua roupa de herói mascarado para não ser reconhecido e abriu a porta. Os cinco encolheram de medo num canto achando se tratar de um dos assaltantes e logo viram que era alguém muito diferente.

- Não se preocupem, cidadãos. Eu vim ajudá-los. ele falou com a voz grossa.
- Quem é você? o chofer perguntou olhando desconfiado aquela figura esquisita.
- Bem, sou apenas um herói que luta pela justiça. Temos que dar um jeito nesses malfeitores.

O jardineiro levou um susto.

- Tá doido? Eles estão armados!
- Aproveitem que eles estão distraídos e saiam logo dessa casa. Chamem a polícia, eles virão rapidamente.
- Até lá eles fugiram.
- Então eu irei retardá-los.
- Mas como...
- Vão, antes que eles voltem! Eu vou ficar bem.

Os cinco saíram dali rapidamente e Cebola foi para a sala com cuidado para não chamar a atenção. Ele precisava garantir que nenhum dos assaltantes ia sair daquela casa antes de a polícia chegar. Uma idéia maluca lhe ocorreu.

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Em seu saco, Tonhão tinha relógios, jóias, algumas notas de cem e cinqüenta e cartões de crédito que podiam ser usados se eles agissem rapidamente. O roubo estava sendo uma maravilha e não tinha ninguém ali para impedi-los. Embora não fosse bom em matemática, ele imaginou que estava conseguindo em uma única noite mais do que conseguia numa semana inteira fazendo pequenos furtos sob as ordens da Magali. Talvez fosse até boa idéia fazer aquilo de vez em quando sem que ela soubesse. Por que não?

- Ô cambada! Vamos ralar peito que isso aqui já deu! um deles falou e os outros concordaram. Era bom não abusar da sorte. Quando eles alcançaram a sala, as luzes começaram a piscar várias vezes.
- O que tá pegando? outro perguntou olhando para os lados e uma risada se fez ouvir.
- Ora, ora, ora! Então temos visitas?

Eles olharam ao redor, procurando pela origem daquela voz e não viram ninguém. O líder falou.

- Quem tá aí? Aparece logo senão leva bala!
- Por que vocês não vêm me procurar? Melhor se apressarem, estou quase chamando a polícia!
- Como é? Atrás dele, gente!

Os ladrões começaram a caçada, todos com armas nas mãos e dispostos a matarem quem estivesse em seu caminho. Ninguém ali estava para brincadeiras.


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