Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 26
O jantar




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Ninguém resistia aquele olhar pidão da Magali. Ninguém. Nem mesmo Paradoxo com seus milênios de experiência. Por isso ele acabou mostrando a todos o episódio que desencadeou toda aquela confusão do seu duplo com o do Cebola.

- Fala sério, a Magá nunca ia fazer uma coisa dessas! – Cascão falou abismado ao ver a amiga roubando um pacote de biscoitos da loja.
- Ai, que vergonha!
(Cebola) - Vergonha por quê? Não foi você quem roubou, foi ela.
- Mas ela sou eu. Que horror!
(Xabéu) – Só que você nunca fez uma coisa dessas. Te conheço desde pequena, esqueceu?

Magali abaixou a cabeça triste e envergonhada. Ela não quis falar com ninguém, mas no fundo sabia que poderia ter feito a mesma coisa. E aquilo a matava por dentro. A lembrança estava temporariamente esquecida, mas à medida que Paradoxo foi mostrando as imagens do passado, ela foi relembrando tudo. Aquele episódio tinha mesmo acontecido, só que com um desfecho diferente. Ela não tinha roubado nada da loja.

Apesar da fome monumental que sentia, ela manteve-se no controle apenas porque Mônica estava por perto e jamais a teria deixado fazer aquilo. E mesmo que tivesse feito, sua amiga teria obrigado a devolver tudo. Cebola e Cascão jamais teriam agido daquela forma porque Mônica também não deixaria. Então era isso.

Não precisou muita reflexão para ela saber que seu duplo tinha ficado daquele jeito por não ter conhecido a Mônica. De vez em quando Cebola e Cascão aprontavam um pouco com ela e até já penduraram uma caricatura sua em um muro chamando-a de magrela, mas nunca houve nada de grave. Eram coisas pequenas que ela conseguia lidar sem grande stress. Naquela dimensão paralela, por outro lado, tudo foi diferente. Sem a Mônica, os dois se voltaram contra seu duplo que acabou não agüentando tanta pressão.

Sim, ela estava errada. No lugar da Mônica, Magali jamais teria conseguido lidar com tudo aquilo como pensava que podia.

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Mais uma aula fracassada de taekwondo. Como era possível ela ser tão forte e acabar apanhando daquele jeito de um homenzinho magrelo e franzinho? Ainda bem que o Cebola não estava ali para assistir aquele vexame.

Ela mancava com certa dificuldade, pensando em qual desculpa daria para sua mãe. Como explicar a queda no seu desempenho? E para piorar, o professor estava pensando em conversar com os pais dela. Por que tudo estava dando errado naquele mundo? Por que ela não conseguia se adaptar?

“O que eu tô fazendo de errado? Ai, que coisa, viu? Tá tudo atrapalhado e eu não consigo fazer nada!”

Faltava pouco mais de dois meses para a tal festa e ela não conseguia sequer tocar uma musiquinha simples no piano. Ainda bem que seus pais eram extremamente ocupados com seus empregos, senão ela estaria encrencada. Mesmo assim ela sabia que não ia poder enrolá-los para sempre.

O que mais a deixava triste era não conseguir fazer amizade com Magali. Aquela ali parecia ter uma muralha ao redor que não deixava ninguém chegar perto. Como sua amiga tinha ficado tão insensível daquele jeito? Pelo menos ela estava indo relativamente bem com o outro Cebola. Aos poucos o rapaz ia se mostrando muito esperto e inteligente. Será mesmo que ele tinha um plano para resolver seu problema com a Magali? Que plano seria aquele?

“Sei não... os planos do Cebola nunca funcionam... ah, peraí! Esse é o outro Cebola e um plano dele funcionou!”

Ao chegar em casa, ela foi recebida pela sua mãe que estava toda eufórica.

- Ai, filhinha! Você não vai acreditar!
- No quê?

Seu pai respondeu.

- Eu fechei um excelente negócio com uma grande multinacional!
- Puxa, que legal! – ela falou tentando fingir alegria.
- Nós ganhamos milhões, dá para acreditar?
- E vamos comemorar hoje a noite no restaurante mais fino e caro da cidade! Eu até comprei um lindo vestido para você!

Os dois vibravam e comemoravam e era com muito custo que Mônica os acompanhava. Felizmente eles estavam empolgados demais para perceber sua tristeza. As duas foram a um salão de beleza para cuidar do cabelo e de noite, Mônica estava trocando de roupa para ir jantar fora com seus pais.

- Ai, que roupa linda! – ela exclamou enquanto Durvalina ajudava a abotoar seu vestido.
- E não é? Você tá um arraso!

Luisa tinha comprado para ela um vestido na cor bege. Apesar de não ser sua cor preferida, ela tinha adorado o modelito que caiu muito bem no seu corpo que era um pouco mais magro e esbelto naquela realidade.

- Olha como ela está linda, querido! – Luisa falou quando sua filha entrou na sala usando o belo vestido e levando uma delicada bolsinha de mão combinando com o conjunto.
- Minha nossa, eu vou sair com duas beldades!

Eles foram de Mercedes ao luxuoso restaurante. O nome era o mesmo do mundo original apesar de a decoração ser diferente e um pouco mais ostensiva. Havia lustres de cristal iluminando o lugar que estava decorado com flores frescas e toalhas de linho bem passadas e engomadas forravam as mesas ricamente decoradas para atender ao gosto dos clientes requintados e exigentes.

Um maitre impecavelmente vestido recebeu a família e os conduziu até a mesa reservada anteriormente. Seu mal estar foi se dissipando aos poucos a medida que ela contemplava o luxo do lugar. Mônica já tinha passado em frente aquele restaurante várias vezes no mundo original, mas nunca pensou que um dia ia poder entrar nele e ser tão bem atendida.

O casal pegou o cardápio e degustou o vinho caro que o garçom havia trazido. Após escolherem a refeição, os dois se puseram a conversar sobre amenidades enquanto Mônica tentava não morrer de tédio. Até que tinha sido interessante nos primeiros cinco minutos, mas aquele lugar não parecia ser muito emocionante para uma jovem como ela.

- Senhor. – Um garçom falou educadamente. – o casal da mesa mais adiante os convidou para se juntarem a eles.

Eles olharam para onde o garçom apontava e Mônica sentiu calafrios.

- Diga a eles que será um prazer. – Luisa respondeu parecendo empolgada e por pouco Mônica não gritou de raiva ao se ver obrigada a sentar junto com Carmem e sua família esnobe.

Carmem estava sentada junto com seus pais, com os cabelos presos em um coque elegante e usando um vestido azul claro com pedrinhas discretas no decote.

- Oi, querida! Nós vamos jantar juntas, não é demais? – Carmem falou dando um grande sorriso e Mônica logo viu que era fingimento. Ela não era tão diferente assim da original.
- Oi, Carmem.

Após alguns minutos, que para Mônica pareceu uma eternidade, o garçom trouxe a entrada. O que era mesmo aquilo?

- É o seu preferido, querida!
- Que legal... – ela falou olhando para o prato que sua mãe dizia ser escargots a bourguignonne. Escargots? Aquilo não era lesma? Céus, ela estava comendo lesmas? E sua mãe ainda dizia que aquela era sua entrada preferida? Desde quando?

Bem, ela não tinha como protestar, o jeito foi engolir aquela coisa da melhor forma possível. Até que o gosto não era ruim, mas saber que estava comendo lesmas fazia seu estômago embrulhar. O prato principal foi qualquer coisa feita com cordeiro e pelo menos foi um pouco melhor que as lesmas temperadas. E a sobremesa também estava gostosa. Parecia mousse de chocolate com sorvete embora tivesse um nome francês complicado.

Enquanto comiam, seus pais conversavam com os de Carmem e em determinado ponto, as mães começaram uma pequena disputa para decidir qual filha era a melhor. Que vergonha!

- A Carminha já ganhou vários desfiles e temos muitos troféus e medalhas na nossa casa!
- A Mônica também tem muitos troféus, prêmios e medalhas. Já ocupam uma parede inteirinha e daqui a um tempo acho que vamos precisar de uma sala.

O rosto da moça queimava de vergonha. Por que sua mãe alternativa tinha que ser daquele jeito?

- A Carminha fez curso de teatro, dança e canto!
- A Mônica também!

“Mãe, pára com isso!” ela implorava mentalmente. Luisa continuou.

- Ela até ganhou prêmios de interpretação, canto e piano! Ah, nossa filha toca piano que é uma maravilha, vocês precisam ouvir. Vocês foram convidados para a festa dos Bourbons, não foram?
- Claro, querida! Toda a alta sociedade foi convidada e nós não podíamos ficar de fora!
- Ótimo, então vocês verão a performance da Mônica ao piano! Ela vai tocar na festa deles e será uma das atrações principais! Ai, que luxo! Eu até desenhei jóias exclusivamente para ela!

Apesar de tudo, Mônica até que gostou um pouco de ver Carmem se contorcendo de inveja ao saber que ela ia ganhar jóias exclusivas e ser a estrela da festa. Espere um pouco, por que ela estava achando aquilo engraçado? Ela não ia ter que tocar piano na frente de duzentas pessoas? Não era para ficar feliz, nem um pouco. Era para ficar totalmente apavorada!

- Nossa, parece que você vai mesmo arrasar no piano, não é querida? – Carmem falou mal disfarçando a inveja.
- Pois é...
- Ah, não seja modesta, meu bem! – sua mãe falou - Nós sabemos que você é excelente pianista!

O restante do jantar foi um pesadelo para Mônica, que apesar de tudo teve que sorrir e fingir que estava adorando sendo que na verdade queria sair correndo dali e esconder debaixo da sua cama.

O alívio só veio na hora de ir embora e ela agradecia mentalmente por aquela noite ruim ter acabado. No seu quarto, já de pijama, ela ligou o computador para ver se o Cebola estava online no jogo.

- Oi, beleza? – foi a mensagem de texto que ela recebeu do personagem dele.
- Oi...
- O que foi?
- Ai, eu nem te conto, viu?

Ela contou para ele como foi sua noite e a raiva que passou tendo que jantar com Carmem e sua família. Cebola lia tudo achando até um pouco de graça. Como alguém podia ficar tão aborrecido por jantar em um restaurante de luxo?

- Parece que você não teve um dia muito bom, aí ficou difícil aproveitar.
- Deve ser isso. Ai, ninguém merece! Eu achei que ia correr tudo bem na nova escola e... e...
- E não está.
- ...

Pelo que ele tinha lido em seu diário, ela precisava se adaptar aquele mundo para que seu duplo fosse criado e assim ela poderia ir embora. Após ouvir todas as suas queixas, Cebola viu que a adaptação dela estava sendo bem difícil. Vendo que ela estava disposta a falar e se abrir, ele resolveu se aproveitar um pouco da situação. Poderia fazer bem para ela, que precisava desabafar, e ele também poderia ter mais algumas informações.

- Como era lá onde você morava? Você tinha muitos amigos? Vai ver está sentindo a falta deles.
- E estou mesmo, que saudade!
- Eles eram muito legais?
- Eram sim, bastante.
- Por que não fala um pouco sobre eles? Pode te fazer bem...

Ela não entendia como aquilo podia lhe fazer bem, mas foi falando mesmo assim apenas tomando o cuidado de ocultar os nomes deles. Ela falou da sua amizade com Magali, dos seus problemas com o Cebola, do Cascão e de vários outros. Cebola foi anotando tudo para ler depois com mais calma e ficou impressionado com tantos detalhes que ele não tinha lido no diário dela.

- Parece que você anda tendo problemas com o seu ex. Por que não fala mais dele? Deve ajudar a por suas idéias no lugar. – ele falou ardilosamente, tentando convencê-la a se abrir. Havia muitas coisas sobre seu original que não tinham ficado muito claras no diário dela e ele queria saber mais.
 
 


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