Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 10
Choque e decepção




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- Careca? Vixe! Apagou geral! – Cascão dava pequenos tapas no rosto do amigo enquanto Magali o abanava com um lenço. Astronauta, Zé Luis e Xabéu estavam em volta do rapaz, esperando que ele acordasse.
- Acho que teremos de chamar a enfermeira. – Astronauta falou já preocupado com o choque que o coitado acabou de sofrer.
- Melhor trazer um desfibrilador também, parece que o coração dele não agüentou! – Zé Luis observou também sentindo pena do Cebola.

Coitado... ele tinha tantas expectativas com o seu duplo e no fim acabou tendo a maior decepção de toda a sua vida. Como recuperar daquele trauma?

- Hmmm... ai minha cabeça... – ele resmungou abrindo os olhos e olhando ao redor. – Credo, tive um sonho esquisito de que eu era um perdedor lesado que apanhava da Magali e... o que foi gente? Cascão?
- Éeeeeee... tipo assim...
- Isso não foi um sonho, rapaz. – Paradoxo falou sem a menor cerimônia ou sensibilidade. – No mundo alternativo, você é realmente um perdedor lesado que apanha do duplo da sua amiga doce e meiga.
- O quêeeeee???? Eu? NÃOOOOO!!!

Ele começou a debater no chão e a se descabelar, indo da negação a revolta e depois voltando para o estado de negação.

- Isso não é verdade, não pode ser! Era pro meu duplo ser o cara mais incrível do pedaço, o dono da rua! Argh! Que pesadelo!
- Cebola, qualé cara? Não precisa ficar bolado desse jeito não! – Cascão falou sacudindo o amigo com força para que ele parasse com o ataque de histeria.
- E como você quer que eu fique? Você viu só eu apanhando da Magali? Fala sério! Será que em todo mundo paralelo eu vou ficar apanhando de mulher? Aqui era da Mônica, nesse outro da Magali. Como deve ser nos outros mundos? Vai ver eu devo estar apanhando da Carmen num desses!

Xabéu e Magali olharam para ele com expressões zangadas e ele achou melhor se calar.

- Cebola, pode não parecer, mas eu também sei bater, viu? Só não faço porque não quero, não gosto de resolver as coisas assim, mas fraca eu não sou!
- Mals aê, Magá... é que eu tô bolado demais! Viu só como o meu duplo é um frouxo?
- Blé, pior é o meu que anda mais esfarrapado e sujo que um mendigo! Ele ainda coça o saco e depois cheira a mão na frente dos outros, dá pra acreditar? – O rapaz falou sentindo o estômago embrulhando com tal cena. Nem ele era tão desleixado assim.
- Pelo menos eles não são uma doida psicopata delinqüente que sai agredindo todo mundo. Que horror! Vocês viviam reclamando da Mônica, mas meu duplo ficou muito pior do que ela!

Até Astronauta tinha ficado abismado com tamanha diferença nas personalidades dos duplos daqueles jovens. O que tinha acontecido para que eles mudassem tanto assim?

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Na sala de aula, Mônica mal prestou atenção aos outros alunos. Ela só conseguia pensar no que tinha acontecido momentos antes, se recusando a acreditar que aquele trapo humano era o duplo do Cebola. Se não fosse aquele cabelo espetado e o troca-letras, ela jamais o teria reconhecido.

Quando o professor foi entrando na sala, o duplo do Cebola entrou logo em seguida, encurvado e encolhido como se estivesse com medo de ser atacado a qualquer momento. O professor lhe deu uma bronca.

- Cebola, já era para você estar dentro da sala!
- F-foi mal plofessor.

Os outros alunos deram risadas, imitando seu jeito de falar e foi preciso que o professor mandasse todos ficar em silêncio. A primeira aula passou sem que ela nem mesmo escutasse o professor, já que ela estava perdida em seus pensamentos e só voltou a realidade quando uma garota se aproximou dela na hora do intervalo entre uma aula e outra.

- Oi!
- Oi, Marina (ai, de novo não!) – ela estava tão distraída que acabou se esquecendo de que não estava em seu mundo. E no caso da Marina foi mais difícil ainda porque ela parecia com a original, sem tirar nem por.
- Puxa! Como você sabe o meu nome? – ela perguntou surpresa.
- Er... – alguns segundos de silêncio constrangedor quando uma boa idéia lhe veio a cabeça. – Eu tenho mania de tentar adivinhar o nome dos outros. Então eu acertei?

A moça deu uma risadinha e respondeu.

- Você tem uma intuição boa, viu? Mas o seu nome eu já sei: é Mônica, não é?
- Mas heim?
- Ano passado eu te vi tocar piano no teatro da cidade, nossa foi lindo demais!

Arrepios gelados percorreram sua espinha quando a outra pronunciou a palavra “piano”. Ah, o maldito piano!

- Puxa, obrigada! – elas conversaram um pouco e Mônica viu que Marina continuava a mesma pessoa, para seu alívio. O duplo de Cascuda também chegou perto e dessa vez Mônica conseguiu segurar a língua. Ia ser muito estranho se ela saísse por aí adivinhando o nome de todo mundo.
- Então você enfrentou a Magali? E sobreviveu? Você deu sorte mesmo, viu?

A aula seguinte começou e as duas foram se sentar, deixando Mônica pensativa. Quando chegou a hora do intervalo, ela tratou de sair dali rapidamente para não ser pega pela turminha da Carmem. Aquelas quatro eram um poço de futilidades e ela não queria fazer parte daquele grupo.

Quando ela se levantou, ele a seguiu com o seu olhar até ela sair pela porta. Só quando todos saíram da sala ele saiu também para evitar que alguém colasse algum papel nas suas costas. Era sempre assim e ele estava cansado de tanto levar chutes.

“Puxa... ela parece tão legal!” Cebola foi pensando enquanto ia para o estacionamento do colégio. Ele raramente ia para a cantina pois nunca conseguia comer sossegado com a turma da Magali lhe atormentando e roubando o seu lanche. Sem falar que os outros alunos também não o respeitavam.

O estacionamento ficava vazio naquela hora, sobrando somente os carros. Bastava se esconder entre eles para ficar seguro. Ele se acomodou atrás de uma van e tirou seu sanduíche para comer enquanto mexia em seu tablet. A imagem da Mônica sorrindo e estendendo a mão veio a sua mente outra vez. Qual teria sido a última vez que alguém foi gentil com ele?

Depois de muitos anos sendo surrado, perseguido e maltratado pelos outros alunos, foi até meio estranho receber a gentileza de alguém que pareceu ter se importado com sua dor. E justo de uma garota tão bonita e simpática!

Ele deu uma mordida no sanduíche e ficou mastigando sem sentir o gosto. Seu olhar estava meio perdido, olhando distraidamente o nada e ele pensou.

“Pena que durou tão pouco... daqui a uma semana ela nem vai estar mais olhando pra minha cara, que nem o resto da escola...”. Claro, aquela garota era novata e com certeza não o conhecia. Depois de um tempo ela acabaria ficando igual a todos. Ainda assim tinha sido muito bom ser tratado com alguma dignidade pelo menos uma vez em muito tempo.

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Quando pegou o lanche no seu refeitório, ela tomou todo cuidado para passar longe da Magali e seu grupo para não ter mais brigas naquele dia. Para sua sorte, havia alguns professores transitando por lá, o que de certa forma inibia um pouco as ações da valentona. Marina acenou para ela, convidando-a para se sentar junto com sua turma.

- Senta aí com a gente. – Marina convidou e ela atendeu de boa vontade, deixando Carmem e suas amigas com cara de quem comeu e não gostou.

Naquela mesa, estavam Marina, Cascuda, Keika, Xaveco, Tikara, Aninha, Dorinha e Luca. A primeira vista, todos se pareciam com os originais. Após as apresentações, o que foi engraçado já que ela conhecia o nome de todos, o assunto foi logo parar na quase briga daquela manhã.

- Minha nossa! Então você enfrentou mesmo a Magali? – Keika perguntou comendo o lanche com pauzinhos.
(Xaveco) – Eu quase borro de medo quando passo perto dela, cruz credo!
(Cascuda) – Aquela ali é o capeta em figura de gente!
(Mônica) – Ah, é eu fiquei com pena dele.

Xaveco falou fazendo careta.

- Pena daquele ali? É porque você não conhece a criatura mesmo!
- Ué, o que tem de errado com ele?

Luca explicou.

- O Cebolinha era uma peste quando criança, isso sim! Mexia com todo mundo, vivia aprontando e fazendo uns planos malucos pra passar a perna na gente.
- Teve uma vez – Xaveco contou – que ele armou um plano besta que me fez entregar a ele toda a minha mesada do mês!
(Marina) - Ele vivia esguichando água nos meus quadros!
(Dorinha) – Ele colocava o pé no meu caminho pra me fazer tropeçar!

Cada um foi falando das coisas que o Cebola aprontava com eles e com os outros e Mônica ouvia tudo sem acreditar. O Cebola do seu mundo era mesmo uma peste, mas não chegava a tanto. Ainda assim ela não achava certo que todo mundo o tratasse daquela forma, especialmente a Magali.

- Então é por isso que ninguém aqui no colégio gosta dele?

Os outros se entreolharam com uma cara estranha, como se um estivesse perguntando ao outro se deviam ou não contar a história. Por fim, Aninha decidiu.

- É que o Cebolinha vivia implicando com a Magali também. Acho que pegava mais no pé dela do que de todo mundo!
- É? Por quê?

Foi a vez de Marina responder.

- Sabe, a Magali nem sempre foi esse demônio que é agora. Quando criança, ela era tão fofa e meiga! Um doce mesmo!
(Cascuda) – Só que ela também era muito gulosa, nunca vi coisa igual! Ela comia que nem um elefante e não tinha fundo.
(Xaveco) – Sempre que a gente tava comendo alguma coisa, ela pedia um teco e às vezes chegava a morder a nossa mão!

Mônica não pode evitar uma risada. A Magali do seu mundo também era assim.

(Keika) – Tadinha, ela não fazia por mal, só não conseguia se controlar.
(Dorinha) – E ela era tão bacana com todo mundo que a gente acabava perdoando, exceto o Cebola.
- Ele implicava com ela?
(Marina) – O Cebola e o Cascão. Os dois não se largavam quando criança e viviam mexendo com todo mundo. Eles até tinham um clubinho.
(Xaveco) – Eu fazia parte desse clubinho e outros amigos meus também.

Eles olharam ao redor, como que com medo de que ouvidos impróprios ouvissem a conversa e continuaram as explicações.

(Cascuda) – Sabe aquele cara imundo sentado na mesa da turma da Magali?

Mônica balançou a cabeça, tentando conter o susto ao constatar que aquela coisa imunda era mesmo o Cascão.

- Ele é o Cascão e já foi meu namorado de infância, mas com o tempo eu terminei porque não agüentava mais a porquisse dele! Quando a gente ainda namorava, ele contava pra mim as coisas que os meninos aprontavam com a coitada da Magali. Como ela vivia abocanhando o lanche de todo mundo, eles cismaram que tinham de fazer a mesma coisa com ela.
- E então ficavam roubando os lanches dela?
- Sim. Viviam fazendo planos, esquemas e tinha até reuniões no clubinho por causa disso, tá pra acreditar?
- Credo, que horror! Tudo isso por causa de comida?
(Marina) – E porque os garotos eram impossíveis mesmo, né Xaveco?

Ele sorriu sem jeito e tentou se justificar.

- É, a gente exagerava um pouco com ela mesmo, mas o Cebolinha era o que mais pegava pesado! Ele vivia fazendo caricaturas dela nos muros do bairro, escrevia insultos, chamando de saco sem fundo e aspirador de comida.

Aquilo pareceu tão familiar para Mônica!

(Mônica) – E como foi que ela ficou desse jeito?

Todos deram de ombros.

(Luca) – Aí ninguém sabe dizer ao certo. Parece que um dia ela endoidou o cabeção e foi pra cima do Cebola com uma corrente de bicicleta. Isso foi quando ela tinha... deixa eu ver... uns 10 anos.
- Uma corrente de bicicleta? Cruz credo!
(Tikara) – Cruz credo mesmo! Ela bateu até deixar ele caído no chão, foi uma coisa horrorosa! E desde então a Magali virou o terror do bairro.

Eles explicaram que com o tempo, ela foi se tornando cada vez mais agressiva e também recrutando mais pessoas para a sua turma. Até Tonhão acabou sendo derrotado por ela e se tornado seu fiel cão de guarda. Assim formou-se a gangue da Magali, um bando de desordeiros que provocavam as pessoas ao seu redor, depredavam propriedade alheia, pixavam muros e roubavam o dinheiro do lanche dos mais fracos.

Todos daquele colégio a temiam e procuravam manter distância. Havia até suspeitas de que eles também roubavam, embora não houvesse nada confirmado. Enquanto o pessoal falava, Mônica apenas ouvia fazendo uma pergunta ou outra sem despertar suspeitas.

- E é por isso que ninguém aqui gosta do Cebola. – Aninha finalizou. – Foi por culpa dele que a Magali ficou desse jeito. Então de certa forma, foi ele quem criou esse “monstro” que atormenta o colégio inteiro!
(Luca) – Se não fosse por ele, a Magali não seria essa praga que é agora. Vai ver ela ficou assim de tanto ele aprontar com ela!

Mônica deu um triste suspiro ao ver o caminho que alguns dos seus amigos tinham tomado naquele mundo, especialmente a Magali.


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