Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 1
Algo sai do lugar




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O casal chorava copiosamente ao lado do pequeno caixão, onde tinha o corpo de um recém-nascido. Era um caixão bem pequeno, da cor branca e dourada que foi encomendado ao melhor marceneiro que puderam encontrar. A criança estava envolta em uma manta florida com desenhos de coelhos azuis e parecia dormir em paz.

A mulher estava sentada em uma cadeira, pois ainda não tinha se recuperado das complicações que teve durante o parto.

- Ah, minha filhinha... tão pequena! Tão linda!
- Querida, tenta ficar calma... – por mais que estivesse com o coração em pedaços por causa da sua filha, ele também se preocupava com a esposa que ainda estava bastante debilitada.
- Eu não importo com mais nada...

Ele deu um suspiro doloroso. Aquela gravidez tinha sido cuidadosamente planejada e eles estavam esperando ansiosamente pela criança. O quarto foi decorado com tudo o que havia de melhor, todo o enxoval estava completo com roupas, sapatinhos, mantas, casaquinhos, toquinhas, chocalhos, cobertores... o berço fora feito sob encomenda e o móbile de berço tinha vindo da Itália. As paredes foram decoradas com bichinhos de pelúcia, flores e borboletas. Também havia brinquedos de todos os tipos e livros de histórias infantis que eles pretendiam ler para ela. Somente o melhor para sua princesinha.

Tudo parecia estar indo bem quando no sétimo mês sua esposa passou mal e teve uma hemorragia. Ela foi levada as pressas ao hospital e o bebê nasceu prematuro. A criança estava muito abaixo do peso, fraca e debilitada. Depois de vários dias na UTI sendo sustentada por aparelhos, ela não resistiu e morreu por insuficiência respiratória, deixando seus pais no mais completo desespero.

A mulher contemplava seu bebê, que agora era apenas um corpo frio que não se mexia, não sorria e nem chorava. Era um pedaço de si mesma, que viveu e se desenvolveu dentro do seu corpo durante meses, sendo protegida, aquecida e alimentada com muito cuidado. E não era só um pedaço do seu corpo que estava ali. Era também um pedaço da sua alma que estava prestes a ser enterrado sob a terra fria daquele cemitério.

Quando chegou a hora do enterro, dois homens carregaram o caixão e foram seguidos pelo cortejo fúnebre composto pelos pais e parentes. Ao contrário do que se esperava, o dia estava relativamente bonito e sem sinais de chuva. Menos mal. Ela já estava terrivelmente deprimida, se estivesse chovendo seu estado de espírito teria piorado ainda mais.

O túmulo já estava aberto esperando para receber o caixão. Após darem o último adeus a sua filha, os coveiros abaixaram o caixão e foram cobrindo tudo com terra. Não havia mais nada a se fazer ali e o marido foi embora amparando sua mulher que parecia perto de um desmaio de tanto chorar. A única coisa que lhes restava era juntar os cacos e seguir em frente da melhor maneira que puderem.

Meia hora depois, o local estava deserto e o tempo pareceu seguir normalmente. Os dias foram se passando, seguido pelos meses e anos. Vários eventos importantes foram acontecendo pelo mundo. Guerras e tratados de paz. Grandes descobertas científicas e crimes hediondos que mostravam o quanto o ser humano podia ser cruel. Desastres naturais e não naturais.

Eventos esportivos, olimpíadas, copas do mundo, escândalos entre lideres mundiais e modismos que surgiam e desapareciam como estrelas cadentes. Muitos filmes foram lançados, bandas apareciam e depois caiam no esquecimento.

As estações se sucederam uma a outra, as pessoas iam vivendo suas vidas como podiam e o planeta girava normalmente ao redor do sol como tem feito há bilhões de anos.

Olhando de fora, a Terra parecia uma jóia azul flutuando pelo espaço com a lua girando ao seu redor. E a vista do planeta azul costumava ser deslumbrante para quem estivesse na lua, podendo observar a terra em fases minguante, crescente e cheia em uma interessante inversão de satélites. Normalmente não haveria ninguém na lua. Há algum tempo a NASA não mandava mais ninguém para visitar o nosso satélite. No entanto, havia sim uma pessoa pisando em solo lunar, observando a Terra enquanto mergulhava em seus pensamentos e devaneios.

Ele olhou para seu relógio e depois voltou a contemplar a Terra com uma expressão pensativa. Tratava-se de um fenômeno bem raro e curioso que só acontecia muito raramente. Fazia muito tempo desde que ele tinha presenciado algo parecido e aquilo era ao mesmo tempo empolgante e assustador.

“Interessante... acho que algumas coisas terão que mudar por aqui e ali.” Uma distorção no espaço ao redor da Terra chamou sua atenção e ele continuou a observar o fenômeno que se intensificava com o passar do tempo. Aquilo deveria preocupá-lo? A princípio ele acreditava que não, mas se tinha uma coisa que ele havia aprendido era que o tempo costumava ser muito caprichoso e imprevisível. Um mesmo evento poderia se repetir de forma igual várias vezes e em um determinado momento, por razões que ele desconhecia, mudar totalmente seu rumo e acontecer de uma forma imprevisível.

“Tempo, tempo, tempo... sempre me dando uma rasteira, heim? Sim, sim... isso será muito interessante de se ver.”

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Bairro do Limoeiro – Terra Original

- Calma, Magá! Não desespera que é pior! – Cascão falou tentando acalmá-la enquanto Mônica dava tapas em suas costas. Ela tentava respirar a todo custo, seu rosto estava ficando levemente arroxeado e lágrimas saiam dos seus olhos.
- Bate com mais força, Mô! – Cebola instruiu segurando Magali pelos ombros para que ela não saísse do lugar.
- Então lá vai!

Mônica desferiu um tapa ainda mais forte, que quase partiu a coluna da Magali ao meio. Doeu, mas funcionou e um pastel babado saltou da sua garganta e foi parar na blusa do Cebola, ficando preso como se fosse um broche.

- Argh, que nojo!
- Ai minha nossa! Agora consigo respirar, valeu! Que bom que o pastel não caiu no chão! – a gulosa pegou o pastel preso na blusa do Cebola e voltou a comê-lo sob os olhos arregalados dos outros três.
- Magali, como é que alguém consegue engasgar com um pastel inteiro?
- Ué, Mô, ele nem é tão grande assim.
- Credo, você pegou esse troço babado da minha camisa e tá comendo?
- Era o último, não podia desperdiçar. E sua camisa é limpinha, né? Se fosse a camisa do Cascão, seria outra história.
- Ei! Eu tomo banho agora, esqueceu?

Passado o incidente, eles voltaram a comer, embora a cena da Magali comendo aquele pastel babado ainda persistisse em sua memória. Os quatro estavam no parque do limoeiro, era uma bela manhã de sábado e um dia perfeito para um piquenique. A idéia tinha sido da Magali porque todos andavam meio estressados com os exames da escola e ela pensou que um passeio no parque poderia ajudá-los a relaxar. E estava funcionando, já que até a Mônica estava mais tranqüila e ainda não tinha ocorrido nenhuma briga entre ela e o Cebola. Pelo menos não nos últimos trinta minutos, já que eles estavam atravessando uma fase meio conturbada.

Quando terminaram de comer, os quatro se deitaram na grama e ficaram olhando as várias pipas coloridas que enfeitavam o céu. Boas lembranças para Cebola e Cascão, que adoravam soltar pipas na infância.

- Ô careca, lembra daquela pipa em forma de jacaré que a gente fez?
- Lembro. Pena que não durou muito, mas foi bem legal.

Enquanto Cebola contemplava o céu, Mônica observava o rosto dele disfarçadamente. Será que ele tinha noção do quanto ficava charmoso com aquele cabelo espetado? O rapaz estava tão distraído que não percebeu que estava sendo observado. Ele parecia distante, como se estivesse vivendo em outro mundo. Pensando bem, é assim que tem sido desde que eles terminaram. Apesar das suas tentativas de ficar bem com ele, nenhum passo tinha sido dado para a reconciliação deles. Nenhum passo da parte dele, mais especificamente. Seu carequinha charmoso continuava tão distante quanto aquelas pipas que flutuavam lá no céu.

- Tem alguma coisa nos meus dentes? – Ele perguntou virando o rosto de repente.
- Heim? Er... nada não... eu só tava pensando em outra coisa e... você sabe...

Pela forma como ela gaguejava e pela vermelhidão do seu rosto, ele sabia que ela estava mentindo. Ainda assim não falou nada. Aprofundar naquilo poderia trazer a tona assuntos nos quais ele não queria tocar por enquanto.

Fazia mais de seis meses desde que o namoro foi terminado. Naquele dia ele tinha dito que os dois só voltariam a namorar quando ele a derrotasse. O tempo passou e aquilo nunca aconteceu. Por mais que achasse aquilo desconcertante, ele não conseguia pensar em nada para derrotá-la, nenhum plano. O tempo ia passando e ele chegou a conclusão de que o melhor fosse deixar as coisas correrem sozinhas. Era improvável que ela fosse desistir dele e ficar com outro, então por que se preocupar?

Como ele tinha ficado silencioso novamente, ela voltou a olhar para o céu e teve um pequeno sobressalto ao ver algo que parecia um relâmpago. Seria mesmo um relâmpago? Não, o céu estava totalmente limpo, sem nenhuma nuvem e ela pensou que talvez fosse sua imaginação lhe pregando peças.

Ela fechou os olhos para relaxar um pouco e não viu que o fenômeno tinha se repetido novamente algumas vezes.  


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