O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 4
Capítulo 3 - Pela Primeira Vez


Notas iniciais do capítulo

Capítulo betado!



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A sereia tremia dos pés à cabeça. Se não tivesse sido tão orgulhosa, não estaria em um navio pirata agora. Eruwin estava sentada no canto de uma cela escura e fedorenta. Seu rosto tentava disfarçar todo o medo que sentia, assim como seus olhos rosados. Certamente estava odiando o lugar, contudo, ainda assim, ficar ali era melhor que o que a aguardava lá em cima.

— Aqui, tome a minha camiseta. Está frio — Henry murmurou. A verdade era que a nudez dela o incomodava, mesmo que a escuridão e os longos cabelos dourados da criatura não lhe permitissem ver muita coisa. A sereia o encarava, desconfiada, porém acabou por aceitar a roupa. Entretanto, ela encontrou certa dificuldade para colocá-la. — Será possível…

O rapaz se aproximou da criatura assustada e a ajudou a colocar a vestimenta. Foi quando Henry estava abotoando a camiseta que Eruwin pareceu voltar a seu temperamento natural.

— Eu tenho certeza que você está vermelho. — Ela podia sentir a mão de Henry tremer ligeiramente, e isso a divertia, era como se ela estivesse no controle da situação. — Que tipo de homem sente vergonha quando está próximo de uma mulher?

— Sim, acho que devo estar. Porém… você está com mais medo do que eu com vergonha. — E quando Eruwin abriu a boca para argumentar, Henry segurou o punho fino da sereia e a jogou contra o chão, ficando por cima dela. — Você vê? Está tremendo. Eu poderia me aproveitar da sua humilhante situação, mas prefiro te ver aprender a andar. Use as grades.

Quando finalmente a libertou, Henry se dirigiu para o canto da cela e tentou se distrair enquanto matava alguns insetos usando o próprio polegar. Eruwin continuou deitada onde estava, sentindo o coração pulsar violentamente. No momento em que finalmente conseguiu se acalmar, arrastou-se até a grade da cela e tentou se colocar de pé. Seria uma longa noite pela frente. Primeiro tentou movimentar a perna esquerda, entretanto, o movimento foi tão insignificante que ela sequer saiu do lugar.

Por vezes, Henry a olhava para ver seu progresso, mesmo que desviasse o olhar rapidamente. Não conseguia observá-la por tanto tempo sem sentir seu controle fraquejar. A cada espiada, o rapaz reparava em uma característica diferente daquele ser; demorou um tempo, mas após avaliá-la, percebeu que ela era pelo menos um palmo mais alta que ele.

Eles passaram a noite em silêncio, cada um com suas ocupações. Com o passar das horas, Eruwin conseguia andar lentamente e Henry havia matado tantos insetos que poderia alimentar dezenas de sapos com eles.

Eis, então, meus amigos, que o temido momento chegou. Os piratas desceram do convés e arrastaram a sereia e o náufrago escada acima.

As nuvens escondiam o brilho do Sol e uma névoa branda passeava pelo navio. Nada poderia denunciar que o céu estivera claro e límpido no dia anterior. Apesar do clima pouco receptivo, o mar se mantinha calmo. As chuvas de outono não chegariam ainda.

— Então… vejamos o que faremos aqui. Podemos conseguir algum dinheiro com o rapaz se o vendermos como escravo. Quanto à garota… ela deverá ser levada à minha cabine. — O capitão olhava para a pobre sereia cobiçosamente. A tripulação murmurava em desaprovação, fato que não lhe passou despercebido. — Digam-me, homens! Quem é o capitão desse navio?

— O senhor, capitão!

— Então não aceito que questionem minhas ordens! — ele gritou furiosamente. Eruwin tremia só de imaginar o que aquela mão monstruosamente grande poderia fazer com ela.

— Com licença, senhor capitão. — Todos se calaram. Era algo inédito um prisioneiro ter uma atitude tão descarada. — Quero agradecer por poupar minha vida. Eu me sinto em débito com o senhor, por isso gostaria de alertá-lo.

Pelo silêncio que se seguiu, Henry percebeu que a surpresa não foi um sentimento restrito à tripulação.

— Alertar sobre o quê? — o capitão finalmente perguntou. Olhava desconfiadamente para seu prisioneiro que, reparando agora, tinha uma aparência lastimável.

— Sabe, tomei esta mulher como minha sem saber das consequências! Não sabia que ela estava infectada por uma peste. Sinto meu corpo fraco e acho que não vou durar muito, mas devido à sua bondade… vou ter tempo de escrever uma carta para meus parentes, acho que até escravos possam escrever cartas. — Tanto o capitão como sua tripulação olhavam atentamente para Henry. Nos braços do rapaz, havia líquidos viscosos que provavelmente saíam de seus poros, os olhos estavam vermelhos e era possível ver que ele mal conseguia sustentar o próprio corpo. — Só espero que isso não seja contagioso.

E então, meus amigos, o inferno estava feito. Todos se afastaram tanto de Henry quanto de Eruwin e murmuraram uns com os outros sobre um boato de já terem ouvido sobre uma peste parecida. O rosto do capitão ficava cada vez mais vermelho, em busca de uma solução para aquele problema.

— Joguem esses vermes no porto! Não os quero nem mais um minuto dentro de meu navio! — Nenhum tripulante parecia querer tocá-los, o que fez com que o capitão tivesse um ataque de fúria. — Andem logo, seus inúteis! ou os jogarei na enseada dos tubarões!

E desta forma, companheiros, Henry e Eruwin chegaram ao Porto de Telquines.

Quando se afastaram suficientemente do navio pirata, o jovem começou a rir, e Eruwin o encarou magoada e irritada. O que ele queria dizer com infectada? O que ele queria dizer com peste? Ela certamente não possuía nenhuma dessas desgraças! Doenças humanas não a atingiam!

— E pensar que insetos seriam tão úteis! — E ele continuava a rir como uma criança. Quando finalmente Henry conseguiu controlar sua alegria por estar vivo, virou para Eruwin e pareceu lembrar-se do problema em que estava. Observou os arredores: todos lançavam olhares de soslaio para a bela mulher seminua que andava precariamente pela rua, isso sem contar os que a fitavam descaradamente. Uma expressão sombria tomou conta do rosto de Henry, que segurou Eruwin pela mão e teria começado a arrastá-la pela rua caso não houvesse percebido que aquilo poderia machucá-la. Sem pedir permissão (afinal ele sabia que iniciaria uma discussão com a sereia e que atrairiam ainda mais atenção), tomou a criatura nos braços que, ele deduziu, ficou muda de espanto. Seguiu pelas ruas que conhecia tão bem até chegar ao hotel que costumava se hospedar. Falou rapidamente com o dono do lugar e subiu as escadas apressadamente, entrando no quarto que lhe fora designado. — Olhe, fique aqui, tome um banho que eu já volto.

— Tomar um banho? O que quer dizer? Aonde você vai? — Henry suspirou e dirigiu-se à porta do banheiro. Não era o mais limpo que já vira, mas estava aceitável. Abriu a torneira da banheira e aguardou até que enchesse. Logo depois, olhou para Eruwin, que o encarava cheia de desconfiança. 

— Escuta, entre na banheira e use o sabão… que é aquela coisa branca e escorregadia. Isso fará com que sua pele fique perfumada e limpa. Quando terminar use a toalha para se secar, toalha é essa coisa azul pendurada aqui. Eu já volto, não irei demorar.

Eruwin ficou um longo momento decidindo se entraria ou não naquela água. E se aquilo fosse uma armadilha? Decidiu que, sendo uma sereia, a água jamais a trairia e, portanto, não havia nada a temer. Acabou por divertir-se à beça com aquilo que Henry chamara de sabão e ainda não havia terminado o banho quando ele voltou; sua aparência estava bem melhor agora e trazia consigo algumas sacolas.

O pobre moço levou um susto daqueles ao encontrar Eruwin parada na porta do banheiro, completamente nua e pingando, com vestígios de sabão em algumas partes de seu corpo. Ele fechou imediatamente os olhos e pôde ouvir a sereia soltar uma risada encantadora.

— Ora, está totalmente corado! — disse e tornou a rir. Henry buscou acalmar o seu coração, que batia dolorosamente contra seu peito. — Veja! Essa coisa branca tem um cheiro muito agradável! Acho que estou limpa agora, não é?

O que ele poderia fazer? A sereia de nada sabia das coisas humanas e como Henry poderia ensiná-la? Muniu-se da maior quantidade de autocontrole que conseguiu e guiou Eruwin novamente para a banheira. Por sorte encontrou uma esponja e com ela pôs-se a limpar as costas da criatura, fazendo movimentos circulares e instruindo que ela os imitasse quando era necessário limpar uma parte mais íntima. Henry esfregava o braço dela enquanto sentia seu próprio tremer levemente, fato que não passou despercebido por Eruwin, que buscava disfarçar seu embaraço ao tirar chacota do pobre humano.

— Gostaria que não fizesse isso… Já é difícil o bastante me segurar. Sei muito bem que você sabe sobre o efeito que causa aos homens, por favor, não me dê motivos para fazer nada que você não quer. — Após aquilo, Eruwin calou-se. Henry pediu a ela que saísse da banheira e enxugou suas costas e braços. Pensou brevemente em enxugar as pernas da sereia, contudo achou que seria melhor que ela fosse responsável por essa parte. Quando terminou, pediu a Eruwin que se cobrisse com a toalha e então mostrou o vestido simples que havia comprado. Pela primeira vez, viu uma expressão de encanto no rosto da sereia. — Você gostou?

— Sim… Digo, é bonito, mas não a coisa mais bela que já vi. — Ela havia percebido o tom surpreso de Henry e foi incapaz de dar uma resposta sincera. Com a ajuda do humano, conseguiu colocar a vestimenta e ficou admirando-se no reflexo de um velho espelho que havia dentro do armário. — É… lindo…

Henry sentia sua garganta apertada, tamanho fora seu esforço para controlar todo o pensamento impuro que tinha a respeito da criatura e perguntava-se se ela já o havia enfeitiçado sem que ele tomasse conhecimento.

— Comprei sapatos, também, e comida… Acho que deveríamos comer e então ir para a cama. Q-quero dizer, dormir. Eu vou dormir no chão, você fica com a cama. — A sereia apenas deu um breve aceno com a cabeça. Estava terrivelmente encantada com o seu reflexo, não sabia que era tão bela e agora podia entender o desconforto de Henry. Sentiu-se tímida e desconfortável e não trocou nenhuma outra palavra com ele. Apreciou a refeição, admitindo para si mesma que aquilo era mais delicioso que qualquer coisa que havia provado no mar. Tomou gosto por um alimento que Henry chamava de maçã, era algo tão doce e gostoso! Ela comeu seis maçãs até finalmente se dar por satisfeita.

Quando foram dormir, Henry se deitou em um canto distante do quarto e Eruwin ficou deitada na cama, observando-o se entregar ao sono rapidamente. Pela primeira vez, ela cogitou que humanos talvez não fossem tão cruéis como diziam as lendas…


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Notas finais do capítulo

Mais um capítulo sobre a Eruwin e o Henry, não se preocupem, logo voltaremos para Leharuin e suas borboletas! Espero que gostem! :)