O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 31
Capítulo 30 - O Pirata e a Sereia


Notas iniciais do capítulo

Tananam! Finalmente o Leha encontrou a mãe q- Espero que gostem desse capítulo ^u^ Queria dedicá-lo especialmente à Nicole Peake, por não ter exatamente certeza se já agradeci a recomendação que ela deixou. Então se já agradeci, irei agradecer de novo, porque foi muito linda s2 No Natal vai ter um capítulo "bônus", como um presente pra vocês XD Abraços quentinhos o Qualquer erro avisem u-u



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/333339/chapter/31

Leharuin foi obrigado a descer pela âncora.

Por culpa da tempestade, os dois únicos botes do navio se tornaram inutilizados. Um grupo de onze piratas desceram com ele, incluindo Enzo e Sendulum. Esse grupo poderia ser considerado uma elite entre os piratas. Os Desencantados, foi o nome que deram. Por mais que ninguém concordasse que Enzo fosse capaz de resistir ao encanto de uma sereia, acabaram permitindo que ele os seguisse. Acreditavam que, devido a pouca idade, o garoto não tinha maturidade e por isso aquelas criaturas marinhas não poderiam atingi-lo. O motivo obviamente irritou o garoto, que permaneceu em silêncio durante todo o caminho até a ilha.

A missão daqueles homens, basicamente, era encontrar alimentos e madeira para realizar os reparos restantes. Ficariam ali por quatro dias, tempo que eles julgaram suficiente para que o ladrão voltasse. Não esperariam por mais tempo.

O rapaz abandonou o grupo sem grandes despedidas. Contentou-se em dar apenas um breve aceno e então se pôs a seguir as criaturas voadoras que lhe acompanharam por toda uma vida.

Não creio que o caminho até o esconderijo de sua mãe seja algo importante a ser relatado. Foi uma viagem tediosa e cansativa, o ladrão não se permitiu dormir. Queria terminar tudo aquilo o quanto antes e retornar para Clara.

Eu poderia narrar para vocês apenas os sons da floresta, ou talvez a respiração pesada de Leharuin em determinadas ocasiões. Seus pensamentos não eram um segredo: Clara ocupava a maior parte deles. O ladrão também pensava em Analiese, embora tais pensamentos fossem carregados de preocupação e culpa. Seamus apareceu apenas uma vez, quando Leharuin se questionou como o irmão se sentiu ao encontrar a mãe. Havia certo receio, ele não sabia o que pensar ou o que sentir.

A primeira coisa que ele descobriu sobre sua mãe, é que ela possuía uma bela voz, mesmo que carregada de tristeza.

Havia um lago, levemente coberto pela névoa e ela se encontrava sentada em uma rocha próxima à margem oposta. Estava tão imersa em seu próprio sentimento que não notou a chegada do rapaz. Ele não sabia ao certo como chamar sua atenção. Soltou um suspiro e olhou para o chão, tentando reunir coragem.

— Mãe? — chamou quando ergueu o rosto para visualizá-la outra vez. A criatura o encarou imediatamente e, apesar de não conseguir ver seu rosto, Leharuin teve a impressão de que ela chorava.

Ela desapareceu nas águas do lago para, segundos depois, emergir próxima a ele. Estavam há apenas seis passos de distância, contudo Leharuin tinha medo de se aproximar mais.

— Que nome os humano lhe deram? — questionou, como se tal informação fosse terrivelmente importante.

— Leharuin. — respondeu em um murmuro e a sereia torceu o nariz. Era difícil e ao mesmo tempo muito fácil vê-la como sua mãe. Tinha cabelos azuis, mas não como os dele. Eram um azul triste... e, apesar do rosto molhado, o rapaz conseguia perceber as lágrimas, pois os olhos de sua mãe mudavam de cor constantemente. Azul, verde, violeta, amarelo, preto, dourado, prata...

— À bordo da ruína. Um nome antigo. Eles cuidaram bem de você? — O ladrão deu dois passos. Lembranças de seu tempo de criança começavam a surgir na sua mente, ele deu um leve sorriso.

— Meu pai nunca me escondeu nada. Disse que me deu esse nome para que eu enfrente o meu passado e origem. Eu sempre soube que era filho de uma sereia e eles sempre me aceitaram por isso, mas... — Podia sentir seus olhos arderem, mas ainda assim não havia lágrimas. Sua mãe sentou-se na margem e lhe ofereceu os braços (os quais o ladrão negou, ainda que com receio) consciente de que a vida de Leharuin fora mais dura que a de Seamus. A sereia comprimiu os lábios e recolheu os braços, ele não cederia tão fácil... — Seamus não me disse seu nome...

— Katriel — ela sussurrou, com tristeza. Observava aquele menino sem lágrimas, relembrava o dia em que o abandonou... ele chorava e chorava, mas as lágrimas não saíam. — Eu sinto muito, meu pequeno, por tê-lo abandonado. Mas desde o pai de Seamus, eu passei a temer os humanos... seu pai foi diferente e ainda assim nunca voltou... e eu nunca soube o porquê. Eu jamais conseguiria me virar sozinha no mundo dos homens, desde que você nasceu... eu nunca mais consegui parar de chorar.

— Como conheceu meu pai? — Aproximou-se da margem e sentou próxima a ela. Parte dele podia compreendê-la, parte dele sabia que não deveria julgá-la tão duramente… bem no fundo, ele sabia que ela o amava imensamente e ainda assim ele não conseguia disfarçar aquele sentimento. O sentimento de que eram dois estranhos.

— O pai de Seamus me abandonou em uma ilha, onde fiquei presa por cinco anos, creio... uma sereia não precisa necessariamente comer para sobreviver, sabia? Eu não conseguia andar, então nunca pude sair de lá. E eu ainda esperava que ele fosse voltar... — Leharuin tentava não olhar para as feias cicatrizes que aquelas lágrimas ácidas desenharam no rosto tão belo de sua mãe, mas era difícil… será que ela já havia se acostumado com a dor? — Alguns piratas vieram explorar a ilha. Achei que fosse ele... porque isso foi alguns dias depois de seu irmão nascer. Não era. Seamus estava chorando e aquilo atraiu a atenção de um dos homens. Deixei Seamus no chão e me arrastei para perto de uma moita. Tinha uma pedra no caminho... Foi assim que consegui isso.

Ela apontou para uma cicatriz pouco abaixo de seu seio esquerdo e sorriu.

— Na ocasião foi uma sorte, porque o homem conseguiu me encontrar... mas pelo sangue, acreditou que eu estava morta, então só me deixou lá. Eles levaram Seamus, falaram algo sobre vendê-lo para o circo… poderiam ter vendido meu corpo também, mas acho que temiam alguma maldição... — As lágrimas ficaram mais intensas e ela desviou o rosto que parecia tão velho e tão jovem ao mesmo tempo. — Só quando Seamus veio aqui que eu descobri o que era... eu devia tê-los enfrentado. Foi uma sorte que Pedro tenha comprado seu irmão...

— Você nem andar sabia. Não conseguiria lidar com tantos piratas. Eles têm um grupo de, no mínimo, dez homens chamados Desencantados. Dizem ser capazes de resistir ao encanto das sereias. — O próprio ladrão não sabia quanta verdade havia nessa história, entretanto, sabia que aquilo era algo que talvez pudesse consolá-la. 

Quando ainda vivia com sua família, Leharuin se pegava imaginando o encontro com sua mãe verdadeira. Imaginava as palavras duras que diria sobre como ele não precisava dela. Quando virou um menino de rua, descobriu sobre a lenda a respeito do choro das sereias e por vezes ele se perguntava se sua mãe teria chorado por ele. Somente quando conheceu Clara ele parou de pensar sobre a mãe que ele jamais viria a conhecer. Ao menos era o que ele acreditava na época.

Agora, estando tão próximo a ela, Leharuin não conseguia ser cruel… mesmo que a houvesse desprezado por tanto tempo, mesmo que antes não se importasse com as dificuldades que ela enfrentaria… naquele momento ele compreendeu. Sim, a limitação não era algo restrito aos humanos. 

— E-eu me odiei tanto... continuei lá, naquela moita... havia algumas borboletas e eu implorei a elas que cuidassem de Seamus, não acreditei que elas fossem aceitar, mas aceitaram. E então um dia, seu pai me encontrou. Ele disse o nome dele, era engraçado. Sigmar — deixou escapar uma breve risada. — Sigmar me ofereceu ajuda. Primeiro, ele me ensinou a andar... disse que se um homem me deixasse em igual situação, ao menos eu poderia escapar sozinha. Eu jurei que jamais confiaria em nenhum homem outra vez e ele me disse que conhecimento nunca era demais. Assim, ele gentilmente me ensinou a andar... e eu, sendo a boba que eu sou, acabei me apaixonando por ele.

— Até conhecer Eruwin, eu acreditava que sereias não podiam se apaixonar. — Leharuin murmurou, sorrindo.

— Eruwin... olhos rosados? Ela era apenas uma pequenina quando a conheci... jurava que mataria todos os homens, porque os humanos violentaram sua mãe. — Sua expressão era soturna, mas logo se iluminou. — Então, você e Eruwin...?

— Não, ela não. — Nosso querido ladrão riu. Uma risada cristalina que foi capaz de encantar até mesmo sua mãe. — Ela se apaixonou pelo meu melhor amigo... continue sua história que em breve contarei a minha.

— Sigmar admitiu que o pai de Seamus era seu Capitão. Disse que não suportava ouvi-lo se gabar de como ele me conquistou e logo após quebrou meu coração. Ele se orgulhava de ter me abandonado em uma ilha, apenas a esperança como minha companhia. — Suas mãos tentaram afastar as lágrimas que nublavam sua visão. — Ele veio me encontrar para me ajudar. Desviou-se do rumo de sua missão, por saber que a ilha em que eu me encontrava estava bem próxima. A missão dele era em Delfinos e eu o ajudei a chegar até lá em segurança... Imagino que o resto você já saiba.

— Ele também te abandonou. — Ela acenou em um sinal de afirmação. Leharuin refletia sobre o quão fácil era conversar com Katriel. Era reconfortante e ao mesmo tempo estranho. Nunca imaginou que poderiam aquele sentimento inicial perderia sua força tão rápido...

— Eu realmente acreditei que ele voltaria... esse lugar, foi ele que me mostrou. Quando minhas irmãs não quiseram mais me aceitar, eu me refugiei aqui. Ter um filho com um humano, é perdoável, mas dois... — Ficaram calados por um longo tempo. A sereia sem entender porque Sigmar não voltou e Leharuin pensando em Clara. Só que, ao contrário de seu pai, ele voltaria. Ele jamais a abandonaria novamente.

— Eu vou casar, mãe... — As palavras foram segredadas sem que ele se desse conta e o sorriso que Katriel deu... bem, fora o mais bonito que ele já vira.

E como prometido, nosso querido ladrão contou sua história. Sua mãe chorou por ele e riu com ele. Contudo, meus amigos, há outra história que quero contar... pois eu sei porque Sigmar não voltou.

Boa parte da história que o pirata contou para a iludida sereia, fora mentira. Exceto o amor que sentia por ela... esse amor era genuíno e Sigmar de fato teria voltado, se seu Capitão não o houvesse assassinado.

O bondoso pirata de fato não suportava as histórias nojentas de seu Capitão. A forma como ele descrevia Katriel, como se vangloriava de ter iludido tão bela criatura. Era uma bela ruiva, ele dizia, com lindos olhos arroxeados. Mas eu fiz aqueles olhos mudarem de cor. Há cinco anos que ela me espera e eu jamais retornarei!

Sigmar certa vez perdera a paciência e brigou com seu capitão. Mesmo sem ver a sereia, já se encontrava apaixonado. Era o tipo de pessoa a quem o amor vinha fácil, tal como Enzo.

A missão que recebera, seria fazer com que Katriel chorasse outra vez. Foi abandonado com o prazo de uma Lua. O Capitão, que era um homem corpulento e dono de uma invejável barba castanha, lembrava-se claramente que aquela sereia agora possuía os olhos dourados, como o ouro. Ele saberia dizer se Sigmar estaria mentindo, ele precisaria apenas olhar nos olhos da maldita sereia.

O pirata, ao encontrar a sereia, quase se rendeu aos seus instintos. Nada no mundo o havia preparado para tanta beleza! Seu corpo inteiro tremia quando ajudou a criatura desnuda. A pele dela era tão fria que ele não conseguia reprimir o pensamento de que deveria aquecê-la.

Tal como Katriel nos contou, ele a ensinou a andar. Era uma forma de distrair sua mente, assim como uma segurança que dava a ela. Se ele não conseguisse resistir, ao menos ela poderia correr dele. O pobre homem deu a sereia sua camisa, numa tentativa de esconder a nudez da criatura. Aquilo o ajudou, um pouco. O problema estava que não era apenas a aparência dela que era encantadora, sua triste personalidade também o atraia. E ele lhe disse isso certa vez.

— Confio em você. — E quando ele lhe lançou um olhar questionador, ela apenas sorriu docemente e respondeu. — Posso ver como está se controlando. Sei que é difícil para você, posso ver que seu corpo inteiro treme. Não é minha intenção, mas sei que estou te torturando...

Quando foram para Delfinos, o prazo estava quase acabando. A lua cheia iluminava o mar onde a sereia prazerosamente nadava. Sigmar remou até a praia com a garganta fechada. Ele jamais conseguiria fazer aquela sereia chorar... o pirata, naquele momento, aceitou sua morte.

— Deve voltar para suas irmãs... adeus. — A sereia, que a essa altura já estava perdidamente apaixonada pelo humano, não foi embora. Nadou até a areia e permitiu que a lua fizesse a transformação. — N-não posso, Katriel, por favor...

— Não me ama? — Os olhos dourados se tornaram tristes e ele não aguentou aquela visão. Correu para ela e a abraçou, escondendo o rosto em seu ombro. Incapaz de dizer a verdade.

— É claro que amo. É por isso que não posso... não quero que seu coração se parta outra vez. — Ela se afastou e beijou sua testa, sempre com aquele sorriso de mel nos lábios.

— Quando estiver pronto, vai descobrir. Sigmar, você é incapaz de partir o coração de alguém. — Restava ao homem apenas uma semana. Por mais que seu corpo implorasse, ele não queria se entregar a sereia. Por mais que desejasse que se tornassem apenas um, ele sabia que não havia justiça. Porque se ela tivesse um menino como da última vez, Sigmar não poderia voltar para buscá-lo. O ódio que sentia pelo seu capitão não poderia ser maior.

Somente quando encontrou o lago e o apresentou para sua amada que sua força acabou. Ela lhe abraçou e disse alguma coisa sobre o quão lindo era aquele lugar, algo que o pirata não conseguiu entender. Estava perdido nos olhos da sereia e em seus belos cabelos azuis. Ela, por outro lado, estava perdida nos olhos tempestuosos do humano e em seu cabelo negro como o abismo do oceano. Como ela desejou se perder naquele abismo!

E em cima de folhas secas, apenas tendo o lago como testemunha, eles se tornaram um.

Sigmar permitiu que ela beijasse seus lábios e foi quando ela teve a certeza de que ele voltaria para ela. Não foi preciso enfeitiçá-lo. Dentro de seu coração ela sabia, que nenhum feitiço poderia ser maior que o amor que eles nutriam um pelo o outro.

Foram três dias de prazer até o prazo acabar e o pirata voltou para a outra ilha. Prometeu a Katriel que voltaria, formulou um plano em sua mente e tinha plena confiança de que conseguiria enganar o Capitão. Ao menos até ter tempo de elaborar sua morte.

— E então? — O odioso homem perguntou enquanto batia com a mão esquerda sobre sua barriga. — Qual a cor dos olhos dela agora?

— Ela morreu. Quando você me abandonou naquela maldita ilha, não foi difícil encontrá-la. Estava morta. Você pode se vangloriar ainda mais em suas histórias agora... o poderoso Capitão Cerontes! Tão sujo que foi capaz de fazer uma sereia cometer suicídio. — A informação, que a princípio surpreendeu o homem, logo lhe trouxe suspeita.

— Onde está o corpo? — Aquela pergunta o pobre Sigmar não esperava, no entanto, ainda assim conseguiu respondê-la.

— Eu o devolvi ao mar. O que você queria? Que eu carregasse um cadáver até aqui?

— Então você falhou.

— Não! Eu não tive a oportunidade.

— Mesmo se tivesse você não seria capaz! — bradou em fúria. Algo dentro dele o alertava que aquele patife estava mentindo e sempre fora um capitão que seguia seus instintos. — Moros já selou o seu destino, rapaz!

E com um golpe certeiro de sua espada, o Capitão deu um fim a vida de Sigmar. E, uma vez mais, foi o responsável pelas lágrimas de Katriel. Mesmo que nenhum dos dois soubesse disso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!