O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 21
Capítulo 20 - Destinados




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/333339/chapter/21

Acredito que há muitas almas curiosas a respeito do irmão de Leharuin. Por que Seamus é responsável por uma tarefa tão obscura? Acompanhem-me, queridos amigos, para o passado desse amável jovem.

Quando a sua mãe o abandonou, as borboletas também salvaram sua vida. Salvaram em parte, devo dizer, pois Seamus foi encontrado por um grupo de piratas e, veja bem, eles pretendiam vender aquele ser indefeso para o circo! Para a sorte do pequeno Seamus, Pedro apareceu em sua vida. Sim, Pedro era um homem religioso e faleceu há alguns anos. Ele era o responsável por transportar Aubrey e foi ele quem comprou Seamus dos piratas.

O garoto viveu sua infância em um Templo de Moros, onde as amigas de seu pai cuidavam dele. Desde muito pequeno fora educado com as palavras de seu deus... Ah! Mas nenhuma daquelas senhoras conhecia seu deus tão bem quanto seu pai.

— Preste atenção, Seamus. — Era o que seu pai sempre dizia. — Não deixem que envenenem sua cabeça, Moros não é um tirano. Moros é o meu melhor amigo.

E, quando criança, nunca entendeu o real significado daquelas palavras. Embora hoje em dia ele desconfie, porque Seamus encontrou as cartas... e porque seu pai lhe segredou.

— Se existe alguém que irá até o fim do mundo para matar Moros, esse alguém é esse garoto Aubrey. Por isso meu trabalho é tão importante, entende, Seamus? — E embora o jovem não soubesse como um humano pudesse matar um deus, ele nunca questionara seu pai. Apenas concordava em silêncio temendo e apiedando-se daquela pobre alma que insistia em viver. — Um dia essa será sua tarefa e preciso que entenda o quão importante ela é... preciso que saiba, porque você jamais conseguirá sustentar uma família. Lembra-se de como foi quando você era criança? Eu quase não podia te ver... e, acima de tudo, Seamus, não deixe seu dever para procurar por esse seu irmão. Não importa o que sua mãe tenha dito, você me promete, filho?

Sim, Seamus desvendou o mistério das borboletas... Infelizmente esse é um assunto para uma outra hora e, prestem bastante atenção, porque Aubrey está para morrer mais uma vez.

Claro que Seamus estava muito surpreso por encontrar seu irmão. Entretanto havia prometido a seu pai... por mais que desejasse lhe contar o significado daquelas borboletas, não poderia deixar de seguir Aubrey. Deveria confiar que, cedo ou tarde, Leharuin entenderia sozinho...

— Esfaqueado outra vez... — Seamus murmurou enquanto se lembrava das informações que seu pai lhe passara. Moros jamais permitiria que Aubrey morresse de uma forma muito dolorosa. Aquele menino parecia ser a única morte que o deus possuía certa influência. Ele podia impedir que Aubrey tivesse seu corpo queimado, que morresse afogado... Morrer por hemorragia era uma morte difícil de ser evitada, contudo o bondoso deus sempre retirava a consciência do garoto para que este não sofresse desnecessariamente. Geralmente, a morte era por esfaqueamento e, mesmo que os alquimistas houvessem inventado a chamada arma de fogo, quase ninguém a possuía. De forma que Aubrey não tinha nenhuma marca de tiro para contar história. Apenas facadas e cortes ocasionados por algum desabamento. Nada além disso.

— Sabe? É a quinta vez que eu mato esse garoto. E é a quinta vez que você vem buscá-lo. — Aquela famosa voz que pertence a Meredith se fez presente. Os olhos arroxeados de Seamus observavam a estranha com certo desgosto. Ela não deveria saber sobre Aubrey... aquilo estava ficando cada vez mais perigoso. — Eu não sei o que você faz para revivê-lo, contudo... está ficando cansativo matá-lo todo dia. Então resolvi cortar o mal pela raiz.

— O que a senhorita quer dizer com isso? — Meredith hesitou. De fato, Seamus era muito bem educado e ela quase teve pena de matá-lo. Quase.

— Quis dizer que estou aqui para matar você, bobinho. — Ela pulou em cima dele. O que foi uma sorte, para ela no caso.

Não, queridos amigos, Seamus não morre aqui. Podem comemorar, pois sua salvadora chegou bem a tempo. E quando eu disse que foi uma sorte para Meredith ter pulado em cima desse bondoso garoto, eu não estava falando mentiras.

Lillith estava pouco atrás, segurando prontamente seu arco e via com grande satisfação a flecha que enterrou no ombro da assassina. Meredith gritava de dor e aquilo foi tempo o suficiente para distraí-la e dar tempo do rapaz fugir de suas garras.

— Eu lhe dou uma chance, vá embora agora, porque eu não errarei outra vez. — Sua voz tinha um leve tom arrogante que escondia certa doçura. Infelizmente para nosso querido amigo Seamus, Meredith era uma moça de atitudes ousadas.

Devemos entender que ela jamais conseguiria fazer tal proeza se Aubrey não fosse tão leve. Ela o usou como escudo e se afastou dali, mesmo que lentamente. Lillith teria atirado, porém Seamus a impediu. Aquele garoto lembrava-se de como morria... certamente saberia que aquela flecha não deveria estar ali, embora, se Meredith o sequestrasse, não haveria como manter o segredo.

— Atire. — Seamus sussurrou. Lillith por muito pouco não acertou a cabeça de Meredith. Foram três flechadas que acertaram o jovem Aubrey. Apenas a quarta acertou o alvo, na perna. Derrotada, a assassina largou o cadáver no chão e fugiu com o resto de forças que lhe restava. — Ela até que resistiu bem.

— Você está bem? — E antes que o rapaz respondesse, ela balançou a cabeça negativamente. — Um religioso como você deveria tomar mais cuidado com sua própria vida invés de cuidar de cadáveres. O que ele tinha de tão importante?

Um sorriso límpido surgiu no rosto de Seamus e isso foi o suficiente para que a jovem se sentisse envergonhada. E para piorar ainda mais a situação, ele percebeu e soltou uma gostosa gargalhada que só fez com que ela corasse ainda mais.

— Estou sim, obrigado. Com licença... — Ele ergueu a mão esquerda e tocou em uma mecha do cabelo esverdeado de Lillith. Aos nossos olhos, bom imagino que aos olhos masculinos melhor dizendo, era apenas um olhar surpreso. No entanto para Lillith e para as moças apaixonadas que lêem essa história foi um adorável olhar surpreso. — Uma descendente de sereia como a senhorita deveria ser mais sincera com seus sentimentos. Não há motivo para vergonha por ter salvado a vida de alguém. Não deveria se envergonhar por ser uma pessoa gentil.

A pobre garota, cujo coração batia descompassadamente, se afastou de forma brusca. Seamus, que, ao contrário de seu irmão caçula, não sabia muito bem a respeito sobre o efeito que causava nas mulheres ficou um tanto confuso. Uma característica que muitas julgariam fofa, porém eu apenas o considero terrivelmente lerdo. Tentarei dar algum crédito a ele... mentira, não tentarei. Não importa se Lillith é excelente em assumir uma personalidade completamente diferente, naquela ocasião ela não estava fazendo um bom trabalho. Estava sendo medíocre. Agora, a ela eu dou crédito. Acredito que seja por sua aparência mais comum ou pelo seu temperamento doce, Seamus é, de certa forma, mais atraente que o irmão. Exceto para aquelas que preferem um ladrão a um bom moço... como a Clara e, bom, isso é uma informação para outra ocasião.

Voltando para o rumo certo da história, o problema estava nas flechadas que Aubrey levou. Uma no pescoço e duas na perna esquerda. Seamus retirou imediatamente e pode observar a ferida cicatrizando. Lillith foi incapaz de esconder sua surpresa, talvez ela seja como aquelas meninas bobocas que se derretem por um rapaz de rosto bonito.

O fato era que Lillith tinha esperanças de que a tal da velha estivesse certa. Tinha medo de acabasse estragando tudo e assustasse o rapaz. E se ele não gostasse dela? E se ela não gostasse dele? Preferia que a velha não tivesse lhe contado que aquele rapaz de olhos adoráveis estava destinado a ser seu encaixe... apesar, que se ela não tivesse contado, ele estaria morto agora.

— Sinto muito! Esqueci-me de me apresentar. Eu me chamo Seamus e foi um prazer ter sido salvo pela senhorita. — Ora! Aquilo era demais! Quem falaria uma coisa como aquela? Vendo a reação de sua salvadora, soltou um sorriso um tanto encabulado. — Essa última frase ficou um pouco estranha... acho que eu nunca irei conseguir me apresentar corretamente.

— De fato, eu não saberia como responder algo assim... você deveria parar com isso. — Seamus, que a essa altura estava recolhendo o corpo de Aubrey, deu um sorriso triste.

— É meu dever carregar o corpo desse menino. — Lillith balançou a cabeça veementemente, o que causou uma leve confusão no nosso amigo lerdo. — E a senhorita não me disse seu nome.

— Não é disso que estou falando, embora seja um dever realmente estranho. É apenas que você deveria parar de ser tão... de ser tão... tão você. — Para sua completa surpresa, Seamus riu e fez sinal para que ela o acompanhasse. Por alguma estranha razão, ele havia gostado da companhia daquela desconhecida. Tinha algo um tanto agradável em sua presença e ele não sabia explicar. Apenas confiava nela, imaginava que ter sido salvo por ela tenha contribuído algo para isso. — Lillith... É esse o meu nome.

— Como a senhorita gostaria que eu fosse, então? — Era uma pergunta retórica, é claro. Jamais mudaria seu jeito de ser, exceto se lhe dessem um motivo muito plausível para isso.

— Menos perfeito. Digo, há alguma razão específica para me chamar de senhorita? — Ele não entendia seu tom irritado e aquilo só a exasperava ainda mais. — Não é possível que você não veja...

— Ora! Eu estava apenas tentando ser educado, mas se a senh... se você não se agrada com isso, acho que posso ser um pouco menos formal. — Bom, se ela se sentia desconfortável pelo seu comportamento... era um motivo razoável, que mal faria em deixar de chamá-la por senhorita? Seamus não conseguia ver nenhum. — Não vejo o quê?

— Não é nada. — Soltou um pesado suspiro e então encarou o cadáver. — Para onde está levando-o?

— Diga, o que eu não vejo? — Aquela era novidade, Lillith não imaginava que ele fosse do tipo insistente.

— Eu disse que não é nada! — Pra que fora dizer aquilo em primeiro lugar? Lá estava ela estragando tudo. Era o que a jovem Lily sempre fazia e era por causa disso que interpretava um papel. Lillith, a calculista misteriosa, aquela que ninguém conseguiria ler. — Responda minha pergunta.

— Não irei responder até que me explique antes o que eu não vejo. — De algum modo, aquela insistência dele fazia com que ela se sentisse melhor. Era uma característica que, por vezes, poderia ser vista como um defeito.

— O efeito que causa nas mulheres — abaixou a cabeça e olhou concentradamente para o chão, não queria que ele a visse vermelha de novo.

— Efeito? Não compreendo. — Ele ficava cada vez pior. Não que fosse algo ruim, para Lillith, talvez a culpa fosse dela... que o comparava muito com seu irmão. Leharuin sabia bem o efeito que causava e por muitas vezes se aproveitava disso. Não estava acostumada com aquele tipo de inocência e muito menos preparada para lidar com ela.

— Você é... lindo. E gentil e bem educado. Parece não possuir nenhum defeito. Seria fácil para qualquer mulher se encantar por você. — O tom de Lillith migrava lentamente para o carrancudo. Sim, era muito fácil...

— Bom, eu agradeço pelas palavras gentis! Você também é encantadora. Contudo, você pensa assim porque acabou de me conhecer. Tenho vários defeitos. — O abraço de Aubrey pendia e o ruivo parou por um momento para arrumá-lo em volta de seu pescoço. Seus olhos migraram brevemente para a Lua, que lentamente saia de trás de uma nuvem escura. Havia uma espécie de beleza naquela cena, o que lhe fez ocorrer uma nova pergunta: — E é algo ruim as mulheres se encantarem facilmente por mim?

— Então cite um defeito seu! — Lillith devolveu rapidamente numa tentativa de esconder o quanto aquele elogio mexera com ela.

— Eu creio que fiz uma pergunta antes, senhorita. — Seu tom era brincalhão e fez com que a garota sorrisse.

— É, acabo de ver um defeito. Você é implicante. — O problema era que tal pergunta era difícil de responder... a jovem não conseguia pensar em nenhuma resposta cabível. Seamus, entretanto, era paciente e a aguardou em silêncio. — Apenas se você escolher não amá-las... digo, escolher uma dessas mulheres e não todas. Isso seria algo muito ruim também.

— É, parece um problema... não posso ter uma família. — Os olhos do rapaz abrigavam uma tristeza profunda. — Tenho um dever a cumprir, não seria justo... porque eu não daria a atenção que eles mereciam, entende?

Diante daquelas palavras, Lillith parou. É costume dos fiéis de Moros acreditarem que tudo é uma brincadeira de mau gosto de seu deus. Veja bem, não que eu concorde. Ou mesmo discorde. Apenas acredito que, se todos conseguissem o que querem muito facilmente, viver não teria tanta graça.

— O fato de você ser um Seguidor de Moros o impede? — Eram tão poucos os que de fato vestiam o manto do destino que Lillith nunca soubera ao certo o que eles faziam.

— Não, não. É apenas uma coisa que meu pai sempre me dizia. Nenhuma mulher iria me acompanhar em meu dever. Ele nunca encontrou. — Resolveu descansar um pouco. Estavam relativamente próximos da mansão e ainda possuíam bastante tempo. Deitou cuidadosamente o cadáver de Aubrey no chão e apoiou-se na parede de uma casa.

— Eu acompanharia. — Ah! As palavras que saem sem pensar! Tão carregadas de sinceridade... tão repletas de vergonha. — Quero dizer, se você encontrar uma mulher que o ame de verdade, ela certamente iria lhe acompanhar.

A insegurança de Lillith só fazia aumentar, porque não existe isso de que os olhos se encontram e estão apaixonados. Não é fácil assim. Ao menos não nesse mundo que habito.

— Acredita mesmo nisso? — Havia dor naquelas palavras e Lillith se perguntava se Seamus não estava cansado de viver tão sozinho, desempenhando uma tarefa tão desagradável.

— Acredito, sim. Uma pessoa pode ir até o fim do mundo por aquele que ama. — Foi uma frase infeliz e a garota só percebeu isso tarde demais. Porque Seamus era filho de uma sereia. Uma sereia que não foi capaz de ir até o fim do mundo por seu filho. Porque Seamus fora abandonado pela mãe.

— Imagino que esse caso não se aplica a mim. — Tornou a pegar o corpo frio e sem vida do garoto. Descansara por bastante tempo e já era hora de preparar Aubrey para mais uma manhã. — Devo partir, foi um prazer conhecê-la.

— Claro que se aplica! Minha mãe costumava dizer que toda pessoa tem seu encaixe. — E, Lillith pensava, segundo aquela velha eu sou o seu. Como poderiam se apaixonar sem parecer que Moros havia os obrigado a fazer isso? — Foi um prazer o caramba. Eu vou com você.

— Mas você não pode. — A confusão permeava o rosto do rapaz. Como se o mesmo não conseguisse entender aquela atitude.

— Claro que posso e se não for por bem, será por mal. Eu irei te seguir e não sairei do seu lado nem se você me ameaçar. — Seamus estava sorrindo e a garota não saberia dizer se acabara de dizer uma coisa idiota. Veja, de fato foi algo um tanto idiota, no entanto... Seamus achara uma atitude realmente gentil. — Eu não irei lhe abandonar.

— Então... bem vinda a bordo, senhorita. — E com uma troca de sorrisos, ambos passaram a trilhar o mesmo destino.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!