Capítulo 22

Quatro anos depois...

Lena olhava-se no espelho, ajeitando um vestido pela trigésima vez*. Estava nervosa. Mesmo depois dos quatro anos em que vivia em Nárnia, ainda tinha dúvidas do amor que Edmundo nutria por ela. Não que ela já tivesse motivos para ter desconfiado, mas era apenas a insegurança que ela trazia consigo há muitos e muitos anos.

Porque Edmundo não fora seu primeiro amor.

E não queria que o que acontecera ao seu quatorze anos acontecesse novamente.

Machucara-se muito e, com certeza, não queria que acontecesse novamente.

E havia uma parte dela que queria que ela simplesmente parasse de tentar provar que ele a amava. E ela não sabia o quanto era forte, apenas tinha a certeza que era relativamente grande.

Ouviu um barulho no andar de baixo do castelo de Cair Paravel e soube que o baile já havia começado. O baile de comemoração aos quatro anos de reinado dos Pevensie. E comemoração ao grande trabalho que as irmãs Campbell fizeram em protegê-los. Claro, não foi tão difícil, pois todos os narnianos eram do lado deles e os veneravam.

Analisou seu vestido pela última vez e concertou uma dobra desigual acima da cintura. Ele era preto, como costumava usar ultimamente. Mas, claro, estava um pouco mais formal. Sabia que Hailee a mataria quando ver que está mais curto do que deveria, mas não se importou muito com isso. Sabia que ia a convencer que estava linda – um dos poderes que descobrira nesse tempo, além da cura, foi a persuasão.

Abriu a porta devagar e saiu. Não queria participar desse baile, mas sabia que não podia simplesmente fugir como se lembrara de ter feito quatro anos atrás, no dia da coroação dos reis. Mas ela ainda era a mesma Lena, porém quatro anos mais velha. Com certeza com dezoito anos ela iria conseguir dar uma escapada como fizera antes. Só precisaria ser hábil e rápida. Além de despistar rapidamente, claro.

Correu pelo corredor, amaldiçoando mentalmente os saltos pretos que Emma obrigou-a a usar**. Mas parou brutalmente no topo da escada, segurando-se no corrimão para não cair. Onde já se viu a namorada de um rei descer escadas correndo de um modo tão deselegante? Era propriamente indelicado e com certeza ficaria falada pelo povo, com todos relembrando sempre a provável vergonha que ela passaria. Não que ela se importasse. Mas com certeza Emma e Hailee se importariam.

Então resolveu, pela primeira vez na vida, fazer algo que as agradassem: respirou fundo, levantou o queixo sem empinar o nariz, e desceu as escadas fingindo ser uma dama da alta classe, o que era claro que não era apenas pela vestimenta inadequada para um baile formal. Mas ainda sim percebeu que preferia fingir ser algo que não era apenas uma vez ao invés de mais tarde ter ouvir as reclamações das irmãs mais velhas.

À medida que descia as escadas, ela podia perceber estava pagando de idiota. Ora, quem estaria de olho nela enquanto havia Aslam e Pedro ali no centro salão, conversando com todos e recontando como ambos lutaram e derrotaram a Feiticeira Branca? Óbvio, apenas Pedro contava tudo empolgado, mas o Leão permanecia ali ao seu lado, conversando calmamente com os narnianos mais novos, que o idolatravam euforicamente. Apenas uma pessoa reparou em como Lena descia elegantemente ao primeiro momento, mas que logo após suspirara aliviada e tirara os sapatos para terminar de descer as escadas sem houvesse qualquer dano.

– Devia parar de ouvir sua irmã. Pensei que você que era a persuasiva. – disse Edmundo ao pé do ouvido de Lena, enquanto a mesma recalcava os saltos pretos.

Lena deu um leve pulo no lugar, mas ao constatar que era apenas Edmundo que sempre aparecia na hora mais constrangedora de seu dia, sentiu seu coração amolecer, mas tentou ao máximo não dar indícios disso. Então simplesmente sorriu cinicamente e respondeu com um comentário à altura.

– Aparentemente o mundo não é uma fábrica de realização de desejos.

– Você gosta dessa metáfora, não é? – questionou Edmundo, enquanto pegava uma taça de bebida na bandeja do garçom anão que passava ao seu lado e a entregava à menina. Não gostava de vê-la bebendo, mas sabia que ela era moderada o suficiente para se satisfazer com apenas duas taças.

– Minha frase predileta. Além disso, se vou aparecer com um vestido intitulado de inadequadamente equivocado, devo ao menos usar um calçado adequadamente correto. – repetiu as palavras da irmã, enquanto batia sua taça na do moreno, em um brinde silencioso.

Ela bebeu um gole do conteúdo e sentiu que o líquido descia fervendo pela garganta, mas sentiu-se gratificada por isso – como se sentia quando voava. Mas já fazia anos que não foi preciso usar as asas.

– Mas é minha obrigação dizer que você ficou graciosamente bela neste vestido inadequadamente equivocado. – elogiou Edmundo, enquanto entrelaçava seu braço na cintura de Lena e a levava em direção aos irmãos.

– Edmundo, não quero ir naquele meio. – disse Lena repentinamente receosa.

Sentiu um mau pressentimento e soube instantaneamente que algo estava errado. Levou dois segundos para analisar o que poderia ser. Analisou tudo o que vinha em sua mente para descobrir que o que deveria fazer para acabar esse desconforto era dizer a Edmundo. Essa solução simplesmente veio em sua mente como uma bomba. Sentiu que deveria dizer a ele sobre sua insegurança e percebeu que para acabar com esse sentimento ruim que lhe abatia cada vez mais era preciso dizer o que acontecera com ela antes de ir para a casa de seu tio durante a guerra.

Ela jamais quis tocar nesse assunto e não queria o fazer agora. Mas algo lhe dizia que era mais que preciso.

– Ora, mas por quê? – perguntou Edmundo, pela primeira vez alheio a tudo que não podia se ver na expressão da menina, mas poderia se ler nos olhos dela.

– Eu... Só não me sinto muito bem. Preciso lhe dizer algo.

– É muita importante? Quero que conheça o príncipe da Calormânia.

– Anh... Por quê?

– Pretendemos casá-lo com Emma para fazer uma aliança.

– E ela concordou com isso? – perguntou Lena, mesmo já sabendo a resposta.

– A ideia foi dela na verdade. Contentou-se sabendo que era rico e bonito.

– Bem a cara dela. – ironizou, revirando os olhos. – Mas por que eu devo conhecê-lo?

– Ele disse que queria conhecer as outras anjas. – respondeu, dando de ombros, e voltou a puxá-la, mas Lena simplesmente não queria sair do lugar. – Ora, vamos...

– Edmundo, mas o que eu tenho que dizer é importante! – disse ela, parando na frente dele. O mau pressentimento a atormentou tanto que precisou ir quase direto ao ponto.

– Bem, acho que terá que esperar, pois ele vem aí. – disse Edmundo, apontando por cima do ombro dela.

– Olá Edmundo. Essa é a sua famosa Lena? – perguntou uma voz atrás dela, que foi imediatamente reconhecida.

Lena virou-se, com o coração batendo freneticamente, e encarou o fantasma de seu passado que era o causador de toda a sua insegurança.