Percy já começou o seu dia de bom humor. Hoje não era qualquer dia. Não para ele. Não para Annabeth. Ele se levanta da sua cama no beliche do Chalé 3 e vai até o espelho pequeno e sujo pendurado numa parede próxima. Ele fixa seus olhos no reflexo apaixonado à sua frente.

Quem diria.

Hoje faz um mês. Um mês inteirinho. Um mês de namoro para Percy e Annabeth. Um mês de beijos, carinhos e amor entre os dois semideuses.

Percy riu sozinho. Sentia-se nervoso e ansioso. Quase sentia gotas de suor escorrerem pela lateral da sua face. Era estranho para o jovem semideus ter aquela sensação. Antes de Annabeth, Percy nunca havia namorado ninguém. Estava sendo tudo muito novo para ele, mas de qualquer maneira, ele sabia que estava com a pessoa certa. E acima de tudo, em tão pouco tempo, sabia que gostava realmente da filha de Atena.

Será que Annabeth sabe a importância do dia de hoje? Pensou Percy. Ela se lembra? Como vai reagir? Dezenas de perguntas povoavam a mente do semideus, mas ele jamais encontraria as respostas se passasse o dia inteiro enterrado naquele chalé.

Percy foi até o seu baú e puxou algumas roupas. Em alguns minutos, já estava pronto para encarar o mundo lá fora. Ou melhor. O seu mundo lá fora. Seu mundo de semideus.

Ele não tinha dúvidas, a primeira coisa que queria fazer era ver Annabeth e descobrir se ela realmente sabia que dia era hoje. Ele já ia batendo a porta do chalé de Atena, quando alguém lhe puxa pelo braço.

Percy se vira e dá de cara com Will Solace, filho de Apolo.

– Ei cara, o que está fazendo? Vai perder o café da manhã?

– Ah... Não. Eu já vou, eu só preciso...

– Poxa Percy, não tem essa de "já vou". Ouvi boatos de que hoje a comida está deliciosa. Fora do normal. Você não quer deixar que os outros comam tudo, quer?

– Não, mas...

Will solta o braço de Percy e faz uma careta.

– Quíron vai ficar tão decepcionado quando souber que você não vai comer da comida que ele mesmo ajudou a fazer...

Percy solta um sorrisinho.

– Quíron ajudou a cozinhar?

– É o que estou dizendo – diz Will Solace retribuindo o sorriso com um outro. - Você vem ou não?

Percy olha novamente para a porta intocada do chalé de Atena. Mas em seguida olha para Will Solace.

– Não posso deixar de perder essa. - Ele dá um último risinho e corre até o refeitório. De qualquer forma ele vai encontrar com Annabeth daqui a pouco, não é?

Depois do café da manhã, Percy segue para o Chalé 6, onde pretende encontrar Annabeth sem falhas. Nada mais poderá impedí-lo agora, até porque não terá mais nada que possa parecer para os outros mais importante.

Quando já está de frente para a porta, Percy bate o punho na madeira e espera, até que Malcolm aparece diante do meio-sangue.

– Fala aí, Percy. - Embora esteja sendo simpático, Malcolm parece nervoso. - Tendo um bom dia?

– É, vou indo bem. - Percy franze a testa - Onde está Annabeth?

– Ela...hã... deu uma, bom, saidinha.

– Saidinha? - Percy gira o corpo e estreita os olhos tentando localizar Annabeth no acampamento. Sem sucesso. - Você sabe para onde ela foi, Malcolm?

– Não. - Malcolm pronuncia as palavras quase que instantaneamente, como se nem precisasse saber a pergunta para saber a resposta. Ele deve ter percebido algo estranho na própria voz, mas se manteve firme.

Percy ergueu uma sobrancelha.

– Está tudo bem, cara?

– Claro que sim, Percy. Porque não estaria? - Malcolm mudou o peso do corpo para um outro pé, mas começou a suar. - É que... cara...

– Malcolm!

Janelly, uma das filhas de Atena, aparece por trás de Malcolm. Ela põe uma de suas pequenas mãos no ombro de Malcolm e abre um sorriso para Percy.

– Olá, Jackson, como vai? - Ela se volta para Malcolm, ainda sorridente. - Não vai terminar aquele projeto que estava fazendo comigo, seu bobão?

Malcolm chacoalha a cabeça em positivo e volta apressadamente para dentro do chalé.

– Algum problema com ele? - Percy pergunta para Janelly.

– Ah não, ele está bem. Só estava um pouco nervoso por causa do nosso projeto. Mas acredite, ele vai ficar bem.

– Certo. - Percy junta as sobrancelhas - Janelly, você sabe para onde foi Annabeth?

– Ah, Annabeth? Não sei não.

Percy coça a cabeça, confuso. Para onde Annabeth iria? Ela deveria estar com ele agora, não? Era o seu aniversário de um mês de namoro e ele nem a vira ainda. Será que Annabeth lembrava? Ou pior. Será que ela se importava?

Percy assentiu para Janelly e foi embora. Para o único lugar onde conseguiria pensar com clareza. Para o único lugar que sabia que podia ir sem ter que pensar duas vezes.

A praia.

Percy sentou-se na areia fofa e macia e pressionou o queixo no braço. As ondas quebravam calmas e quase silenciosas na praia, e Percy quase podia se sentir bem. Se não fosse a preocupação...

Para onde Annabeth poderia ter ido? Ela não deveria ter ido procurar Percy do mesmo jeito que ele havia ido procurá-la? Isso não era justo.

A preocupação lhe subia a cabeça. Annabeth não havia ido ao café da manhã, não estava no chalé, Janelly não a tinha visto... Percy já ia se levantando para procurar Quíron quando escuta uma voz feminina que lhe parece extremamente familiar.

Annabeth.

– ...Não faça isso. - Annabeth dizia para alguém - pode acabar com tudo. Destruir tudo que a gente já fez até ago...

– Annabeth! - Percy sai correndo mais ao longe em direção da semideusa, que quando o percebe se vira, nervosa.

Seja lá com quem Annabeth estava falando, fugiu. Correu antes mesmo de Percy ver a sua cara.

Quando já estava de frente para Annabeth, Percy a abraçou com força.

– Onde você estava, sabidinha? Já estava ficando preocupado. - Então Percy lembrou. Ele afastou seu corpo do de Annabeth e agarrou seus ombros, para olhar nos seus olhos. - Com quem você estava falando? O que pode acabar com tudo?

Annabeth desviou o olhar, nervosa.

– Não é nada demais cabeça-de-algas. Estou super bem. E você?

– Não mude de assunto, Annabeth. Com quem você estava falando?

Annabeth dá um passo para trás, nervosa.

– Não era ninguém que você deva se preocupar, Percy. Era apenas um... amigo. Mas você também mudou de assunto. Não me respondeu como vai.

– Eu estou bem. - Percy ergue uma sobrancelha para sua namorada. - Annie, não sabe que dia é hoje?

Annabeth olha para baixo, pensativa, mas também parecia um pouco abatida.

– Hã... quinta-feira?

Não. Não pode ser, Percy pensa. Annabeth não pode ter esquecido que hoje é o aniversário de namoro do casal. Pode? Percy olha para o chão, sem acreditar e sem se conformar com a ideia de sua sabidinha ter esquecido de um dia tão importante para os dois. Não era aniversário de um ano, cinco anos ou algo maior que isso, mas era de uma extrema importância para Percy. Fazia um mês que eles estavam namorando e Annabeth nem sequer se lembrou? A ideia o deixava tenso.

– Sim, Annabeth. Hoje é quinta-feira. - Respondeu, apenas.

Annabeth levantou a cabeça de seu namorado com um dedo e o olhou nos olhos. Por um momento Percy se questionou se ela realmente havia esquecido. Tinha um brilho tão intenso, tão quente no olhar...

– Percy - ela começa - está tudo bem?

– S-sim. - Percy gagueja.

– Tudo bem, então. Preciso ir. Jajá a gente se vê. - Annabeth beija-lhe a pontinha do nariz e sai correndo. Corre até onde Percy não pode mais ver. Corre para cada vez mais longe. Tão longe que já o faz pensar que estão realmente se afastando.

As horas foram

se passando e a cada novo minuto, Percy sentia-se mais pesado. Sentia seus músculos se tensionando a cada vez que passava pelo chalé 6. Ele havia cruzado mais algumas vezes com a semideusa pelo acampamento. A primeira vez ela pareceu não o perceber. Ou fingir não o perceber. Da segunda, ela foi embora rapidamente, do mesmo jeito que fez na praia.

– Ah, cabeça de algas, tenho que ir, estou muitíssimo ocupada com um projeto.

Annabeth não havia só esquecido o aniversário de um mês de namoro dos dois como também estava escondendo alguma coisa do namorado.

– Um mês nem é tanta coisa... - Percy pronunciava as palavras para si mesmo, enquanto tentava convencer a si mesmo disso. - São só alguns poucos dias.

Ele enfia as mãos nos bolsos do short e segue para seu chalé, onde pretende descansar um pouco. Entediado e confuso, Percy enterra o seu corpo debaixo das cobertas e cerra os olhos.

Estar em um relacionamento sério com alguém não era algo fácil. Sim, ele sabia. Era algo cheio de altos e baixos. Ela sabia também que algo assim não deveria abalar algo que ele dá tanto valor como o seu namoro com Annabeth, mas não tinha como apenas deixar quieto. A mesma coisa, as mesmas palavras, as mesmas caras esboçadas por Annabeth repercutiam mil vezes por minuto em sua cabeça. Ela não podia se dizer extremamente decepcionado, afinal, talvez um mês realmente não fosse muito coisa, mas se sentia confuso. Enfraquecido. Talvez até um pouco triste. Se tratava de Annabeth.

Algumas horas mais tarde, Percy abre os seus olhos. Há alguém batendo a porta do seu chalé. Ele desce da sua cama na beliche e troca de roupas rapidamente. Uma possibilidade faz com que Percy abra um sorriso. Seria Annabeth? Haveria uma chance de ser Annabeth do outro lado da porta. E possivelmente ela viria dizer que lembrava.

Percy vai até a porta e gira a maçaneta. Mas não é Annabeth. Logo seu sorriso se desfaz.

– Me pediram para vir acordar você, cara. - Diz Chris Rodriguez frente a Percy. - Hora do jantar.

– Eu já estava acordado - Percy mira em suas mãos ao mentir - só estava... fazendo uns trabalhos.

– Estou vendo. - Chris aponta seu dedo fino para a cama bagunçada dentro do chalé. Percy se afasta para cobrir sua visão e Chris dá uma risadinha - Fica tranquilo, cara. Ninguém precisa saber.

Percy balança a cabeça em positivo e Chris se afasta.

– Mas não volte a dormir, senão Quíron vai ficar sabendo.

Chris dá um sorriso e então desaparece em meio aos outros semideuses.

Chris Rodriguez. Atual namorado da valentona do acampamento e ex seguidor de Cronos. O que ele teria a ver com o fato de Percy ficar ou não acordado? É certo que ele está cumprindo um favor, mas por que? Ele não podia simplesmente deixar passar?

De qualquer maneira, Perseu não queria perder pontos com Quíron, então apressou-se e seguiu até o refeitório. Arroz, Bife, verduras e outras coisas que Percy não conhecia era o que enfeitava o seu prato. Embora estivesse com um tanto de fome, Percy não comeu tudo. Sobraram uma porção de arroz, um pedaço do bife e o intocado ovo. Pensando na tamanha insatisfação das harpias quando virem a comida sobrando, Percy sai do refeitório mais cedo, provavelmente antes de todos.

Aliás. De quase todos.

Percy caminhava até os estábulos, para encontrar o seu velho amigo Blackjack quando ao longe avistou Annabeth de costas conversando com um garoto. Jack Fauston, um garoto do chalé de Dioniso.

– ... Percy não pode saber. Se ele descobrir vai estragar tudo, Jack. Isso pode ser horrível para nós.

O que Percy não pode saber? Vai estragar tudo O que? Para nós? Que nós? De repente Percy sente uma pontada no peito.

Jack Fauston cutuca o ombro de Annabeth e ela se vira.

E dá de cara com Percy. Sua expressão é de susto.

– Percy, eu...

Antes mesmo que Annabeth pudesse ter tido tempo de terminar sua frase, Percy vira as costas e sai caminhando apressado e pesadamente de volta para a área dos chalés. Ela grita seu nome com mais força uma última vez, mas Percy finge não ouvir. Está muito decepcionado.

Quando chega na fogueira, agora já acessa, ele encontra Miranda Gardner, irmã de Katie Gardner. Ela corre até ele.

– Percy, você tem...

– Agora não, Miranda.

– Mas é impor...

– Agora não. - Percy rosna entre os dentes. Poucas vezes ele tratava alguém com tanta indiferença. Era o que maus resultados com Annabeth podia trazer.

Então Miranda faz algo que ele não espera. Um golpe sujo. Com seus dons de semideusa-filha-de-Deméter, Miranda manipula o capim para que ele cresça e se agarre às pernas do filho de Poseidon, de modo que o prende no chão.

– Miranda!

– Apenas me escute. - Miranda suspira - você tem que comparecer. Hoje. Na praia. Às oito horas. É importante.

– Não estou nem aí, Miranda. Eu só quero ir para o meu chalé.

Miranda gesticula com as mãos e o gramado volta ao normal, deixando Percy em paz.

– Só não se esqueça de ir. Por favor. - Ela coça as mãos. - Por Annabeth.

Silêncio. Miranda sai correndo em direção à praia enquanto Percy apenas reflete sobre suas últimas palavras.

Por Annabeth.

Já passavam das oito agora. Oito e dez, pelo que Percy sabia. Ele estava deitado novamente em sua cama enquanto um turbilhão de pensamentos passeavam em sua mente: Annabeth e Jake Fauston. O que Percy não poderia saber. O que Percy não poderia saber sobre eles. O chamado de Miranda para a praia. "Por Annabeth". O que Annabeth teria a ver com aquilo afinal? Se Miranda houvesse aparecido um pouco mais tarde, Percy imaginaria que Annabeth queria conversar com ele. Às oito, na praia. Mas Miranda não é tão rápida assim. O que poderia ser afinal? Mas agora nada importa mais. Ele deveria falar com Annabeth, sim, tinha certeza, mas estava muito triste, decepcionado de cabeça quente. Tinha escutado coisas demais para um dia só. Não queria discutir com Annabeth, mas também não se sentia frio o suficiente apenas para conversarem como se nada tivesse acontecido. Aliás. Como se nada tivesse sido dito.

Oito e quinze.

Percy sentia a pele queimando. O que o esperava na praia? Ele deveria ir? Olhou pela janela uma vez, tentando visualizar alguma coisa. Fumaça, sinal, ruídos... nada. A preocupação e seriedade de Miranda Gardner ainda o deixava mais tenso. Aquilo o consumia.

Oito e vinte.

Cansado de pensar, Percy se levanta da cama e sai correndo em direção à praia, sem saber exatamente o que o esperava.

Ao se aproximar da praia, o semideus começou a notar várias pessoas alí reunidas. As primeiras que ele identificou foram Travis e Connor Stoll, Miranda Gardner, Clarisse La Rue, Chris Rodriguez, Jack Fauston e ela. Annabeth. Sentada bem perto das ondas, com os braços apoiados sobre as pernas juntas e cabeça baixa. Percy andou cada vez mais e então percebeu.

Havia uma mesinha redonda de plástico com as "pernas" enterradas na areia, repleta de comidinhas. salgadinhos, doces e uma pequena e simples torta. Uma faixa acima da mesa, presa a dois canos finos de plástico havia sido escrita de tinta guache turva: "Parabéns pro casal de idiotas"

Então Jack Fauston percebe a sua presença.

– Olha alí ele! - Jack aponta para Percy e todos se viram. Percy escuta coisas como "finalmente", "graças a Zeus", e "Hora do rango!". Então Annabeth vira seu rosto e ele consegue olhá-la nos olhos. Penetrantes olhos cinzetos, mas que agora pareciam cansados e tristes. Ela se levanta e anda calmamente até Percy, que faz o mesmo.

– Então era isso? - ele pergunta quando já se encontra de frente para a namorada. - Isso que eu não podia saber? Eu descobrir seria algo horrível para vocês? Uma festa surpresa?

Annabeth baixa a cabeça.

– Devia ter sido melhor Percy. - Ela para por um momento - Eu fui péssima nisso. Deveria ter me organizado melhor mas é que...

Percy levanta o queixo da semideusa com seu dedo indicador, da mesma maneira que ela fizera com ele hoje de manhã.

– Está tudo bem. Eu que fui um idiota. Chris Rodriguez pedindo para que eu ficasse acordado, Janelly e Malcolm escondendo dizer onde você estava, Will impedindo-me de encontrar com você e por isso inventando mentiras como a que Quíron... eu achando que... - Percy para e repensa. Não pode dizer bobagens. O que realmente pensou. - E você estava organizando uma festa para isso.

– Pois é, né...

Annabeth solta uma risadinha amarga e triste. Percy não resiste. Ele puxa-a para perto e beija os seus lábios. Fecha os olhos para não precisar ver as reações das pessoas na praia, mas seu ouvido não conseguiu enganar. Escutou coisas constrangedoras ao extremo.

Ele soltou Annabeth e se afastou um pouco. Como pôde realmente pensar que Annabeth não seria perfeita? Ela abriu um sorriso e ele fez o mesmo. Então algo aconteceu. Clarisse La Rue, filha de Ares, surge correndo em sua direção com uma... não pode ser...

Bleck! Tarde demais.

Percy leva suas mãos até o rosto para retirar todo o excesso de torta de Chantilly que lhe foi jogado na cara. Todos estão rindo dele. Até mesmo Annabeth. Ele mesmo não resisti e começa a rir da própria situação

– Prontinho. Agora já posso ir para o meu chalé em paz. - Disse Clarisse, com um sorriso cruel, muito embora esteja indo em direção à mesa das comidas.

Ele tira mais uma camada de doce do seu rosto.

– E aí, meio-sangue. - Annabeth começa - Vai mesmo deixar aquela valentona comer todo o nosso bolo? Ainda tem o original.

Percy abre um sorriso. O sorriso de quem está se sentindo bem. O sorriso de quem tem certeza que está se sentindo bem. Ela segura a mão de Annabeth.

– Claro que não.

E juntos saem correndo para a multidão.