Night Troopers escrita por loliveira


Capítulo 9
Saber Escutar


Notas iniciais do capítulo

um dos meus favoritos socorro



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"I was down, losing faith, oh i was lost in the crowd

You brought me round

How did you find me?
You came out of nowhere like lightning
It's kind of amazing how you found me
Through all the noise somehow"

Amazing - Matt Cardle 

–Você... hm... quer conversar sobre aquilo? -Eu pergunto cautelosamente. Morgan está na sua janela e eu estou na minha.

A cena de hoje de manhã ainda está indo e vindo na minha cabeça, o que é bom porque eu paro de pensar em minha mãe. Mas aquilo me assusta tanto quanto o corpo frio e caído no chão dela. Não pense nisso. Não pense nisso. Não pense nisso.

A careta que ele faz me desvia a atenção.

–Não.

Quando Jessica tirou a mão do rosto vermelho dele, todo mundo congelou e eu senti eu mesma parando de respirar. Ninguém disse nada ou fez nada pelos segundos que se seguiram, menos Jessica. Ela andou irritada até a porta do prédio e entrou, batendo com força a porta atrás dela. Eu não sabia para quem olhar, o que faz, o que dizer, nem o que pensar. Aparentemente ninguém ali sabia. Depois de um tempo, Olívia disse para Morgan, que ainda estava paralisado no mesmo lugar, que ele podia me levar pra casa.

Eu já vi pessoas frias - eu posso ser um exemplo às vezes - mas não como Morgan ficou quando me levava pra casa. Era como se uma parede invisível que separava ele de mim, mesmo que nós estivéssemos um do lado do outro. Eu tentei falar com ele, é claro. Mas eu entendi quando ele não falou nada. Ele estava com raiva e a última coisa que uma pessoa deve fazer é falar quando está com raiva. Isso e fazer promessas quando se está feliz. Os erros mais mortais que alguém pode cometer, segundo Melody.

Quando eu entrei em casa, hoje cedo, Melody ficou feliz em saber que eu tinha conseguido o emprego, e eu estou tentando descobrir se é por causa do tempo que ela vai ter que ficar sem me ver ou porque ela não vai ter que pagar mais minha entrada na universidade. Ela não brigou comigo por qualquer coisa até agora por causa das dores que ela sentiu o dia todo, então o dia foi bem interessante. Ruby ficou fora fazendo o que quer que ela estivesse fazendo, eu fiquei estudando para o ano escolar que ia começar no outono e Melody ficou deitada. Eu até perguntei se ela queria que eu levasse ela pro hospital, mas ela disse que não precisava e que aquilo era normal, então eu não contestei.

Ainda não está tão escuro assim. Ruby já voltou pra casa, Chick ainda não saiu de casa e Kurt já está dormindo. Não é nem meia noite ainda, mas Morgan apareceu na janela do mesmo jeito. Só que agora eu não sei o que falar, já que ele me disse um não e acabou com as possíveis perguntas que eu ia fazer.

–Você quer falar de alguma coisa?

–Por que a gente sempre tem que falar? -Ele não pergunta ríspido. Ele só pergunta com o mesmo tom que eu usei quando fiz aquelas perguntas sobre a vida e o significado dela para ele, tempos atrás. Eu posso dar uma resposta idiota, como "porque a gente gosta" ou "porque a gente tem que se comunicar" mas eu sei que com Morgan, as coisas vão muito mais além das simples perguntas e respostas que vão ser esquecidas assim que a gente for dormir. Toda pergunta dele me faz pensar em algo mais profundo que as conversas banais. Ele me lembra Orange Lemonade. É que... eles me fazem parar de pensar como uma pessoa inútil. Eu paro de ter aqueles pensamentos que não me levam a lugar nenhum a não ser dois passos para trás quando eu escuto alguma música deles ou quando eu falo com Morgan. Ele me lembra minha avó também. Ela morreu há muito tempo, mas o jeito que ela falava como se soubesse de tudo e soubesse que todas as perguntas e respostas que ela dava eram inteligentes, me faziam pensar também. Eu geralmente não penso. Eu só evito pensar nas coisas porque quando mais você pensa, mais entende, e quanto mais você entende, mais você se liga àquilo e baseado em tudo que eu já me liguei... às vezes, eu realmente prefiro não pensar. Isso provavelmente não faz sentido, nem pra ninguém nem pra mim mesma, mas mesmo assim, não posso mudar como eu me sinto só porque eu não entendo.

–Eu não sei. Eu acho que as pessoas sentem uma urgência em fazer as outras saberem que elas sabem das coisas... você entende?

–Acho que sim, não dá pra saber direito. Mas, caramba, as pessoas falam toda hora, e fofocam também. No que isso vai levar elas? -Ele pergunta e eu vasculho em cada palavra alguma coisa que dê um sinal sobre o tapa de Jessica hoje, mas nada me vem a cabeça.

–Como eu disse. Elas gostam de mostrar que tem informações.

–Isso é tão idiota. É que nem hoje, no estúdio, todo mundo estava falando sobre a pegada que Will deu na irmã de Max, que ninguém prestou atenção na música mais sensacional que estava tocando no rádio hoje.

Eu me sinto meio envergonhada quando eu pergunto:

–Que música?

–Babe I'm Gonna Leave You.

–Led Zeppelin.

–É uma boa música.

–É a porra de uma boa música e ninguém ouviu, porque eles estavam falando besteira. -Eu vejo que ele está ficando irritado (porque começou a xingar) e tento mudar de assunto.

–A letra é ótima.

–Sim! Quer dizer... cara, quem consegue descrever um término de uma relação, ou alguém indo embora daquele jeito? Ele me faz ter esperanças de que alguma coisa que vai embora, volta, porque... eu não sei. Deve ser o jeito que ele diz as palavras, como se ele soubesse de alguma coisa que vai acontecer que ninguém mais sabe. Nem a garota da música, mas ele está de boa indo embora, porque sabe que alguma coisa de bom vai acontecer. Quer dizer, quem consegue ser mais genial pra retratar a tristeza com uma música tão misteriosa e esperançosa? Isso é demais.

Aí está a prova que ele é o cara mais incrível que eu conheço... bem... não que eu conheça muitos caras, mas mesmo assim.

–Tem toda razão. -Ele me encara, e eu dou de ombros, tímida por... sei lá, concordar com ele. É tão novo ter um amigo.

–Obrigada por entender. Por isso você é demais. Você fala, mas você também escuta. Bem, não ouviu a música no estúdio. Mas não é que nem aquele pessoal que pergunta sem nem ouvir as respostas depois. Você escuta. Então, obrigada por escutar também. -Eu sei que eu estou corando, mas eu não ligo.

Acho que tem algo com a escuridão da noite que me faz pensar melhor. Ou talvez, eu só saiba escutar tudo ao meu redor, e a mim mesma, quando tudo está quieto. Mas à noite, nós sempre pensamos mais profundamente. Deve ser porque, na correria do dia, a gente só se preocupa em ir com a correnteza, e fazer tudo dar certo, e a noite, nós paramos só pra entender o que está acontecendo, ao invés de fazer as coisas de uma vez porque temos pouco tempo.

Espera.

Falando em tempo, acho que o meu parou agora mesmo.

Morgan me acha demais. Ninguém nunca me achou demais antes. Um sorriso involuntário brota no meu rosto enquanto ele me encara.

–Quer fazer alguma coisa? -Ele pergunta, antes que eu responda ele. Eu penso nos milhares de lugares que a gente pode ir e em como parecem tantos e tão poucos ao mesmo tempo. Mas isso me faz ter uma ideia. Dessa vez, não vai ser ele que vai guiar a gente. Dessa vez, eu vou mostrar a coisa mais incrível que ele já viu.

–Quero. E eu já sei o quê. Mas é uma corrida e tanto. -Eu aviso.

–Eu não tenho tanta grana pra pagar o táxi, e agora?

–Quem disse que a gente vai de táxi? Vamos de bicicleta.

Ele quase engasga.

–Sério?

–Seríssimo.

Ele hesita, mas assente. Como Ruby ainda está acordada, eu aviso ela que vou sair com Morgan, já que tirar a bicicleta ia levantar suspeitas. Morgan me encontra na porta de casa, com uma bicicleta, de pijamas, mas com um moletom por cima.

–Você está engraçado... com bermuda e moletom. -Eu rio da cara dele e ele revira os olhos.

–Você está engraçada, com uma blusa manchada de molho, aposto. -Eu finjo uma risada.

–Esmalte, babaca. -Ele ri e eu também. Eu vou na frente, guiando a gente pelo caminho. É estranho sair dos limites da cidade de bicicleta e passar pelas rodovias sem ninguém gritando comigo (Ruby) mas é libertador fazer alguma coisa finalmente sozinha, sem ter responsabilidades ou coisas pra fazer. A gente pode ficar pedalando pra sempre. Ou ir pra qualquer lugar. E saber disso me faz me sentir um pouco mais confortável. Nós pedalamos por mais ou menos uma hora, sem falar nada, só ouvindo o barulho do vento contra nossos rostos.

–Estou me sentindo um cachorrinho na janela do carro! -Ele grita pra mim.

–Só falta a língua de fora! -Eu grito de volta e nós pedalamos mais um pouco até eu ver a areia. Eu não sei quando foi a última vez que eu vim no farol da praia. Provavelmente Melody ainda estava em casa ou meu pai ainda estava vivo, mas faz muito, muito tempo. Eu deixo a bicicleta encostada no farol e Morgan também, me olhando com curiosidade, pra saber o que a gente vai fazer.

–Vem. -Eu levo ele pelas escadas do farol, minhas pernas doloridas por causa da caminhada, mas sabendo que vai valer a pena. Quando nós chegamos em cima, ele olha atônito para a praia, iluminada à distância pelo brilho do farol. Ele fica alguns segundos encarando a paisagem, e eu encaro também. Morgan me puxa para um abraço apertado, que quase quebra meus ossos.

E então eu começo a escutar os soluços, e sinto as lágrimas dele caírem.


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