Night Troopers escrita por loliveira


Capítulo 6
Som do Coração




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"I don't ever want to let you down

I don't ever want to leave this town

'Cause after all 

The city never sleeps at night."

It's time - Imagine Dragons

E é noite outra vez. As luzes estão todas apagadas, menos a do meu quarto, e eu consigo ouvir o marido de Melody roncando no quarto, por mais esquisito que isso seja. Eu ainda não conheci ele oficialmente, porque ele trabalha até tarde (até o horário que eu vou pra cama, tecnicamente) e sai antes que eu acorde, que é muito tarde, já que eu passo as noites em claro. Eu até pensei em ir pro quarto da minha irmã, mas ela vai brigar comigo se eu acordar ela agora, então eu estou sentada olhando pro teto tentando não chorar. Me sinto sufocada. E eu não sei nem o que está me sufocando, só estou sentindo aquela chata sensação de ir cada vez mais para baixo, enquanto você tenta subir. Por mais que eu esteja com vontade de chorar, as lágrimas ou os soluços não vêm. Como se alguma coisa estivesse impedindo eles de saírem e eu acho que isso ajuda na sensação de sufocamento.

Isso acontece de vez em quando. Não estou pensando tanto na minha mãe hoje, mas estou pensando em mim. O que é que eu estou fazendo nesse mundo? É isso que dá vontade de chorar. Pensar no sentido das coisas quando você para. O que eu vou fazer da minha vida? Eu tenho uma mãe morta e uma irmã grávida enquanto a outra está quase pirando tentando pagar a universidade. Quem é que eu sou? O que eu vou fazer? Como se respira? Quanto mais perguntas vêm na minha mente, mais confusa e sem ar eu fico. Aposto que, se minha mãe estivesse aqui, ela ia dizer "ouça seu coração". Só que eu não sei se alguém entende que não é tão fácil. Não é tão fácil quanto ouvir música, que você simplesmente aumenta o volume se não consegue ouvir direito. Meu coração pode até estar falando, mas eu não entendo nada do que ele diz. É como se ele falasse outra língua e estivesse tentando me avisar de alguma coisa. Isso também é sufocante. E, bem, se meu coração for mudo? Ou eu for surda pra essas coisas? Como é que eu vou me virar? E como é que os adultos sabem escutar essa merda de "voz do coração"?

Eu sei. Eles devem ser mais espertos que nós, mas eles deviam ser mais inteligentes pra saber que a gente não faz a menor ideia do que é ouvir o coração. Eu não sei o que meu coração quer que eu faça. Eu não sei de nada. Esse é outro problema. Os adultos -principalmente minha irmã - acham que a gente sabe de tudo. Acham que a gente nasce sabendo fazer escolhas importantes e a lidar com os nossos sentimentos, mas quer saber? Eu não sei de nada. E eu não tenho vergonha de não saber de nada, porque, meu Deus, eu sou só uma adolescente. Eu realmente não sei de nada. Eu não sei o que vai acontecer quando meu ensino médio acabar, eu não sei pagar contas, eu não sei fazer comida pra mais de duas pessoas, não sei combinar roupas, não sei tomar decisões importantes e não sei ouvir meu coração.

Deve ser por isso que eu amo música. Porque ela consegue abrir meus ouvidos pro meu coração, ou talvez abafe a voz dele, que tenta me fazer prestar atenção, mas eu não consigo entender nada. Pra falar a verdade, o único barulho que eu escuto vindo do meu coração é o "tum tum" que ele faz pra bombear o sangue.

Um pedaço de papel batendo na minha cara meio que me acorda, e então eu olho pra janela.

–Achei que tinha morrido ai. -Morgan diz. Tenho que admitir, ele é bonitinho. Com o cabelo longo-porém-curto e meio encaracolado, quem não seria bonito assim? Os olhos dele estão vermelhos. Não como os meus depois de ter chorado hoje mais cedo, mas vermelhos de ficar acordado, que nem os meus agora.

–Foi mal. -Eu digo e me aproximo da janela.

–Não consegue dormir? -Eu balanço a cabeça. -Nem eu. Você estava engraçada aí, parecendo uma zumbi olhando pra mim, mas não realmente pra mim, foi esquisito ver a cena, tipo... eu me toquei só depois que você estava meio perdida em pensamentos e que eu estava falando sozinho. -Eu rio.

–Imagino.

–Ei, vamos dar uma volta? -Ele pergunta e um peso que eu não sabia que estava carregando sai dos meus ombros. Acho que tudo que estava me sufocando sai com ar que entra e sai pela janela.

–É exatamente o que eu estou precisando. Posso pular pra aí? -Eu pergunto, vestindo um casaco e botando minhas botas de chuva, pra evitar molhar meus pés com as poças de água da rua, já que hoje choveu o dia todo. Ele não responde de imediato, porque sai pra pegar um casaco pra ele, mas quando volta, estende a mão para eu pegar.

–Vem. -Com um pouquinho de esforço, eu pulo pro quarto dele e dessa vez sem cair. Eu não tenho tempo de dar uma olhada no quarto, já que ele me puxa para a porta. -Na ponta dos pés e sem fazer barulho. Chick está dormindo e tem um sono leve.

Eu solto um "Oh" de surpresa. Não tinha ligado o fato de Chick ser irmão de Morgan com o fato de Morgan ser meu vizinho. Isso quer dizer que Chick é meu vizinho também, ah, Deus...

–Dá pra sair de uma vez? -Ele pergunta meio divertido, e eu percebo que estou parada na porta da casa dele. Com um pulinho, eu saio e ele tranca a casa com as chaves, depois bota ela no bolso do casaco. Nós vamos para a rua, andando lentamente, um do lado do outro. -No que você estava pensando... você sabe, quando eu te chamei? -Depois de um segundo, eu respondo:

–Na minha vida.

–Sério? -Ele acha que eu estou brincando!

–Sério... algum problema? -Eu pergunto, com a sobrancelha erguida.

–Nenhum, é só que... você não parece ter muitos problemas.

Isso quase parece uma piada, mas eu sei que vindo de Morgan não é. Mas por outro lado, é ridículo.

–Ninguém parece que tem muitos problemas. Você não pode dizer isso pra ninguém.

–Tudo bem, foi mal. Mas no que exatamente você estava pensando? -A rua está vazia, e é até assustador só conseguir ouvir nossas vozes ecoando na rua. Bem, isso e o tênis dele e as minhas botas batendo nas poças de água.

–Você já deitou e começou a pensar "mas que merda eu estou fazendo aqui?" ou "o que eu fiz de útil na minha vida inteira?" ou simplesmente "quem eu sou?". Era isso que eu estava pensando, nessas perguntas complicadas. E também tentando escutar meu coração, mas ele não aprendeu a falar ainda, eu acho.

–Ou você não aprendeu a escutar.

–Você já? -Eu pergunto, meio ofendida e meio curiosa. Nós viramos e as luzes dos restaurantes da rua principal atingem nossos olhos. Ainda não tem muitos carros, mas algumas motos, carros e bicicletas estão andando e estacionando na rua. Não parece duas horas da manhã aqui.

–Não. Não sei. -Ele dá de ombros. -Acho que eu só não estou preparado pra ouvir o que ele tem a dizer ainda.

–Talvez. Ou talvez você já tenha aprendido a escutar e não está escutando direito.

–Eu não sei. Talvez eu nunca tenha precisado escutar o que ele tem a dizer, por isso eu não escuto. Você precisa ouvir ele pra quê? -O "quê" sai abafado, por causa de uma moto que passa correndo do nosso lado, mas eu entendo mesmo assim.

–Pra tentar entender o sentido da vida. Ou pra ganhar as respostas daquelas perguntas que eu te disse antes. Eu não sei... talvez eu esteja procurando a resposta sem saber a pergunta ainda.

–Acho que, em vez de tentar arrancar uma resposta do seu coração, você tem que formular uma pergunta na sua cabeça.

–Fácil. O que eu estou fazendo aqui? -Eu pergunto, porque eu quero ouvir a resposta dele primeiro. Eu quero que ele me responda o que eu estou fazendo aqui. Ele me responde bem quando me puxa para o meio de algumas árvores, do lado da rua, bem na frente do restaurante preferido de Ruby aqui.

–É uma pergunta muito distante. Nesse momento você está indo ver a coisa mais incrível da sua vida com o garoto mais incrível que você já conheceu. -Quando eu bufo ele ri. -Mas... eu entendi o que você quis dizer. Acho que você está aqui porque tem que estar. Estar aqui pra Melody, ou a Ruby, ou a sua mãe e seu pai.

–Meus pais estão mortos. -Ele me olha mas eu começo a falar antes que ele abra a boca. -E não. Melody se deu muito bem comigo fora da vida dela e Ruby... eu sou só mais alguém na vida dela, tanto faz. Não tenho que estar aqui pra elas.

–A gente já volta a conversar sobre isso, mas agora, olha aqui. -Ele me vira, fazendo andar de costas para o lugar onde a gente está indo, e ficar de frente pra ele, que está sorrindo, me fazendo sorrir também. -Vira. -Eu me viro e vejo. Realmente é a coisa mais incrível que eu já vi. Nós estamos num vale, com grama até o lago e do outro lado está a cidade. Com as luzes lindas e brilhantes. Parecendo tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Ele me puxa para baixo.

–Bonito não é?

–As luzes parecem tão fortes. -Eu comento, de boca aberta.

–Sabe o que é o mais engraçado? Essas luzes estão lá de dia também. Elas nunca saem de lá. Mas precisam da escuridão total pra brilharem do jeito que elas brilham a noite. E é só agora que as pessoas dão atenção pra elas. -Nós ficamos em silêncio. Até Morgan começar a cantar Night Keepers baixinho e eu sorrir. Eu ainda não entendo a música, mas estou tentando não entender também. Eu só vou continuar gostando do meu jeito irracional. É bom ver as luzes da cidade e ser poupada do barulho que vem de lá também. Já basta o dos carros que passam na rua atrás das árvores lá atrás

–Eu acho, -ele diz. -Que você já escuta o seu coração. -Morgan deita na grama e olha pra mim.

–Como assim? -Ele puxa minha mão me fazendo deitar também e bota minha mão na minha orelha, fazendo uma conchinha e abafando o som.

–Você está escutando seu coração?

–Se você quer dizer o "tum tum" então sim, eu estou.

–Então! Esse "tum tum" do seu coração quer dizer que você está viva. E agora, você só precisa descobrir o que vai fazer com a vida que você tem. E, cara, é divertido tentar descobrir o que você quer fazer. É uma aventura. E quando você menos espera, a aventura passa a ser a sua vida, entende?

–Morgan...

–White.

–Morgan White... -Tem muita coisa que eu quero falar pra ele agora. Quero falar que boa parte das minhas dúvidas foram embora e que eu me sinto leve. E que eu me sinto livre e feliz como eu me senti no show, e mais um monte de coisa que eu nem consigo processar na minha cabeça ainda, mas eu me contento em apenas dizer: -Você é o cara mais incrível que eu conheço. -Ele fica sério, depois ri e olha pra cima, apoiando a cabeça nas mãos.

–Ah, Jazmine... eu sou um gênio. -E, apesar de não dizer, eu tenho que concordar com ele.


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