Night Troopers escrita por loliveira


Capítulo 3
O Som Na Escuridão




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"You can never say never

While we don't know when

Time, time  and time again

Younger now, then we were before, 

Don't let me go, 

Don't let me go."

Never Say Never - The Fray.

Eu sempre gostei de música. É uma forma de me fazer entender as coisas que eu sinto todos os dias, já que eu sou uma garota no meio da adolescência com todos aqueles clichês circulando pra lá e pra cá na minha vida. É uma forma de entender que os clichês são aceitáveis e que tudo bem me sentir do jeito que eu sinto às vezes. Por isso eu gosto de música.

A primeira vez que eu fui em um show eu tinha dois anos, e era a banda do meu tio que estava tocando. Eu não lembro de nada, mas às vezes, eu gosto de lembrar da história que minha mãe contava sobre esse show. Ela dizia que eu tinha dois anos e estava com a pior cólica que ela já viu um bebê ter. Eu gritava minhas cordas vocais fora e acordei todo mundo da vizinhança. Minha mãe dizia que ela tinha pedido que Melody fizesse tudo que fosse possível - ela me trouxe todas as comidas da casa, botou para tocar todos os cds da coleção de Ruby, e ela e minha irmã dançaram uma hora inteira para mim, para ver se eu calava a boca. Mas nada aconteceu então, nessa exata hora em que elas desistiram, meu tio ligou, avisando que a banda dele começaria a tocar em cinco minutos e que se Melody quisesse ir, ela poderia. Quando Melody terminou de se arrumar, minha mãe apenas me entregou pra ela, e disse: "Só vai.", então minha irmã não teve escolha e teve que ir para o show com uma bebê chorando no volume mais alto que um bebê pode chorar. Quando ela chegou, todo mundo começou a reclamar, porque eu iria atrapalhar a acústica do som, com os meus gritos, mas meu tio não fez nada e mandou o baterista marcar o ritmo. Minha mãe, cansada de ficar em casa, acabou indo junto com Ruby, então nós quatro estávamos lá na hora que o violão começou a tocar, e foi nessa hora, que eu finalmente calei a boca. 

Eu gosto de pensar que foi por isso que eu acabei gostando tanto de ouvir música. Porque ela fez minha cólica acabar. Ou porque fez minha família ir pela primeira vez, todas nós, juntas, para um show. Ou simplesmente porque é legal.  

 A primeira vez que eu realmente lembro de ter ido pra um show eu tinha treze anos, e fui escondida com Ruby - que na época, tinha vinte. O show não era um concerto de Jazz para minha felicidade; era de uma banda indie da cidade, que depois eu descobri que Ruby namorava o baterista. Eu não sei explicar como eu me senti, mas o mais próximo a sensação que eu senti foi mágica. Naquele momento em que todos ficam em silêncio e os primeiros acordes da guitarra começam a tocar e você consegue sentir a energia chegando lentamente até que explode e todo mundo começa a gritar e a pular. Eu não estava com cólica, é claro, mas acho que toda a preocupação que uma garota como eu de treze anos sentia simplesmente desapareceu assim que a música começou a tocar e eu acho que se eu estivesse com cólica, ela também ia sumir assim que ouvisse a voz do namorado de Ruby cantando no microfone. Naquele dia,  eu voltei para casa sozinha, porque Ruby ia passar a noite com o namorado, e acordei toda dolorida, por causa da caminhada até em casa, ou por causa de tanto pular e dançar e gritar no dia anterior. Mas depois daquele dia, eu nunca mais fui a mesma. Eu sei... quão clichê essa frase pode ser, mas é a mais pura verdade. Eu passei a escutar música de verdade, com conteúdo e depois daquilo tudo que não tinha conteúdo pareceu idiota demais para ter minha atenção. 

Cherry Pie ainda está tocando. Eles estão repetindo a primeira música que eles tocaram então eu sei a letra, e é legal porque aí eu posso cantar junto. Morgan está do meu lado, gritando que nem um louco. Na verdade, não tão louco assim, já que todo mundo está gritando. Mas ele é diferente. Ele não está gritando coisas tipo "uohooo!" ou "isso aí" ele está assim:

-Qual é, Peach, a guitarra não vai quebrar se você exagerar um pouquinho naquele acorde ali! E, Chick, mano! As garotas estão te amando! Quero só ver quando a mamãe descobrir! Há-Há! -Ele ri e pula, parecendo um pouquinho gay, mas totalmente hétero. Acho que é a jaqueta. Ninguém parece ligar por eu estar de pijama, mesmo que eu seja a única. Esse é um daqueles lugares que ninguém se importa com o que você está vestindo, ou com quem você está, todo mundo só se importa, com o que você está ouvindo. E no momento, a música é muito, muito, muito boa. As pessoas bêbadas ou drogadas que aparecem aqui, geralmente são levadas lá pra fora pelo policial do lugar, pra evitar problemas com a lei e coisas assim, então dá pra aproveitar sem ter gente desagradável na sua cola. 

-Ah! Shep, se você quebrar minha guitarra eu te mato, desgraçado! -Morgan grita para o o outro cara da guitarra depois assobia alto. E eu? Bem, eu estou pulando que nem uma idiota. E eu estou adorando isso aqui porque é um dos poucos lugares onde eu posso ser idiota sem ser rotulada "perdedora" por isso, então eu grito, pulo, canto e danço orgulhosamente como uma idiota. Morgan bota uma mão nas minhas costas e quando tem uma música lenta ele passa o braço no me ombro. Qualquer um diria que nós temos algum lance ou coisa esquisita, mas eu sei muito bem que ele só está fazendo isso pra não ter engraçadinhos vindo na minha direção. 

-É isso aí, galera! Valeu e porra, foi demais! Até mais. -E as pessoas gritam enquanto saem do galpão. 

-Vem pra cá. -Morgan diz e eu sigo ele, desviando das pessoas. Nós vamos até uma porta e entramos. Chick e o resto da banda estão aqui, batendo palmas, fazendo High-Five e tomando água (menos o tal Shep, que está tomando cerveja, mas ninguém parece notar). Chick está guardando os microfones numa caixa enquanto a garota, Peach, está botando um baixo na caixa também. Todos param quando Morgan entra na sala, e todos olham pra mim. 

-E aí Morgan. -Shep dá um aperto de mão esquisito nele e vem me abraçar. Ele tem cheiro de suor, mas quem liga. -E e aí gatinha. -Ele diz quando me solta, falando com uma voz maliciosa, mas que só me faz revirar os olhos. Contanto que não esteja bêbado, é inofensivo. Morgan dá um abraço em todos os outros, inclusive na garota Peach, que apesar de ser alguns anos mais velha provavelmente, dá um beijo na sua bochecha e joga seu charme pra cima dele. Não parece que alguém percebeu, mas eu sou uma garota, eu entendo dessas coisas e ela está caidinha por ele. Ela tem olhos verdes, cabelos ruivos lisos e roupas pretas, mas não parece gótica... mais como uma gótica amadora e com medo de mudanças radicais. O resto da banda são todos garotos e com roupas normais, bermudas rasgadas e Shep sem camisa. Mais um garoto vem me abraçar.

-Meu nome é Thomas. 

-Jazmine. -Depois Thomas anda até a porta, onde uma garota com moletom da Brown está parada e beija ela, enquanto os outros assobiam dão gritinhos provocando os dois. 

-Então, Jazmine, onde você conheceu meu irmão? -Chick pergunta, provocador enquanto Morgan vem para o meu lado. Chick olha para meu corpo depois da um risinho, vendo os chinelos de Morgan. 

-Sou irmã da Melody, sabe? A vizinha... -Ele me interrompe. 

-A irmã da Ruby? Você é a irmã da Ruby? -Esquisito. 

-É, sou eu. Você conhece ela? -Mas ele não responde, só ri e balança a cabeça, depois pega outra garrafa de água e senta em cima da mesa. -E aí mano, vai pra casa ou vai ficar com a gente? -Morgan olha pra mim, esperando que eu dê a resposta. Eu não quero ir pra casa, de jeito nenhum. Não quero ficar me remoendo sobre minha mãe. Tem coisas que são saudáveis de evitar a noite, e pensar na minha mãe morta é uma delas, então eu dou de ombros e digo:

-Não tenho nada melhor pra fazer, e você? -Chick entende que eu respondi por nós dois, sorri e bate palmas. Ele parece drogado, mas não está com olhos vermelhos nem nada disso, então eu sei que ele é assim por natureza mesmo. Um cara com uns quarenta anos aparece ali e entrega algumas notas de dólares para Chick, que passa pra todo mundo, inclusive para Morgan, dando uma batida no ombro dele. 

-Tenho que ir, mas se divirtam por mim. -Peach diz, me encarando com uma expressão de desdém, que eu entendo já que ela acha que eu estou tendo um lance com Morgan, então não retribuo o olhar. Ela sai com uma das guitarras e nós vamos para a rua, enquanto o cara de quarenta anos tranca o lugar. Olho no relógio do pulso de Morgan e vejo que são quase três da manhã. Ele me olha depois de perceber que eu vi as horas e eu só dou de ombros, vendo sua expressão relaxar; ele odiaria perder a diversão com o irmão. 

-O que nós vamos fazer? -Eu pergunto para Chick, que dá um sorriso travesso, e com os olhos brilhando responde:

-Nós vamos fazer nevar. 


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