Night Troopers escrita por loliveira


Capítulo 22
Peso Retirado




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"Hold on, to me as we go
As we roll down this unfamiliar road
And although this wave is stringing us along
Just know you’re not alone
Cause I’m going to make this place your home"

Home - Phillip Phillips

MEU CABELO NÃO FICA CERTO NUNCA.

Não sei mais o que fazer. Eu acabei de sair do quarto de Ruby porque nem ela conseguiu alisar meu cabelo. Eu sou uma droga. Ele está armado, cheio de cachos horríveis que pulam de um lado pro outro quando eu ando. Tem como ficar PIOR? Não é como desses filmes, que quando elas falam que o cabelo delas está uma droga, ele está perfeito. O meu está mesmo feio e desajeitado, e os fios escolheram justo hoje pra ficarem todos frisados. Eu mereço.

Hoje é domingo, ou seja o dia que os pais de Kurt vem ver como Melody está e como o bebê é. Dá pra acreditar na sacanagem? Melody não está nem a uma semana em casa e milhares de pessoas já vieram. E agora eles. Pelo que Melody fala, eles vão achar qualquer defeitinho sequer nela ou no bebê e vão discordar do melhor jeito de criar o filho. Antes do bebê nascer ela chegou a chorar algumas vezes por causa disso, mas agora ela não chora mais, então suponho que eram os hormônios falando mais alto. Porque ela chorava de tudo.

Vou andando frustrada até meu quarto. Estou com um vestido chique que Melody disse que eu tinha que usar, e em nome da sua sanidade mental, eu uso. As brigas estão menos frequentes, pois ela está tão ocupada quando eu agora, o que é bom. O vestido está me dando coceira, e toda hora eu levo minha mão até o meu pescoço para ver se passa. É por causa da alça dele, que na verdade, se transforma em uma quando se encontram atrás da minha nuca. Ele é roxo, mas não um roxo forte, um clarinho, vivo, que eu me lembro vagamente dela o usando para ir pra igreja quando ela ainda morava na casa da minha mãe.

Falando nisso, Ruby anda conversando com uns compradores já, e nós vamos amanhã de manhã, antes de eu ir para o trabalho, até a casa pra tirar nossas coisas. Não que tenha muita coisa útil, a maioria vai ser jogada fora, mas tem coisas que eu quero trazer pra cá comigo. Coisas da minha mãe, coisas nossas que minhas irmãs provavelmente nem lembram mais. Aqueles objetos que, quando a gente usa, nem dá importância, até que um dia, um tempo depois, você para na frente dele e pensa: eu lembro disso. Coisas assim, insignificantes e importantes.

Ontem, eu e Ruby fomos no cemitério pela primeira vez desde o dia que velamos nossa mãe. Eu chorei todo o tempo que nós estivemos lá, e a gente conversou um pouco sobre ela. Acontece que, ela só tinha raiva pelo que minha mãe me fez passar. O trauma... ver ela morta, etc. Ela disse que nenhuma garota merece isso principalmente eu que vou ter que viver com essa imagem pro resto da minha vida.

Eu voltei pra casa pensando nisso, e eu percebi que eu não incomodo com a imagem da minha mãe na minha cabeça. O negócio é o seguinte: tem coisas mais profundas que eu poderia me preocupar sobre minha mãe, ou coisas mais úteis, e eu não vou perder meu tempo tentando esquecer o corpo dela caído na sala. Porque é parte de mim agora, e eu só tenho que aprender a viver com isso. Ponto final e simples assim. Kurt estava certo. As mulheres realmente complicam tudo, porque é nosso jeito de ser. Mas eu não vou mais fazer tempestade em um copo d'água por causa de uma coisa que eu não posso mais mudar. Se eu preferiria que ela não tivesse se matado? Sim. Se eu sinto falta dela? Sim. Mas eu não posso mudar o passado. A única coisa que eu me sinto mal por ter feito, foi não ter a ajudado quando eu tive a oportunidade. Mas ela sempre foi um livro fechado, pesado demais para que eu abrisse, então não havia nada que eu pudesse fazer, e eu só vou ter que viver com isso. Morgan também estava certo. Tenho que seguir em frente. Parar de remoer o passado porque honestamente, eu nem quero que minha mãe volte. Isso pode parecer cruel, mas é verdade. Acho que isso foi o melhor para ela e para minhas irmãs também. As coisas estavam muito pesadas para que eu e Ruby aguentássemos e eu acho que pra minha mãe também. Então, aonde quer que ela esteja agora, eu só quero que ela esteja feliz. Com a felicidade que ela não teve aqui.

Isso também é novo para mim. Imaginar onde ela está agora. Imaginar como ela está agora. Nos últimos quatro meses, tudo que eu pensei foi que ela havia morrido. Só. Mas agora, que eu estou começando a aceitar que ela se foi, que não há nada que eu pudesse fazer pra mudar isso, eu consigo pensar com mais clareza sobre as outras coisas que envolvem minha mãe. Eu acredito em Deus. Talvez não do jeito que Melody acredite, ou algumas vizinhas dela. Como aquele Deus que te obriga a ir pra igreja se não você vai para o inferno. Eu acredito na simples existência de Deus e que Ele deve fazer tudo por um motivo. E eu finalmente entendo que minha mãe precisou morrer pra mudar nossas vidas. E se Deus realmente existe - como eu espero que ele exista - eu espero que Ele veja que apesar de tudo, minha mãe merece ser feliz.

As reflexões que eu tenho feito, parecem que estão tirando um peso enorme dos meus ombros. Como se fosse pedra por pedra.

Eu entro no meu quarto, suspirando de irritação, e meu primeiro instinto é olhar pra janela, mas a janela de Morgan está fechada. De novo. E eu fecho os olhos pra não sentir aquelas lágrimas saindo, porque a última coisa que eu preciso agora é estragar a maquiagem. Quando eu falei pra Melody que a gente não poderia usar o forno deles, eu tive que inventar uma mentira para explicar o porquê, e tudo se resolveu quando ela pediu para sua outra vizinha. Caso resolvido.

Eu escuto um barulho vindo do closet, e vou andando curiosa para lá. Quando eu chego mais perto, vejo que é Melody. Ela está roendo as unhas, agachada, parecendo um caco. Eu levo um susto.

–O que você está fazendo aqui? -Ela abre a boca pra falar, pensa um pouco, depois solta uma baforada.

–Eu não sei. -Ela está com um casaco que eu tenho desde os cinco anos, que era dela, nas mãos.

–Você quer ele de volta? -Eu brinco. Ela solta um suspiro e eu vejo que está tentando não chorar. Como depois que Shepley-bebê nasceu, ela nunca mais chorou, eu fico meio preocupada. Um pouco relutante, eu sento do lado dela. -O que foi?

–Nada.

–Qual é. -Ela começa a chorar de verdade agora.

–Eu estou com medo. Os pais de Kurt talvez não gostem de mim... ou de alguma coisa que eu faça... eu só estou nervosa.

–Você sabe que a opinião deles não importa.

–Pra mim, sim!

–Isso é idiotice, Melody.

–Eu só quero que eles me aprovem. -Ela funga, chorando forte. Preciso de toda a coragem pra falar o que eu falo em seguida:

–A única pessoa que tem que te aprovar é Kurt! É só isso, Melody. É simples assim. Por que você liga pro que eles vão pensar de você? A única pessoa com que você tem que se preocupar em dar uma boa impressão é pra Kurt, mas você não precisa. Porque ele te conhece. Ele sabe como você é, sabe dos teus defeitos, de toda a porcaria que vem com você às vezes -Ela faz cara feia, mas eu continuo. -Ele jurou não te abandonar na frente de um monte de gente, não jurou? Ele até chorou! -Eu exclamo -Mas isso não importa... não importa que ele tenha jurado na frente de um monte de pessoas, porque ele te ama, e nunca te deixaria, jurando ou não. Porque isso é amar, é nunca abandonar uma pessoa. -Eu termino de falar, olhando pro chão. Pelo canto do olho, eu vejo ela me encarando.

–É isso que você acha, não é? -Ela diz, triste.

–Acha do quê?

–Você acha que eu abandonei vocês porque eu não amava mais você e a Ruby.

–E a mamãe. -Eu digo, concordando sem pensar. Ela chora mais ainda.

–Jazz. Não. É claro que não. É só... eu não podia mais. Mamãe estava me sufocando, e eu ia acabar entrando em um colapso. Eu só precisava manter distância dela, porque ela estava perdida. Eu era nova, Jazz. Eu não conseguia pensar em um jeito melhor pra fazer tudo aquilo. -Ela soluça. -Eu pretendia contar pra você primeiro, te explicar antes de ir, porque você não ia entender, isso eu sabia. Mas ela começou a gritar coisas horríveis, sobre mim, sobre o papai, sobre tudo. E então eu não conseguia mais respirar, e pelo amor de tudo que era sagrado, eu jurei para mim mesma que ia embora naquele mesmo instante. Você estava tomando banho, e eu não tive coragem de ir lá falar com você. Eu só precisava respirar de novo, e a mudança que eu fiz me ajudou a achar o ar que eu precisava.

–Você podia ter me explicado. Depois.

–Eu pretendia voltar. -Ela diz, a voz abafada. -Não pra ficar. Mas pra levar você e Ruby junto. Mas toda vez que eu tentava, eu travava. Eu fiquei com medo.

–Eu pensei que você não amasse a gente. -E então eu perco as forças e começo a chorar também.

–Me desculpe. -Ela passa um braço pelo meu ombro e me puxa para um abraço. -Me desculpe. Eu sei que foi difícil. Eu... eu queria voltar pra pegar vocês, mas como eu iria sustentar vocês? Iria ser pior, e eu só queria o melhor pra Ruby e você, mesmo sabendo no fundo, que o melhor não era ficar com a mamãe.

–Você odeia ela? -O choro fica mais alto. O meu e o dela.

–Eu quero. Eu quero odiar ela. Mas eu não consigo.

–Nem eu.

–Isso não é um crime... sabe? Ela era a nossa mãe, mesmo que ela tenha feito muita merda. Eu tenho raiva, mas não ódio. Ela me deu duas irmãs maravilhosas. Eu não posso reclamar.

–Melody?

–Oi.

–Me desculpe por ter sido insuportável esses últimos meses. -Ela ri levemente.

–Faz parte da adolescência. Pergunte pra Kurt que eu não era uma megera quando ele me conheceu. Eu era insuportável também. Mas, Jazz, você é o que você é. E você é forte e corajosa, coisas que eu nunca vou ser. Só não se esquece disso.

–Você também é. -Eu respondo.

–Se eu fosse, eu não estaria chorando no seu closet. -A gente ri.

–Por que você está com o casaco?

–Ele me lembra de quando eu era pequena. E as coisas pareciam tão mais fáceis... por alguns instantes eu quis voltar a ser criança. E então lembrei que tenho a minha própria pra cuidar. -Eu sorrio. -Vamos levantar. Seu cabelo precisa de uma escova.

Os pais de Kurt chegam um pouco depois que ela acaba de passar uma escova enorme pelo meu cabelo, o que vai acalmar ele até a hora de eles irem embora, pelo menos. Eles não nojentos mesmo. Fazendo careta de tudo, mas o jantar corre tudo bem.

Kurt nem uma vez reage mal as provocações da mãe dele pra Melody. Ele sempre olha pra ela e revira os olhos tão minimamente que só ela e eu (que estou prestando atenção) percebo. E aos poucos eu vejo ela relaxar. É claro que, quando as indiretas ficam mais evidentes, eu e Ruby (usando nossa incrível educação) damos cortes nela. O pai dele parece tranquilo e legal, o que é um começo, só a mãe de Kurt que vamos ter que lidar com mais cuidado por um longo tempo... Acho que ela não gostou de mim. Mas também, quem precisa gostar são minha família. A de verdade. E pode apostar que ela não é minha família.

Shepley-bebê não cala a boca por um minuto, mas é um alívio, porque aí a Mãe-Chata-do-Kurt não me escuta xingando ela toda vez que ela reclama do bebê. Qual é... ele é um bebê!

Quando eles vão embora, Melody está mil vezes mais confiante e relaxada, e desaba no sofá com Shepley no colo. Ruby está rindo das imitações da voz da mãe do Kurt, que o mesmo está fazendo, quando Melody pede para eu jogar o lixo fora.

Ao contrário de todas as outras vezes, eu não fico irritada quando ela pede, e vou. Meu cabelo parece uma juba de leão, e na metade do caminho até o jardim, eu tiro meus saltos altos. O frio da noite atinge minhas pernas, que estão nuas por causa do vestido, mas é gostosinho. E o som dos grilos me traz lembranças das noites que eu sai com Morgan. Eu fecho meus olhos, lembrando de todas as vezes que nós saímos à noite.

–Oi. -Espera. Essa voz não é das minhas lembranças. Eu abro os olhos, assustada, e encontro Morgan parado na minha frente, e tudo que eu consigo responder é:

–Oi.


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