Peão escrita por enlue


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que vocês possam aproveitar a leitura. Ah, reviews são bem vindas!
A ideia dessa história surgiu no meio da aula, com a última frase do texto. A partir daí eu elaborei-o e acabou nisso.



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Meu humor não estava bom, como sempre, mas naquele dia as coisas tinham atingido proporções gigantescas. Contava os segundos para a chegada das duas intrusas, que discutiam em uma altura que ultrapassava a barreira das finas paredes do meu casebre. Para falar a verdade, nem sabia o porquê de ainda viver naquela casa que me trazia tantas más recordações sobre minha família. Não, eu sabia o porquê de, em todos os verões, durante os dezesseis anos em que trocara de lado, sempre voltar para aquele cubículo. Esse porquê tinha nome e lindos olhos verdes: Lilian Evans, ou melhor, Lilian Potter. As lembranças dos encontros com a menina durante nossa infância eram tão nítidas como se tivessem ocorrido minutos antes.

 

Fui desperto de meus pensamentos quando ouvi as desesperadas batidas na porta. Abri-a sabendo que minha sentença de morte acabara de chegar.

 

- Cissy! – exclamei “feliz”, em um tom que conseguiu enganá-las.

 

Depois que partiram, voltei para o meu quarto – onde passava a maior parte do tempo; motivo suficiente para Rabicho não perceber minha aflição interna. Desde que Lucius fora preso, eu e Dumbledore sabíamos que o Lord não deixaria por isso... Teria uma vingança doce e cruel, vendo o unigênito dos Malfoy morrer ao não conseguir completar sua missão. E isso sobraria para mim, eu sabia. Tranquei a porta e coloquei um feitiço de privacidade no local, o que não impedia que ouvisse os grunhidos do traidor sujo e desprezível que estava em minha casa.

 

“Maldito traidor. Se pudesse, eu o mataria agora por ter entregado os Potter à morte.”

 

Tentei censurar meus pensamentos, desviando-os de Pettigrey para minha escrivaninha. Com um aceno de varinha, o cadeado mágico se destrancou, e pude pegar meus objetos mais preciosos – que se resumiam em duas fotos e alguns, ta bom, muitos recortes de jornais.

 

A primeira foto, levemente desbotada pelo terrível e cruel tempo, continha dois adolescentes de, aproximadamente, quinze anos de idade. Meus ótimos quinze anos de idade, sentado ao lado da bela e inocente Lilly. Os raios solares batiam em nossas peles brancas, e as folhas caiam mostrando a proximidade do outono. Na foto mágica, passávamos as páginas de nossos respectivos livros, concentrados em nossos estudos, quando os autores da tal foto – Sirius e Tiago Potter – jogaram em mim aquela fedorenta tinta preta, que demorou duas semanas para sair de minha face. No dia seguinte, o colégio inteiro possuía cópias da foto – que mudava de um ambiente pacífico e apaixonado, pelo menos por minha parte, para o pandemônio que se seguiu. Decidi guardá-la, pois, pelo caminho que decidi seguir - antagônico ao da minha amada - sabia que seria a única foto nossa. E estava completamente certo.

 

A situação do segundo retrato era completamente diferente: Lilian Evans já havia se tornado Lilian Potter, estava ao lado de seu odioso marido, com o pequeno Harry em seus braços. Seu sorriso era tão radiante que aqueceu meu coração naquele quarto frio e tenebroso. Agradeci mentalmente a Dumbledore que havia feito aquela cópia clandestinamente para mim.

 

Voltei-me ao imenso bolo de notícias que colecionei sobre o “menino-que-sobreviveu” e reli-as pela trilhonésima vez. Os acontecimentos eram relatados de forma parcial, e eu, em minha mente, corrigia-os ou completava-os. Sempre minha reação era a mesma diante do bolo de reportagens: me irava ao ver o quão o Profeta Diário corrompia a imaculada e corajosa alma do menino que amava igual a um filho.

 

Sim, tinha admiração e respeito em relação a ele, secretamente, é obvio. A princípio, quando mal conhecia o garoto, cheguei a pensar que era apenas uma cópia de seu pai, irreverente e insuportável. Mas, antes que o dia das Bruxas chegasse, já reconhecia os traços do perfil de sua mãe em si. Corajoso, fiel, defensor dos fracos e oprimidos, sincero, inteligente, habilidoso magicamente e de personalidade forte, inflexível. Essas eram algumas das muitas qualidades dele. Não querendo ocupar minha mente com mais pensamentos que me deixariam desanimado, tomei uma poção para dormir e não acordei tão cedo.

 

A cada dia que se passava, uma angústia maior preenchia meu peito. Tentava colocar minha máscara indiferente, e para todos – com exceção de Albus – eu era o Snape carrancudo de sempre; com alguns agravamentos, é claro. O que resultou em dores piores e mais profundas: Potter não só me odiava. Seus sentimentos eram além disso. Tinha a impressão de que, quando me olhava, ele imaginava a morte mais dolorida para mim. Como se já não bastasse o asco que tinha por mim, eu pude perceber que ele seguia o Malfoy e ouvia nossas conversas. Ótimo, pelo menos Dumbledore gostava disso. “Quanto mais ele desconfiar de você, melhor. Assim nosso plano terá menos chances de falhar.” Plano?! Ah sim, não especifiquei antes... Eu teria que concluir a tarefa do Draco: matar Albus Dumbledore. Claro! Eu nem posso falar o quanto quis torcer o pescoço do diretor quando ele me disse que deveria realmente matá-lo.

 

O dia em que Albus e eu brigamos na floresta foi um pouco pior que os outros. Estava me cansando daquela história toda, e a confiança que ele depositava em Harry me deixava um pouco enciumado. Sou humano, oras! Eu entendi que ele não me contava porque era o melhor a se fazer. Tudo estaria  perfeito se não fosse por aquele convite que recebi para visitá-lo no escritório dele. As palavras “fragmento”, “alma”, “Voldemort”, “Harry” e “morrer” faziam com que as frases que ouvi ficassem extremamente sinistras. Se “depois de todo esse tempo” eu ainda amava Lilian? Lógico, não teria como não deixar de amá-la, nem um segundo sequer. E agora eu sabia que o filho da minha queria amada teria que morrer. Ótimo! Como ele ainda teve coragem de perguntar se eu havia me afeiçoado ao garoto? Mesmo negando, meu coração sabia que a coisa que mais queria era a felicidade do “meu” filho emprestado.

 

A dificuldade que tinha em me expressar era incrível, devo dizer. Desde o início do sexto ano do garoto, eu lhe aplicava tantas detenções (Ao invés de tentar me tornar seu amigo. Isso seria patético de qualquer forma!) que ele não tinha tempo para respirar direito. Depois do dia em que descobri que ele deveria morrer, eu não consegui nem mesmo maneirar. Pegava mais em seu pé, por que, afinal das contas, ele precisaria de uma excelente habilidade em Defesa Contra Artes das Trevas para enfrentar seu futuro e cumprir a missão designada por Dumbledore – fosse ela o que fosse. Admito, era muito difícil, para ele, defender-se dos feitiços de alguém que ele odiava (Eu!) sem ao menos poder falar coisa alguma. Então imagine o tanto que não foi difícil para mim!

 

Meu humor despencou quando a Murta-que-Geme chegou a minha sala gritando loucamente “Assassino no banheiro! Malfoy, Potter, SANGUE!!!”. Quase enfartei quando ouvi aquelas palavras em uma mesma frase. Corri sem nem pensar um segundo, tentando tirar de minha mente imagens de um Harry morto. O que vi no banheiro me chocou mais ainda. Sectumsempra, o feitiço que havia criado em meus dias sombrios, tinha acertado diretamente o peito do sonserino – que estava desacordado no chão. Uma fúria se apossou de meu corpo, e comecei a gritar com o Potter. Mas a fúria não era direcionada a ele; era direcionada a mim. A única coisa plausível que veio em minha mente é que ele estava com o meu livro de poções. Mais uma vez eu era o co-autor de uma possível tragédia, que com certeza mancharia a imaculada alma do “menino-que-sobreviveu”. Sim, o mínimo que poderia fazer para desviar minha frustração era aplicar-lhe uma detenção desgostosa, que expunha o caráter do seu pai e de seu padrinho.

 

E o tempo passou novamente... Quando percebi, já estava no tão esperado dia. Dumbledore me avisou que sairia com Potter, e que quando voltasse eu teria que matá-lo. E lá estava eu, encarando o homem que havia me dado uma oportunidade para reparar meus erros. “Severus... por favor” Doeu ao ouvir a voz suplicante de meu amigo. Eu sabia que deveria prosseguir com o plano, mas também tinha consciência de que Harry nos observava; e para o menino, o diretor suplicava pela vida, e não pela morte. Chorei internamente ao ver o meu único aliado morrer, mas vesti minha máscara de indiferença e fugi com os outros Comensais. Antes que pudesse respirar, era seguido pela pessoa que deveria proteger. Enfrentamos-nos, ele tentando a todo custo me ferir, o que foi inútil. Um Comensal qualquer começou a torturá-lo, porém impedi-o, alegando que o Lord que se encarregaria dessa tarefa. Mentira. Se isso não fosse necessário para que Voldemort morresse, eu nunca deixaria que encostassem um dedo no filho da Lilian! O duelo recomeçou, e pude admirar suas qualidades. A coragem emanava em cada poro de sua pele, e a seriedade mostrava que se precisasse ele morreria para vingar o diretor. Não me deixaria feri-lo e não seria ferido. Esse era o meu objetivo para aquele confronto sem sentido. Mas ele falou “Me mate como você o matou, seu covarde...”, e não pude me segurar. “NÃO”; como ele tinha coragem de me chamar de covarde?! Tudo o que eu tinha feito, durante todos esses anos, era como se não tivesse mais valor algum. Foi uma dor tão grande, a fúria se apoderou de mim, e sem pensar eu encerrei o duelo, deixando-lhe um corte na face e fugindo como se tivesse cometido algum crime.

 

Aquele foi, sem dúvidas, o pior dia da minha vida depois da morte dos Potter. Quando me ajoelhei à frente do Lord das Trevas, seus aplausos frios me fizeram sentir mais ódio do que poderia suportar. Mantive a máscara de indiferença e sussurrei um “Foi um imenso prazer fazer sua vontade Milord”. Mais uma ou duas mentiras não faziam mais diferença naquele estágio de minha vida... Aparatei na minha antiga casa após a nefasta comemoração dos Comensais, o que, a partir daquele dia, eu era publicamente. Pelo menos para todos os idiotas que acreditavam nessa farsa, o que se resumia ao mundo bruxo inteiro – com exceção de Bellatrix, que ainda desconfiava de minha fidelidade. Rabicho, ao meu pedido (ordem se aplicaria melhor), não estava mais infestando o ar na minha habitação. Menos mal, por que não iria conseguir segurar o choro por muito tempo. E chorei, como chorei! Minha vida já estava em um ponto onde não poderia se piorar nada, ou poderia?

 

Sim, poderia, e como! Mais uma missão que ia contra os valores que tentava secretamente defender: tentar capturar Harry Potter. Confundir Mundungus Fletcher foi a coisa mais fácil que fiz nos últimos tempos. Patético poderia se dizer. Agora a parte difícil foi participar da missão de um modo convincente como Dumbledore me orientara. Tentei salvar a vida de Lupin, mas acabei lançando um feitiço em um “Harry”, que depois descobri ser George Weasley, arrancando-lhe uma orelha para poupar a vida do outro. Lógico que para o lado “bom” da Guerra (lado o qual fazia parte mas ninguém tinha conhecimento) isso remarcava a minha traição a Albus, o que na realidade confirmava minha lealdade a ele.

 

O tempo passou de maneira rápida e cruel, com os irmãos Carrow transformando Hogwarts em um campo de tortura. A notícia que pode me deixar um pouco menos melancólico foi o paradeiro do “trio dourado”, informação que consegui por meio de Nigellus. Ver como Harry reagiu ao encontrar meu patrono me fez sentir uma pontada de alegria. Ele estava fascinado, olhando como se aquilo fosse a salvação de sua vida, e um orgulho por estar fazendo a coisa certa me invadiu. Será que foi assim que Dumbledore se sentiu antes de morrer?

 

Os dias se passaram sem muita diferença, com exceção da captura e fuga dos três “idiotas”, o que me deixou muito puto. Tirando essas coisas ruins e o afastamento de Nagini das missões, Dumbledore finalmente decidiu me contar o que estava acontecendo. Horcruxes e conto dos três irmãos? A loucura do Bruxo das Trevas era cada vez mais evidente. Era esse o motivo para eu ter esse papel de espião-duplo? Uma varinha superior às outras e pedaços de alma espalhados em objetos?! Não era bem isso que esperava; para ser sincero as coisas estavam piores do que imaginava, e a doença de Lord Voldemort por poder nunca fora tão evidente. Um homem egoísta e sem escrúpulos matou a mulher que eu amei, amo e amarei só por causa da maldita sede de poder! E de acordo com o ex-diretor, ele perceberia que a varinha não tinha tanto efeito assim e chegaria a conclusão de que eu teria que morrer. Perfeito, quem sabe assim eu não teria o “descanse em paz pela eternidade” que eu tanto ansiava?

 

Para o meu desgosto, ninguém sabia o paradeiro do Escolhido e seus amigos, o que somava mais pontos negativos para minha missão. Como eu poderia contar o que lhe foi designado se eu não tinha noção de seu paradeiro? Mas, para minha sorte (ou azar), nos ditares daquele ditado trouxa “Se Maomé não vem à montanha, a montanha vem a Maomé”, o inteligentíssimo do menino me aparece em Hogwarts. Estava em minha sala quando senti a marca negra queimar, uma dor dilacerante se espalhando por meu braço. O quadro de Albus me avisou que ele estava atrás do Diadema de Ravenclaw, pelo que pode ouvir enquanto andava por outros quadros. De acordo com nosso cálculo, aquela era a última horcrux depois de Nagini e o próprio menino. Saí correndo à procura do intruso, mas minha velocidade não foi suficiente para impedir que Minerva o encontrasse primeiro. A chance escapou de meus dedos assim como a água não pode ser retida pelo ar; e quando me dei por mim, já estava longe demais para revelar o futuro que esperava Harry James Potter.

 

Fui chamado no meio da batalha, e a frustração me invadiu. A minha morte estava chegando – não que eu me preocupasse com isso – e o que me afligia naquele momento era não ter conseguido conversar civilizadamente com Harry. Nem uma vez sequer, nem mesmo para que ele pudesse salvar o mundo bruxo e fosse lembrado para sempre. Caminhei para a Casa dos Gritos, esperando o fim de minha vida e o fracasso em ter cumprido meu papel como espião-duplo. Melhor assim, as pessoas nunca saberiam o que tinha feito, e seria esquecido com o tempo. As palavras “traidor” ou “leal até a morte” não acompanhariam meu nome, porque todos se esqueceriam da minha existência – igual a minha vida inteira, onde ninguém nunca se importou de verdade comigo. Pateticamente segui até o local onde o Lord-Insano estava, e ,em uma última tentativa, implorei buscando uma solução pra minha missão incompleta. “Me deixe encontrar Potter.”, “... me deixe ir procurar o garoto, Milord”. Ele sabia que eu tinha consciência de minha morte, e para ele isso era uma tentativa inútil para que pudesse preservar minha vida. Cego e tolo! Desde o dia em que os Potter morreram, eu não vivo mais para mim; vivo para servir os ideais de Lilly, para morrer pelo que é certo e tentar me redimir pelos meus erros (o que acho impossível!).


Foi tudo muito rápido. O diálogo acabou e, alguns segundos depois, Nagini estava rasgando a pele de meu pescoço e não havia nada que eu pudesse fazer. Abandonado, era assim que eu estava. Todos esses anos, durante todo esse tempo, eu sabia que seria assim. Uma morte rápida e dolorida, sem nenhuma cerimônia, cercada por ninguém. Eram os efeitos de não ter a coragem para seguir o caminho que durante minha adolescência desejei. Mas não, o destino fez com que ele estivesse lá. Harry Potter, que se aproximou sem saber o que fazer. Ajuntei todas minhas memórias e o filme que estava passando pela minha mente (o que você está lendo agora), e antes de dizer minhas últimas palavras e dar o último suspiro, cheguei a uma conclusão. Olhando aqueles olhos que tanto amava, minha mente conseguiu enxergar o que eu, Severus Snape sempre fui.


Porque a vida não é aquilo que desejamos, e...

No final das contas era o peão menos amado. Apenas um peão.

 

_x_

 

“- Leve... isso... Leve... isso...

(...)

- Olhe... para... mim...”

 

Essas foram as últimas palavras que Severus Snape falou para mim, acompanhadas de suas memórias, do filme que passou por sua mente (o que você acabou de ler) e de seu sofrido último suspiro. Poucos instantes após sua morte, a verdade me foi revelada enquanto usava a Penseira da antiga sala de Dumbledore. Reuni todas as minhas forças e entreguei minha vida para que o mal fosse sanado. Depois que derrotei Lord Voldemort, revi o conteúdo prateado, que estava dentro do vidro que Hermione conjurou, e entendi as atitudes que meu antigo professor de Poções (foram cinco anos de Poções x um ano de DCAT, o que me faz lembrá-lo mais como meu professor de Poções). Reconheci que a nossa vitória sobre o Lord das Trevas era, por grande parte, efeito desse corajoso homem. Chorei. Nessa guerra que, para ele, era como um jogo de xadrez, concluí que ele era um peão. Severus Snape era um peão que, interiormente, parecia mais com um rei.

Cheque Mate.

 

Harry James Potter, em memorial do “Grifinório” Severus Snape, que merece, e muito, ser lembrado por sua lealdade e coragem – desenvolvidas em seu papel de espião-duplo;

 

Profeta Diário,

 

Janeiro de 1999.

 

 


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