Quando o sol começava a se por no horizonte eu cheguei a casa.

Naruto me esperava sentado no sofá da sala, a lareira acesa deixava o ambiente agradavelmente quente.

- Sakura está tudo bem? – perguntou-me num tom de preocupação.

Eu não consegui encará-lo; permaneci o tempo todo virada de costas.

- Eu estou bem Naruto. Apenas cansada.

- Que bom.

A minha resposta aliviou o tom de preocupação em sua voz.

 - Eu vou me deitar – comuniquei-lhe, ainda que não lhe devesse satisfações do que eu pretendia fazer.

- Você não vai jantar? Eu fritei alguns ovos e tem leite.

- Eu...

Eu pensei em recusar a oferta, mas ao ver que ele havia se preocupado em deixar-me algo para jantar, decidi aceitar.

- Deixe-me apenas tirar essas roupas.

Em nenhum momento eu virei para olhá-lo. Fui para o quarto e fechei a porta.

O quarto estava frio, a sala tinha tanto calor por causa da lareira. Sentei-me em frente a penteadeira e comecei a pentear meus cabelos; no espelho via minha figura abatida refletiva. Um olhar de acusação se escondia por trás de meu reflexo, talvez fosse o reflexo de minha consciência, mas ela não podia me condenar, eu não havia feito nada de errado, pelo menos não ainda.

Levantei-me, eu não agüentava nem mesmo olhar para mim mesma.

Naruto bateu a porta.

- Sakura, o jantar vai esfriar.

- Eu já vou.

Pensei em como ele era irritante! Tudo o que eu desejava era ficar sozinha, não, a solidão nunca me fizera bem, ainda que eu estivesse acostumada bem a ela.

Não me troquei, decidi ir logo jantar com Naruto antes que ele colocasse a porta abaixo com suas insistentes batidas.

Durante o jantar, eu fiquei sentada em frente à Naruto, em silêncio.

Eu mal conseguia olhar em seus olhos oceânicos, fazer isso estranhamente me fazia sentir culpada.

- Sakura está tudo bem?

Eu levantei minha cabeça, e inevitavelmente meus olhos encontraram os dele. Havia preocupação em seus olhos, e isso me causou comoção e certa tagarelice.

- Sim, o trabalho é fácil, e Sasuke parece confiar muito em mim.

Qualquer informação além dessa era totalmente dispensável.

- Sasuke? – repetiu num ar de espanto

- Sim, ele é o meu chefe, e o melhor é que ele fala inglês. Sasuke é o gerente de vendas da fábrica; é ele quem negocia a venda de armas para o governo soviético.

- A fábrica não pertence ao governo? – perguntou-me Naruto ainda mais surpreso.

Eu balancei a cabeça num sinal negativo.

- Parece que não. O governo apóia financeiramente alguns projetos de desenvolvimento de novas tecnologias bélicas e em troca a fábrica dá um bom desconto nas compras de armas.

- E quanto a bomba?

- Eu não vi nada a respeito disso – disse num tom de decepção – e quanto a você Naruto? Como foi seu dia na fábrica?

Naruto abriu um sorriso e colocou uma enorme garfada de ovos mexidos na boca antes de me contar.

- Eu tenho autorização para ficar circulando pela fábrica – gabou-se.

- E quanto aos outros vigias? Se eles perceberem que você não fala russo...

Eu não sei porque, mas fiquei preocupada com Naruto.

- Fique tranqüila Sakura, eu não vou estragar a missão!

Eu me levantei da mesa com meu prato na mão.

- Idiota, eu não estou preocupada com a missão. Eu estou preocupada com você.

Naruto me olhou surpreso, porém eu pouco dei atenção a seu olhar. Eu também pouco prestara atenção nas minhas palavras, quando me dei conta já às havia dito. 

- Eu não vou deixar que descubram – a voz de Naruto estava séria e mostrava firmeza.

Eu olhei em sua direção.

- Assim espero.

Virei-me novamente para a pia e comecei a lavar a louça. Naruto colocou seu prato vazio dentro da cuba e foi para a sala. Quando terminei de lavar a louça, sequei minhas mãos no pano branco deixado sobre a mesa, e saí da cozinha.

Num primeiro momento pensei em ir para o quarto, mas meus pés me levaram para a sala. Naruto estava sentado no sofá olhando um jornal russo.

- Quais são as noticias? – perguntei-lhe num tom jocoso.

Eu sentei-me a seu lado, e Naruto logo tratou de jogar o jornal no chão.

- Eu pensei que podia saber alguma coisa pelas fotos.

Eu ri. A idéia era péssima, ver as notícias pelas fotos.

- Deveríamos ter feito um curso de russo antes de vir para aqui.

Naruto sorriu lateralmente. Eu continuei falando.

- Eu gostaria de saber o que está acontecendo nos Estados Unidos.

- Você tem saudades de lá?

Eu recostei a cabeça no encosto do sofá e cruzei os braços sobre minha barriga.

- Eu sempre quis participar de uma missão internacional, por isso estar aqui é o que eu sempre quis.

Pelo menos essa era a minha crença. Eu não deveria me sentir triste ou decepcionada, eu estava realizando um grande sonho, eu estava numa missão internacional.

- Você vai voltar para os Estados Unidos quando terminar a missão?

A pergunta de Naruto me pegou de surpresa.

- Yeah, eu não pretendo ficar morando aqui em Moscou.

- Eu... eu não vou para os Estados Unidos.

O que mais surpreendeu na declaração de Naruto era a incerteza que tinha em sua voz. Mesmo inseguro, ele parecia dizer o que realmente faria.

- Pretende ficar morando na União Soviética?

Eu decidi levar a declaração como uma brincadeira.

- Não! Eu vou viajar pela Europa e... – Naruto pegou em minha mão, um tanto quanto desajeitado – quero que você venha comigo.

Minhas pupilas se dilataram e meus lábios se entreabriram. Em silêncio, eu tentei imaginar se aquilo era um convite amigável ou uma proposta de casamento. 

Puxei minha mão com força fazendo Naruto solta-la.

- Você está maluco? Eu não vou a lugar nenhum com você. Quando essa missão acabar, nós...

Vamos nos separar para sempre. Doía dizer isso.

- Nós vamos voltar para os Estados Unidos – mudei o final de minha frase original.

Eu abaixei a cabeça e comecei a brincar com meus dedos. Por algum motivo, meu corpo não respondeu aos estímulos do bom senso de me levantar dali.

- Você não gosta da Europa?

- Não é isso, Naruto... é que... – nem eu sabia o que dizer – eu tenho a minha casa e meus amigos em Nova Iorque.

Uma grande mentira. O apartamento que eu morava era alugado e quanto a amigos... eles eram mais meus colegas de trabalho do que amigos.

Eu olhei para ele cheia de curiosidade.

- Naruto, por que você não quer voltar aos Estados Unidos?

A insistência de Naruto em querer ficar na Europa começou a ser motivo para suspeitas.

Naruto arregalou os olhos surpreso com a minha pergunta. Ele sorriu nervosamente.

- Eu... eu... – Naruto começou a buscar uma resposta a minha pergunta.

- Por acaso você não pode mais voltar aos Estados Unidos?

Decidi ir direto ao meu ponto de dúvida.

- Não! – exclamou Naruto ficando em pé – eu não quero mais voltar, apenas isso!

Naruto voltou a sentar-se do meu lado.

Eu o olhei de soslaio. Em minha mente procurava razões que fizessem Naruto ter tomado a decisão de não mais voltar para sua terra natal. Entre as várias possibilidades apenas uma me pareceu coerente: Naruto estava envolvido em uma grande encrenca nos Estados Unidos.

Talvez ele estivesse envolvido em uma guerra de gangues, mas não havia gangues em São Francisco, ou será que havia? Eu não conhecia nada além de Nova Iorque.

- Você não quer ficar comigo na Europa? – Naruto voltou a insistir.

- Escuta aqui Naruto, nós ainda nem terminamos a missão...

Eu decidi não discutir mais acerca do assunto.

- Quer dizer que você vai aceitar ficar na Europa? – Naruto me perguntou com um sorriso travesso nos lábios.

- Quando a missão terminar, se tudo estiver bem, então... eu vou pensar em sua proposta.

Eu sei que com isso eu praticamente dizia “sim”, mas o que eu faria? Eu estava sem ânimo de continuar a discussão.

Naruto voltou a segurar em minha mão fazendo meu coração bater mais forte e minhas bochechas corarem.

- Eu vou te proteger Sakura.

As declarações de Naruto sempre me surpreendiam e me deixavam sem jeito

Eu levantei-me do sofá e nossas mãos se soltaram.

- É melhor que tome conta de si mesmo. Eu sei me cuidar sozinha... eu vou me deitar.

Mais uma vez eu confirmava que quanto mais perto eu ficasse do Naruto pior seria. Era tão simples se deixar levar por suas palavras, era tão fácil se envolver que eu tinha que tentar manter a sobriedade a cada minuto que estava ao lado dele.

Tranquei-me no quarto e sentei-me na cama. Comecei a pensar na insistência de Naruto em querer ficar na Europa, e uma pergunta passou por minha mente pela primeira vez:

Quem é Naruto?

Eu não o conhecia, mesmo assim viemos parar numa missão na condição de parceiros. Essa primeira questão levantou outras:

Por que ele me encontrou apenas aqui na União Soviética?

Ele já estava no país antes de mim?

O governo americano o havia enviado especialmente para missão?

Muitas coisas não estavam claras quanto a essa missão. Não fazia sentido eu ter me encontrado com Naruto apenas depois de chegar a União Soviética; claro que ele provavelmente devesse estar aqui antes de mim, mas o que ele estava fazendo?

Naruto tinha algum segredo escondido, e eu descobriria qual era.