Era madrugada quando Rustie chegou. Tiago correu para abrir a janela e deixar a coruja entrar. Ela trazia um pequeno pergaminho preso em sua perna, e o menino prontamente o tirou. Leu em voz alta:

— “Marlene, Tiago e Sirius,

Deu tudo certo. O Pedrinho já chegou também. Fiz o Nôitibus deixá-lo antes de mim.

Infelizmente, vou ficar de castigo até o fim das férias. Sem amigos, sem visitas e sem cartas. Ou seja, não me respondam e não estranhem se eu não mandar notícias.

A gente se vê em Hogwarts,

Remo”

— Mal feito, feito e agora precisamos pensar nas desculpas que eu vou dar pros Potter — Sirius suspirou e se jogou na cama.

— Cara, o Lupin vai ficar de castigo até o fim das férias e você fica pensando nas desculpas que vai dar pra minha mãe? — Tiago estava irritado, andava de um lado para o outro amassando o bilhete de Remo.

— E o que eu tenho com o castigo do Lupin? — Sirius deu de ombros — Só faltam duas semanas para as aulas começarem mesmo...

Tiago olhou o amigo de canto de olho. Queria dizer algo, mas Marlene tomou a palavra antes que ele pudesse abrir a boca:

— Não é por nada não, mas Black está certo. A gente precisa arranjar um bom motivo para ele ir pra sua casa — levantou a mão antes que Tiago pudesse contra-argumentar — Ou você quer que meus pais descubram tudo o que você aprontou?

Potter olhava dela para ele, sabendo que estava errado. Mesmo que precisasse de Lupin ainda nas férias, nada era tão urgente quanto à situação que viviam. Sem contar que mesmo que fosse não poderia dizê-lo na frente de Marlene. Não confiava na garota plenamente. Ainda.

— Tudo bem — ele disse — E qual o seu plano, Senhorita Gênia do Crime Bruxo?

— Bem... — Marlene deu um risinho de canto de boca, esfregou as mãos e começou a dizer tudo o que tinha pensado.

Tiago permaneceu fora do ar durante toda a conversa de Marlene e Sirius. Era incrível como os dois tinham se tornado íntimos em tão pouco tempo. Tiago até estava sentindo um pouco de ciúmes do melhor amigo com a melhor amiga. Nunca dera autorização para os dois serem amigos!

Parecia que Marlene estava fazendo aquilo só para irritá-lo. Igualzinho a amizade dela com a Lílian. Ele tinha certeza que as duas só eram amiguinhas porque Tiago não gostava da ruivinha e vice-versa.

Mas ele não podia pensar nisso naquele momento. Seu foco deveria ser o grande plano que eles traçaram no ano anterior. Criar um mapa que mostrasse todas as pessoas e passagens secretas de Hogwarts e, mais ainda, se tornarem animagos.

Tiago Potter sabia que a animagia era uma tarefa difícil e pouquíssimos conseguiam realmente virar animagos. Se sua pesquisa estivesse correta, apenas sete bruxos conseguiram se tornar animagos no último século. E isso sendo supervisionados pelo Ministério da Magia, como exigia a lei. Então, que chances teriam eles três, bruxos em formação e sem a supervisão do Ministério?

Precisava de Remo Lupin durante as duas últimas semanas de férias. Precisava para mostrar todo o material que juntara e tudo o que copiara da biblioteca dos Black. Por mais que Sirius não estivesse levando o grande plano deles a sério, Tiago estava. E ia arranjar um jeito de contatar Remo. Ah ia...

— Tiago! Tiago! Tiago! — uma voz feminina o chamou. Parecia a voz de Marlene, mas estava tão distante que não tinha como ter certeza — Tiago!

— Eu falei que ele não ia acordar — Tiago ouviu outra voz, dessa vez masculina, e as duas pareciam conversar — Deixa eu fazer do meu jeito... Aguamenti!

Um jato gelado atingiu o rosto de Tiago e ele acordou sobressaltado. Esfregou os olhos e olhou furioso para Sirius.

— Calma, calma, calma — Sirius o empurrou para a cama novamente — A gente tentou de tudo, você que não queria acordar.

— Ah, quer dizer que eu acordo com água gelada e a culpa é minha é?

— É sim — Marlene respondeu — Principalmente porque estamos atrasados.

— Atrasados? — ele perguntou confuso.

— Sim — Marlene arrumava a bagunça que eles haviam feito no dia anterior enquanto explicava: — Meus pais receberam um chamado urgente do Ministério. Parece que aquele lobo, o Greyback, que é procurado em tudo quanto é lugar foi avistado numa aldeia trouxa. Todos os aurores foram mandados para lá, incluindo seu pai. Então eles mandaram a gente pegar o Nôitibus Andante e ir pra sua casa, e ele vai passar aqui em... — ela parou para olhar o relógio — Três minutos e vinte segundos. Melhor se apressar.

— O quê?! — Tiago gritou, pulando da cama.

— Privilégios de ser chefe dos Auroures — Marlene piscou pra ele — Dois minutos e cinquenta segundos agora — Anunciou — Cadê o Rustie?

Tiago se levantou enlouquecido. Ele não ficara espantado com o fato do Nôitibus agir de um modo estranho. Ele ficou espantado foi com Marlene ter de ir pra sua casa. Como ele e Sirius discutiram o grande plano deles com Marlene ali?

Sirius passou segurando Rustie para colocá-lo na gaiola e Tiago o puxou, para fora do quarto.

— A Marlene não pode ir lá pra casa — ele disse entre dentes.

— Ué, por que não? — Sirius perguntou, abrindo a porta do quarto.

Tiago fechou a porta novamente e olhou-o incrédulo, como se não tivesse ouvido aquela pergunta.

— Se for por causa da história do mapa e da animagia, pode ficar tranquilo. Eu já contei pra ela.

— VOCÊ O QUÊ??!! — Tiago berrou, segurando Sirius pela camisa e encostando-o na parede. Estava furioso.

— Relaxa, ela disse que vai ajudar a gente. Ela até quer virar animaga também — Sirius se soltou e entrou novamente no quarto, deixando Tiago sozinho lá fora.

Sozinho e furioso. Com uma vontade louca de bater em Sirius Black. Ou melhor, bater em Marlene McKinnon. Afinal, quem aquelazinha pensava que era para se intrometer assim em sua vida? Ah, ela ia pagar. E muito caro.

— Olha aqui, se você pensa que vai virar amiguinha dos meus amigos e usá-los para descobrir os nossos segredos e contar tudo pra sua amiguinha Evans e o amigo seboso dela, tu tá muito enganada! — Ele entrou gritando e apontando a varinha para Marlene.

A menina ficou tão surpresa que quase deixou a gaiola de Rustie cair no chão. Mas o susto durou pouco. Logo ela sacou a varinha e a apontou para Potter. Mais furiosa que nunca. Sirius assistia a cena completamente sem ação.

— Olha aqui digo eu, Potter! Quem você acha que é para falar assim comigo? — Ela aproximou a varinha do pescoço dele, e Potter se afastou um pouco da garota — Eu já te dei todas as provas possíveis de lealdade. Ajudei você a se safar da confusão em que se meteu, e vou ajudar você com esse plano insano. E eu não contei nada pra ninguém! Eu sou leal a você, Potter. Só você na vê. E sabe por quê? SABE POR QUÊ? — Marlene berrou, já estava toda vermelha de raiva — Porque você morre de ciúmes de mim. Ciúmes de mim com a Lílian. Ciúmes de mim e do Sirius juntos. Seu ciúme idiota e essa tua rivalidade com o Snape estão te cegando completamente.

— Eu? Tiago Potter, com ciúmes? — ele perguntou, rindo sarcasticamente — Você só pode estar louca, McKinnon.

Tiago queria ofendê-la, mas Marlene não se importou. Ela apenas abraçou Tiago. Desarmando-o completamente.

— Seu grande idiota. Você é um dos meus melhores amigos. Eu morreria antes de te trair.

— Precisava dessa cena toda? — Sirius passou por ele, se segurando para não rir, e anunciou: — O Nôitibus já chegou.

Marlene e Tiago desceram as escadas do Caldeirão Furado correndo. Na pressa, nem se lembraram de que poderiam usar magia para carregar os malões e a gaiola de Rustie. Não poderiam perder o Nôitibus Andante de jeito nenhum. Ou teriam de ir até a casa do Tiago montados em vassouras. E não há nada mais difícil do que voar numa vassoura segurando dois malões e uma gaiola.

— Esperem pela gente! — os três gritaram quando viram que o ônibus já ia saindo.

O veículo deu parada brusca, quase esbarrando numa lata de lixo que ficava na frente d’O Caldeirão Furado. A porta se abriu e de lá saiu um jovem bruxo. Não tinha mais que vinte anos e usava um uniforme roxo. Quando viu os três bruxinhos, abriu um sorriso:

— Bem vindos ao Nôitibus Andantes, o transporte dos bruxos. Em que posso ajudá-los?

— Sou Marlene McKinnon, filha de Oliver McKinnon, chefe da Seção de Aurores do Ministério da Magia. Meu pai mandou que nos levasse até a casa de Fleamont Potter.

— Aí Ernesto, a encomenda acabou de chegar — o bruxo gritou, num sotaque típico das áreas pobres de East End, e então se afastou da porta, para que eles pudessem subir — Me chamo Shunpike. Alfredo Shunpike. E vocês, quem são? — ele apontou para os dois meninos, já que Marlene já havia se apresentado.

Tiago e Sirius se entreolharam, sem saber se deveriam revelar seus verdadeiros nomes. Mas Marlene praticamente dera sua árvore genealógica completa, então decidiram que não tinha problema.

— Tiago Potter.

— Sirius Black.

— Aí Ernesto, hoje a gente vai carregar só gente importante. Potter, Black e McKinnon.

Ernesto, o motorista do ônibus, apenas riu e apertou o acelerador. O Nôitibus saiu andando desgovernado.

— Isso é permitido? — Marlene perguntou, quando o ônibus se espremeu entre dois carros que passavam.

— Ih, Ernesto, a mocinha tá duvidando da magia! — Alfredo gritou e Ernesto soltou sua risada esquisita novamente.

Marlene fechou a cara e foi sentar num banco lá no fundo do ônibus, mas não sem antes ser jogada em cima de duas bruxas não muito amigáveis. Sirius e Tiago iam fazer o mesmo quando perceberam que o ônibus estava indo pelo caminho errado.

— Ei, a minha casa é pro outro lado! — ele falou para Shunpike, que apenas soltou uma gargalhada.

— Aí menino, tu nunca andou de Nôitibus Andante não, né?

Tiago negou com a cabeça e Shunpike se virou pra Ernesto:

— Aí Ernesto, o menino nunca andou no Nôitibus — e voltou-se para Tiago novamente — Deixa eu te explicar: a gente entrega os passageiros na ordem em que eles forem chegando. Vocês foram os últimos a chegarem e vão ser os últimos a saírem.

— Mas têm umas cinco pessoas aqui ainda — Sirius protestou, e quase caiu no chão, com o solavanco que o ônibus deu.

— Se vocês quiserem, podem tomar cerveja amanteigada. Pra encomenda do Sr. McKinnon fica por conta. — Shunpike deu de ombros, mas logo se lembrou de algo: — Aí, você e a menina são filhos de aurores, né?

Tiago confirmou com a cabeça, tendo que se segurar para não cair com a curva que o Nôitibus deu.

— Maneiro. Sempre quis ser auror, também. Mas trabalhar no Nôitibus é tradição de família. Antes de mim foi meu pai, e antes o pai dele, e antes o pai dele e aí vai. E o Ernesto tá aqui antes de todo mundo, não é Ernesto? — ele gritou de novo, e Ernesto assentiu.

Depois de uns minutos de silêncio, quando duas bruxas em idade avançada já tinham descido, Ernesto voltou a falar:

— Aí, já que eles são filhos de aurores, eles podiam contar pra gente a história que tá rolando por aí, não é Ernesto? — o motorista assentiu novamente e Alfredo se voltou para os meninos, que desistiram de tentar se manterem em pé e se jogaram num dos bancos — É verdade mesmo que o Dumbledore anda escondendo um lobisomem em Hogwarts?

Tiago e Sirius ficaram pálidos. Como a história de Remo Lupin chegara aos ouvidos de Alfredo Shunpike e Ernesto?

— Claro que não! — Sirius disse, na defensiva — Quem te disse isso?

— Mundungo Fletcher — Shunpike respondeu — Mas bem que eu desconfiei, não dá pra confiar no Mundungo, não é Ernesto?

— É sim — Ernesto respondeu e, logo em seguida, parou o Nôitibus.

— É aqui que vocês descem — anunciou Alfredo Shunpike.

Marlene, Tiago e Sirius desceram do transporte dos bruxos e foram recebidos por Euphemia Potter. Ela deu uma breve bronca em Tiago, mas logo o perdoara. Euphemia teve o tato de não perguntar a Sirius o motivo da visita, nem o que acontecera na casa dos Black depois que eles saíram naquele jantar fatídico. Apenas disse que as cartas de Hogwarts tinham acabado de chegar e, assim que Fleamont voltasse, eles iriam ao Beco Diagonal comprar o material escolar.

Fleamont mandara um patrono avisando que a caçada a Greyback continuava e que, por isso, não sabia quando voltaria para casa. Euphemia ficou um pouco preocupada, mas seu marido era um dos melhores aurores do Ministério. Não havia motivo para temer. Então mandou os meninos para cama. Marlene ia ficar no quarto de visitas e Tiago dividiria o seu com Sirius.

Quando percebeu que a casa estava silenciosa, Tiago voltou-se para Sirius. Seu rosto estava imerso em preocupação.

— Alguém contou para Mundungo sobre o Remo. — ele disse — E não foi o Hagrid.

— Eu sei. A pergunta é: qual dos professores?

— Não foi um professor.

— Então... Quem?

Sirius perguntou completamente sério. Também não achava possível que algum professor tivesse revelado sobre Lupin. O mais provável é que Mundungo tivesse inventado aquela história, só para contar vantagens, e tivesse acertado na mosca. Mas Tiago não comungava das mesmas ideias que Sirius.

Ele sabia quem tinha contado.

— Foi a Lílian Evans.