Estava a maior barulheira lá embaixo. Pés e malões eram arrastados a todo o momento. Vozes estridentes e grossas misturavam-se aos ruídos nada habituais do Caldeirão Furado. Era simplesmente impossível continuar a dormir daquele jeito e tudo o que Tiago mais gostaria de ter naquele momento era o livro dos “Feitiços Mais Úteis do Mundo”. Com certeza haveria algo ali que abafasse a balburdia incessante.

Mas Tiago não possuía esse livro e nem sequer saberia dizer se ele realmente existia ou era fruto de sua fértil imaginação. Então, nada mais havia a fazer, exceto levantar-se.

Vestiu uma de suas muitas roupas trouxas e, pé ante pé, desceu as escadas. Elas rangiam tanto que ele teve medo que pudessem se soltar. Contudo, nada superou o medo que sentiu ao ver Malcolm McKinnon subindo as escadas de costa, para conseguir arrastar o grande malão que levaria à Hogwarts. No momento em que ele o visse, estaria perdido. Afinal, as Famílias Potter e McKinnon eram amigas há éons...

— Potter?! Você por aqui? — Maxwell gritou, vindo da cozinha e fazendo Malcolm virar-se para ver o outro hóspede.

— Er... Pois é... Sabe como é? — Tiago não sabia o que dizer e sentiu sua voz falhar algumas vezes enquanto falava. Para disfarçar o nervosismo, começou a fingir que ajeitava o cabelo.

— Marley já sabe que estão hospedados aqui? — perguntou Malcolm animado.

— Não, não sabia. E acho isso um absurdo muito grande — Marlene apareceu no topo da escada. As mãos estavam na cintura e os fios presos num rabo alto; ela havia crescido pelo menos cinco centímetros durante o verão e estava muito mais bonita que no ano anterior — Como o meu melhor amigo se hospeda na mesma estalagem que eu e não me informa?

Tiago soltou um sorriso amarelo sem saber o que responder.

— Bom, eu não sei. Só sei que cansei dessa abstinência de magia — Malcolm falou tirando a varinha do bolso e interrompendo a conversa entre Marley e Tiago — Faltam apenas alguns meses mesmo — ele deu de ombros quando o malão levantou-se do chão.

Malcolm seguiu a mala pela escada e Maxwell foi atrás dele. Quando os dois pareciam ter desaparecido pela infinidade de quartos do Caldeirão, Marlene fulminou Tiago com os olhos.

— Você. No meu quarto. Agora! — e virou as costas para o menino.

Potter sentiu o rosto empalidecer. Então Marley sabia sobre seu desaparecimento? Pelo visto, ele estava numa encrenca muito maior do que imaginara. Precisava resolver logo aquilo.

Bateu incessantemente na porta de Sirius até que ele abrisse com sua cara de raiva por ser acordado. Puxou-o, sem deixar que trocasse de roupas, até o fim do corredor. Lá, ele tinha certeza, era o extremo oposto do quarto de Marlene — ela sempre gostava de ser a primeira em tudo — e eles precisavam ficar longe o suficiente da garota naquele momento.

— Que diabos está acontecendo? — Sirius perguntou, coçando o olho remelento — Ainda é de madrugada e...

— Marlene descobriu sobre o nosso desaparecimento — Tiago cochichou rapidamente.

— Quem é Marlene? — perguntou debilmente.

— Quem é Marlene? — Tiago o imitou, afinando a voz para ridicularizar o amigo — Amiga de infância, amiga da família

— Ah, aquela garota que você desprezou o ano inteiro por ser amiga da Lilian? — Sirius perguntou ingenuamente, e então se deu conta das palavras de Tiago: — O quê?! — ele quase gritou, estava surpreso e de olhos arregalados.

Tiago tentou tapar-lhe a boca, mas nem precisou levantar a mão, Marlene parecia ter pressentido a presença dos dois e abriu a porta imediatamente. Tiago nem precisou olhá-la para saber que estava furiosa. E ela nem precisou mandar, eles entraram no quarto e sentaram-se na cama, fitando o carpete vermelho.

— Eu simplesmente não acredito que fizeram isso! — falou de uma só vez, sem nem ao menos respirar, enquanto fechava a porta e caminhava de um lado a outro do cômodo em passadas apressadas — Vocês tem noção do quanto deixaram Euphemia e Fleamont preocupados? Por acaso sabem como todo o Ministério da Magia está procurando por vocês?

Ela parou de andar e apontou seu dedo branquelo para a face de cada um deles antes de continuar:

— Desaparecidos! Vocês dois foram dados como desaparecidos!

— Bem, pelo menos Remo e Pedro ainda estão quentinhos nas suas camas em casa — Sirius ironizou, com raiva por aquilo estar acontecendo naquela manhã.

— Nem me fale daqueles outros dois! — Marlene guinchou — Dumbledore está fazendo o possível para abafar o fato de Remo ter sumido com vocês dois. Ele até o está procurando pessoalmente. Nem quero imaginar o motivo de Dumbledore estar fazendo isso, mas deve ser muitíssimo sério — parou para respirar — Enquanto isso, Pedro já foi praticamente dado como morto. Como morto! — Ela sentou no chão com o rosto escondido nos joelhos e os meninos acharam que começaria a chorar.

— Oh Marley, não foi nossa intenção... — Tiago foi até ela para acariciar-lhes os fios negros.

Marlene levantou os olhos. Faíscas saíam dali. A sede assassina estava possuindo-a.

— Não foi intenção de vocês? Não foi a intenção? E vocês querem que eu acredite? Que não foi a intenção?! — Ela guinchou irritada, avançando para bater em Tiago e sendo segurada por Sirius.

— Ei ei ei, calma aí — disse Sirius — Tiago já apanha demais da Lílian. Apanhar da amiga dela já é um pouco demais, não acha?

A garota abriu um sorriso estreito, porém genuíno, e pareceu se acalmar porque logo em seguida falou:

— Vocês dois irão descer e falar com meus pais imediatamente. Pedirão desculpas pelo transtorno e prometerão que nunca mais farão isso — ela os olhou desafiando-os a contradizê-la.

Nenhum dos dois disse nada e Marlene saiu do aposento esperando que eles estivessem seguindo-a.

— Não olhe para mim — Tiago disse frente ao olhar acusador de Sirius a suas costas — Eu sempre disse que ela era pior que a chata da Evans — e seguiu a menina.

O Sr. e a Sra. McKinnon estavam sentados, cada um, em uma ponta da grande mesa que ficava na cozinha da estalagem. Estavam com as mãos cruzadas sobre a madeira e olhavam fixa e seriamente para os dois meninos. O Sr. McKinnon estava furioso com o trabalho que os garotos haviam dado ao Ministério com a aventurazinha. A Sra. McKinnon, entretanto, escondia o grande alívio que sentia — conhecia o jovem Tiago desde o nascimento deste e permanecera incrivelmente preocupada durante todo o tempo que ele ficara “desaparecido”.

Marlene olhava para os dois soltando fogos pelos olhos. Ela era a única dos irmãos que sabia do desaparecimento dos dois — ouvira a conversa dos pais atrás da porta — e passara noites chorando no quarto com medo do pior ter acontecido. Agora que sabia a verdade, parecia que o ódio impregnara-se nela.

— Então, Sr. e Sra. McKinnon, eu e o Sirius estamos muito arrependidos por tudo isso. Realmente não queríamos causar essa confusão toda. — Disse Tiago, fitando a madeira da mesa, com medo do olhar repreensivo dos pais de Marlene.

— Vocês deveriam levar em conta as consequências dos seus atos, os dois. Poderiam ter topado com bruxos das trevas, lobisomens, dementadores e sabe-se-lá qual a outra sorte de criaturas mágicas perigosas... — começou o Sr. McKinnon, mas foi interrompido por Sirius.

— Ah, qual é — disse o garoto — Nós nem estamos feridos. Foi só uma aventurazinha. Aposto que você já fez coisa pior, Sr. McKinnon — Sirius piscou para o bruxo, no seu famoso sorriso malicioso.

— O que está insinuando, filho? — o velho bruxo tentou manter a calma, mas ainda assim sua voz aumentou um ou dois tons.

— Nada, querido. Sirius só está brincando. Releve. Afinal, também já fomos jovens.

— disse a Sra. McKinnon — Estão perdoados, meninos.

— Obrigado, Senhor e Sra. McKinnon — responderam os dois em uníssono, felicíssimos.

Marlene, ao contrario, fechou a cara. Queria que os dois fossem punidos pelo menos uma vez na vida. Mas, pelo visto, isso não aconteceria hoje.

Tiago e Sirius se levantaram e já estavam rumando para o quarto quando a Sra. McKinnon chamou:

— Ah, Tiago, ligarei para Euphemia e Fleamont e explicarei tudo. Amanhã eu e Oliver poderemos levá-los de volta para casa. — ela sorriu e deixou os meninos continuarem seu caminho.

Sirius fechou os olhos assim que a mulher terminara de falar.

— Lembre-se, eu estou hospedado em sua casa — disse de canto de boca, para Tiago. Em seguida, virou-se para Marlene: — E trate de não me desmentir!

— Tudo bem garotão, mas vocês terão de me prometer algumas coisinhas.

— Que tipo de coisas? — Tiago perguntou, desconfiado e parando na escada, impedindo a passagem dos outros dois.

— Bem, coisas do tipo parar com essa besteira de não falar comigo por causa da Lílian — ela respondeu, empurrando Tiago e indo para o quarto.

— O que deu nela?

Sirius deu de ombros e os dois voltaram ao quarto, para arrumar as mochilas e colocar Remo e Pedro a par de tudo o que ocorrera. Provavelmente, também teria de encontrar uma maneira de fazer os dois chegarem em casa sem que os pais de Marlene desconfiassem da presença deles na estalagem — afinal, isso causaria muitos problemas.

Pela tarde, após pensar muito, Remo encontrou uma solução.

— Quando todos dormirem, eu e Pedrinho podemos sair e usar nossas vassouras para voltar pra casa.

— Como não pensamos nisso antes, Sirius? — Tiago perguntou, jogando um travesseiro em Remo.

— Pois é! Esse cara é mesmo um gênio. Nunca imaginaríamos algo assim. — Sirius jogou outro travesseiro em Remo.

— Ei! O que deu em vocês? — Pedro perguntou, sem entender a gozação.

Sirius suspirou e se pôs a explicar.

— Pedrinho querido, você foi dado como morto. E o Dumbledore foi procurar o Remo pessoalmente. Voltar para casa não resolve o problema.

— Precisamos de uma desculpa. — concordou Tiago.

— Não foi não! — exclamou Pedro, indo até sua mochila e tirando dois pergaminhos dali — Meus pais me mandaram uma carta hoje, perguntando se eu voltaria antes ou depois do almoço. E a mãe do Remo mandou outra, querendo saber como estavam as coisas na casa dos Potter.

— Como é que é?! — Tiago puxou os pergaminhos da mão de Pedro e os leu. Quando terminou, apenas murmurou: — Ela me paga.

E saiu do quarto.