Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 25
Era uma vez


Notas iniciais do capítulo

"Quando for embora, por favor, feche a porta. E não esqueça do que te falei: só porque você está certa, não significa que eu esteja errado."



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“Nós temos muito assunto em comum, mais do que você imagina...” O rosto do Sal piscou no meu subconsciente antes de eu conseguir acordar do pesadelo. Estava gelada e ao mesmo tempo sentia algumas gotas de suor espalhadas pelo meu corpo.

Não foi uma noite fácil, pensei comigo mesma. Durante toda a madrugada eu dormia e acordava, fosse por um sonho ruim ou por uma descarga de adrenalina, talvez meu cérebro não entendesse que o perigo já tinha passado. Nem eu mesma acreditava nisso.

Se a intenção do Sal foi me botar medo, ele conseguiu.

Seu olhar obsessivo, a forma como me confrontou e como queria me obrigar a beijá-lo, além da informação que soube de que ele estava sempre a espreita me observando, me assustaram em cheio.

Nas vezes em eu acordara aquela noite, ia sempre até a porta de casa para ter a certeza de que ela estava trancada e com as travas de segurança. Claro que era exagero, mas quando se está com medo, até as ações mais bizarras são perdoáveis.

Fiquei ali, deitada na minha cama, repassando a última noite e tentando me convencer de que aquele era o jeito “brincalhão” do Sal, mas não tive sucesso.

Andei pela casa e reparei que estava vazia. Perto do telefone um bilhete da vó Paulina: “Lia, fomos ao shopping e seu pai está de plantão. Tem almoço na geladeira, esquente e cuide-se.”

Suspirei e olhei em volta, eu adorava ficar sozinha no meu quarto, mas adorava isso quando tinha a certeza que tinha alguém em casa. Uma falsa sensação de solidão, por assim dizer.

A campainha tocou. Meu corpo se enrijeceu.

“Aquele cara... Ele tem te observado, sabia? Sempre que você volta da faculdade, ele está no parquinho, ou no Misturama, ou no raio que o parta.” As palavras de Dinho ecoaram rapidamente na minha cabeça.

Se for verdade que o Sal estava contando cada passo meu, talvez ele tenha visto que a minha avó e a Tatá tenham saído, talvez até já saiba os horários de plantão do meu pai e constatou que estou sozinha. Não viaja, Lia.

Caminhei na ponta dos pés até a porta e encarei o olho-mágico para saber quem estava do outro lado, respirei aliviada ao ver o Severino esperando para ser atendido.

“Oi Severino.”

“Opa, Dona Lia, bom dia! Tá tudo bem? Você tá branca!”

“Não, tá tudo bem sim! Só eu que estou precisando tomar um sol mesmo.” Sorri, sentindo o medo sair do meu corpo aos poucos.

“Só vim entregar a correspondência mesmo!” Ele me deu alguns envelopes e se despediu.

Apenas por hábito, dedilhei os papéis e passei os olhos pelos nomes os quais as cartas estavam endereçadas.

“Lorenzo, Lorenzo, Lorenzo... Lia Martins?” Estranhei de imediato. Quase nunca recebia cartas, a não ser pelos cartões de aniversários que a Raquel mandava, mas aquela não era sua caligrafia.

Abri a carta com curiosidade.

“Aula da Saudade!

O Colégio Quadrante - Unidade Rio de Janeiro convida os alunos da sua última turma de terceiro ano para uma festa na quadra do colégio. O intuito é reunir os amigos para uma noite especial, repleta de saudade e para unir passado e presente. Venha participar!

Assinado: Diretor Mathias.”

Era um convite, o fundo era uma foto da minha turma de colégio em nosso terceiro ano e em cima da foto as letras e as palavras cheias de pompa do nosso diretor. A data estava no canto, seria no próximo fim de semana.

Sorri comigo mesma e me animei imediatamente. Pensei em ligar pra Ju e perguntar se ela já tinha recebido o convite dela, mas lembrei que estava fugindo dela e que seria muita cara-de-pau ligar para ela sem querer dar explicações, mas falando de uma festa.

A campainha tocou novamente.

“Esqueceu de algum envelope, Severo?” Voltei rindo até a porta e a abri.

“Bom dia!”

O sorriso de Vitor avançou com força pela minha cabeça. Havia esquecido de como ele era bonito, aliás, acho que não fiz esforços nem para lembrar.

Desde que ele precisou ir para a Brasília auxiliar na saúde do pai, nós mal nos falamos; com exceção de alguns telefonemas, algumas mensagens no celular e outros poucos e-mails, todos repleto de ironia da minha parte e uma tentativa de me controlar da parte dele.

“Vitor?” Não consegui esconder a surpresa.

Ele entrou pela porta e envolveu minha cintura com seu braço, enchendo meus lábios de selinhos e fazendo um carinho, com sua mão livre, na minha nuca que puxava para si.

“Que saudades, minha linda.” Ele falou entre beijos.

“Você voltou? Não me avisou nada.” Me afastei assim que pude, fechando a porta atrás de nós e caminhando até o sofá, sendo seguida por ele.

“Resolvi fazer uma surpresa! Só iria voltar na próxima semana, mas meu pai deu uma boa melhorada e minha mãe me liberou pra voltar. Sabe como é, eu estava perdendo muita aula na faculdade e faltando o emprego, achei melhor acelerar as coisas.” O motoqueiro falou sorrindo.

“Hum, claro. E como seu pai está, afinal?” Perguntei, sem muitas emoções.

Achei que quando o visse, as coisas iriam melhorar e eu perceberia o quão lindo, perfeito e maravilhoso era o meu namorado. “Príncipe Vitor”, lembrei-me do Dinho falando e quis rir, mas me policiei a tempo.

“Melhor. O problema dele é estresse. Coisa de trabalho, alguns desentendimentos com minha mãe e com o Sal. Ele nem viajou, o Sal, disse que não tinha paciência...Meu pai ficou irado, preocupado com ele aqui sozinho.”

“E com razão.” Soltei sem pensar.

“O quê?”

“Nada não. Que bom que as coisas estão melhores, Vitor...”

“Encontrei com o meu irmão hoje, ele foi me pegar no aeroporto. Ele me falou que esbarrou em você ontem, tentou te ajudar e você não quis.”

Sabia que o Sal não terminaria por aí, o show dele só estava completo quando ele fosse a perfeita vítima. O Vitor só estava esperando que eu falasse algo, talvez para me dar a chance de ser sincera e me “entregar”, mas eu não estava com paciência para jogar esse jogo.

“Disse também que um maluco de cabelo cacheado quis arrumar briga com ele, fez ameaças e até o empurrou. Pela discrição deduzi que era o Dinho.”

Fiquei irritada de imediato. Ele falava como se eu estivesse escondendo um crime, como se estivesse solucionando o caso e me confrontando com as provas.

“É, Vitor. Era o Dinho.” Bufei.

“Lia, qual é a desse cara? Primeiro aquela cena lá no Misturama e agora querendo tirar onda com meu irmão?”

“Ele não quis tirar onda com o Sal, Vitor.”

“Ele fica te cercando, chegando em você pelas beiradas. Fala a verdade! O que rolou quando eu tava fora? Vocês dois ficaram?”

“Como é que é?” Tic tac, tic tac, iria explodir a qualquer segundo.

“Estou perguntando se vocês dois ficaram. Eu reparei na sua mudança de comportamento desde que ele chegou, e convenhamos que nas últimas vezes que nos falamos você foi fria e evasiva. Agora eu volto, descubro que ele ameaçou meu irmão para que ele pudesse te levar em casa? Você sabia que o empurrão que ele deu no Sal machucou a mão do meu irmão?”

Tarde demais. A bomba explodiu.

“Não sei por que diabos você está me questionando alguma coisa. Você já chegou aqui com sua história pronta, com respostas para suas perguntas e com uma verdade incontestável. Pra que veio, então?”

Vitor pareceu surpreso com minha reação. Durante nosso namoro, vinha tentando conter esse meu lado explosivo. Já havia deixado minhas roupas rasgadas e minhas mechas de lado, depois comecei a aceitar suas opiniões sem questioná-lo muito, procurava manter tudo em ordem e fazer ser perfeito.

O Vitor era um príncipe e eu queria ser sua princesa, mas o meu lado de rainha transloucada falou mais alto.

“Eu... bom, não queria te acusar de nada, só estou contando o que aconteceu.”

“Contando o que aconteceu?” Ri sarcástica. “Você nem sabe o que aconteceu, Vitor! Você sabe o que o Sal te contou. Ele é quase como seus olhos e seus ouvidos, mas fique sabendo que até nossos olhos e ouvidos podem nos enganar as vezes.”

“O que tá querendo dizer?” Ele começou a se armar, como sempre fazia quando eu questionava a índole do irmão mais velho.

“O que eu estou querendo dizer é que o Sal mentiu pra você. Aliás, ele contou a verdade que ele quis! Ele realmente quis me ajudar com a guitarra e também quis me levar até em casa, mas eu não quis que ele fizesse. Sabe o que ele fez depois da minha rejeição? Me segurou com tanta força que eu estou com marca nos braços até agora! Quis forçar que nos beijássemos.”

“É claro que ele não fez isso, Lia. Você deve ter entendido errado.”

“Não Vitor. VOCÊ entende tudo errado! O Dinho apareceu pra me ajudar. Empurrou o Sal para que ele me soltasse porque eu estava gritando no meio da rua, tentando me livrar do seu irmão. Se ele machucou a mão, eu não dou a mínima! Coisa que eu duvido muito, pois quem caiu no chão foi eu, o trabalho do Sal foi apenas sair com o rabo entre as pernas.

“Ele não faria isso. Te machucar! Isso é absurdo, Lia.”

“Absurdo por quê? Um cara que é capaz de livrar a própria cara mandando o irmão mais novo pra cadeia, não me parece achar absurdo tentar agarrar alguém a força.”

“Para, Lia. Você sabe que não gosto de falar sobre isso e que o Sal não tem nada a ver.” Vitor tinha a mania irritante de ser controlado até quando estava descontrolado.

“Para você, Vitor. Abre teu olho! Teu irmão não é nada do que você pensa ser e você sabe disso, só não quer entregar os pontos. Agora não vem querer que eu também ache que ele é um santo e que tudo que ele fala e faz é pelo bem, porque não é.”

“Você não sabe o que o Sal passou e nem como ele é.”

“Sei que ele não tem escrúpulos e que tem inveja do irmão o suficiente pra tentar agarrar a namorada dele e ainda querer dizer que quem fez isso foi o Dinho.”

“Ah, claro! Tudo se trata do Dinho, certo? Esse escândalo todo é para defendê-lo. O Sal é o vilão e o Dinho o mocinho!” Ele estava alterado.

“NÃO, VITOR! NÃO! O mundo não é um conto de fadas onde você é o príncipe, o Sal seu escudeiro, o Dinho o vilão e eu a princesa indefesa! Todo mundo erra nessa vida, sabia? Inclusive o Sal. E você sabe disso, ele já errou com você. Você quer tanto ser perfeito que prefere esconder a podridão dos outros do que assumir qualquer coisa.”

Vitor engoliu em seco, estava sem argumentos.

“E quer saber? Eu quase deixei que seu “reino encantado” se tornasse meu. Eu passei a me vestir como sua princesa, a falar como ela e a me comportar como ela, deixei que você me controlasse, que comandasse minhas emoções e até meu modo de falar, mas eu não sou assim.” Ri de mim mesma, estava constatando algo que há muito tempo eu deveria ter percebido. “Eu sempre gostei de ser eu, cheia de problemas e defeitos, de me vestir da forma como eu me sentia, de fazer as coisas que eu queria fazer... Eu não quero ter amarras, Vitor. Eu não quero ser como você.”

Encarei os olhos azuis do cara que há um ano atrás, me atropelara na porta de casa e mudara minha vida.

“Lia...”

“Vitor.” Me ajoelhei a sua frente no sofá. “Você me ajudou muito, foi um amigo maravilhoso e me fez sair de um buraco no qual eu estava enterrada. Eu sou grata a você, muito grata, mas não é justo eu estar com você por gratidão, pra pagar uma dívida... Eu cansei, Vitor.”

“Está terminando comigo?” Perguntou, perturbado.

“Estou voltando comigo.” Sentei na mesinha de centro, de frente pra ele.

“Mas eu sou sua melhor opção, Lia. Eu nunca te magoei como ele fez!”

Sabia que ele falava de Dinho e sabia que ele tinha razão sobre nunca ter me magoado.

“Não é por causa do Dinho, Vitor. É por causa de mim. Eu quero ser a Lia, essa é a minha melhor opção. Não você.”

Ele respirou fundo, fazia esforço para se controlar. Pedi aos céus para que ele não insistisse e o divino pareceu atender meu pedido. Ele me abraçou com força e caminhamos juntos até a porta. Antes de ir, ele olhou para trás.

“É verdade o que disse sobre o Sal?” Aquilo parecia importar mais do que qualquer coisa.

“Sim. E você pode não concordar, mas isso não significa seja mentira. Abre o olho e se cuida, tá?"

Ele concordou com a cabeça e trocamos um último beijo.

Ao fechar a porta atrás de mim, me senti livre como há muito tempo não sentia.

Voltei ao meu quarto e me tranquei ali durante horas. Quando minha avó e minha irmã voltaram para casa, eu já estava com mechas nos cabelos e o guarda-roupa customizado.

“Já voltaram?” Perguntei as duas.

“Não Lia, você voltou!” Falou minha irmã caçula enquanto me abraçava aos risos.



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Notas finais do capítulo

Capítulo by: Mariana R.

"E eles viveram felizes para sempre..." ... SÓ QUE NÃO! OBRIGADA, senhor! Finalmente a Lia deu um "Pé na bunda" do 'motoqueiro encantado' e agora ele terá que levar sua 'motoca envenenada' para rodar por outras estradas. Esperou ansioso por isso? Gostou? Comente!