Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 64
Por favor, não!


Notas iniciais do capítulo

"O amor pode nos tocar uma vez e durar uma vida. E nunca nos abandonar até termos partido. Amor foi quando eu amei você, um momento verdadeiro a qual me seguro."... (Celine Dion)



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“Droga de sinal!”

Arremessei o aparelho celular em cima da cama sem temer quebra-lo. Estava num estado de nervos terrível, sem noticias de Dinho, Bruno ou Fatinha nem de como estava o bebê do casal. Tinha vontade de ir ao hospital, mas a chuva incessante me deixou de mãos atadas, pontos de alagamento por toda a cidade me impedia de chamar um taxi.

“Calma aí, Lia! Se não quiser o celular pode dar pra mim que eu aceito.”

“Não enche Tatá, será que não vê que esse não é um bom momento?”

Disparei ríspida contra minha irmã sentada na sua cama. Constancia não revidou como eu esperava e isso me chamou a atenção, eu reparando pela primeira vez no seu olhar tristonho desde que retornei do apartamento de Dinho.

“O que foi que rolou, Tatá? Por que essa cara?”

“Essa é a única que eu tenho e se isso é um problema, ele é todo seu!”

Porém, a resposta mal criada sussurrada não atingiu o efeito que era me ferir. Algo tinha acontecido com minha irmãzinha e inconscientemente sabia que tinha a ver com nossa ‘presente’ mãe, Raquel.

“Vem cá, fala o que tá rolando. ‘Cê’ sabe que pode me contar tudo, né? A gente é irmã e também amiga.”

Sentei-me ao seu lado. Tatá virou o rosto para a direção da parede, uma lágrima que ela tentava conter, escapando dos olhos.

“Você tava certa. O tempo todo, sobre tudo, mas eu nunca aceitei isso – Constância me olhou, os olhos refletindo uma dor tão conhecida para mim – Ela, ela nunca vai mudar, Lia. Nunca, eu pensei que se a fizesse se sentir bem, que se a amasse acima de tudo, ela ficaria. Por mim. Mas hoje quando eu fui ao quarto dela lá no Hostel, eu achei uma passagem de avião. Ela vai embora e nem me disse, ia sumir do nada e eu que me dane.”

“Não é assim, Tatá! Talvez você tenha entendido errado...”.

Tentei remediar o que não tinha remédio.

“Sério que você vai me falar isso? VOCÊ?! Pensei que ficaria feliz, afinal, vê-la pelas costas é tudo o que você queria, né? E quer saber, é o que eu quero também! Quero que ela vá pro raio que a parta e que nunca mais volte! Meu coração não é tiro ao alvo para ela praticar nele! E eu to tão cheia disso tudo, das chegadas, das despedidas... TO CANSADA DE TER QUE PEDIR O QUE DEVERIA SER MEU DESDE SEMPRE!”

“Tatá...” Murmurei surpresa pela explosão emocional dela.

Minha irmã sempre foi tão compreensiva com o jeito de ser da nossa mãe, a amava tanto, mas ali, cuspindo com tanta raiva àquelas palavras, não sei se era mais assim. E o mais duro para mim foi ver nela eu mesma, anos atrás quando desisti de esperar por algo que nunca chegaria. Então era assim que me viam? Era assim que eu ficava quando a Raquel ia embora? Não podia imaginar, não podia acreditar que era assim tão... Doloroso.

“Mas a culpa é minha! Eu sou a culpada por tudo! TUDO! TUDO!”

Não, não, não! Via a historia se repetir na minha frente.

“Não vou deixar isso acontecer, não com você!”

Saí da cama e caminhei para a porta.

“Lia? Aonde você vai? – Indagou-me ela enxugando o rosto molhado – Tá tarde, ‘Cê’ não pode sair nessa chuva!”

“Chovendo ou não, isso não pode esperar. Tá na hora de esclarecer algumas coisas... Me faz um favor? – Tatá acenou afirmativamente – Se a vovó perguntar, diz que eu to na Ju ou inventa uma desculpa qualquer.”

“E se o Dinho ligar?”

“Diz que eu to no Hostel, mas só para ele tá?”

“Uhum... Lia você não vai brigar vai? Não quero que você fique mal.”.

“Eu não vou.”

E era verdade. Não queria brigar com Raquel, mas também não podia permitir que ela fizesse com minha irmã o mesmo que fez comigo.

Fui ate o Hostel, o capuz do casaco na cabeça não foi o suficiente para me proteger da água que caia do céu. Estranhamente, pensei que ele também parecia que iria desabar. Ao chegar lá, Michel já se preparava para fechar o estabelecimento.

“Espera Michel, por favor!”

“Lia? Que ‘Cê’ tá fazendo aqui? Já passam das dez!”

“Eu sei, eu sei que não pode entrar mais ninguém no Hostel, mas, por favor, é importante. Eu preciso falar com minha mãe.”

“Não dá para esperar ate amanhã?”

“Não, tem que ser hoje. Eu já to esperando há oito anos.”

Não sei se foi meu tom de voz emocionado ou minha postura decidida que o fez permitir minha entrada, mas só podia agradecer enquanto subia as escadas. Michel não entendia, mas respeitava e mesmo que estivesse com medo, era chegada a hora.

“Lia? Você aqui?”

“Eu sei, é uma surpresa. Será que a gente pode conversar?”

Raquel hesitou, talvez estivesse com receio do que faria a ela, o que era bem engraçado, pois embora tivesse herdado o seu talento, só ela sabia como ferir tão bem uma pessoa, principalmente, uma filha.

“Claro, entra!”

Adentrei no quarto simples, mas o suficiente para alguém que não tinha pouso certo. Era perfeito para Raquel e tudo o que lhe era essencial, mas tão frio. Não em relação ao clima, mas a ausência de algo que lhe ligasse as pessoas. Lá em casa tinha tantas coisas minhas e da Tatá, fotos, objetos, desenhos presos a geladeira. Coisas que penso existir em qualquer casa, em qualquer família.

“Não é um palácio, mas é razoável para se ficar um tempo.”

Falou Raquel chamando a atenção para o fato de eu analisar tão descaradamente o seu quarto.

“Nunca sonhei com palácios...”.

“É verdade! – Ela sorriu ao lembrar-se de algo – Você detestava que te vestissem de princesa, odiava vestidos e odiava rosa. E quando eu lia historias do tipo cinderela, Branca de neve, você ficava furiosa comigo por não admitir que elas mesmas não se salvassem. Eu tentava te explicar que era assim nas histórias, mas você batia o pé e dizia que preferia inventar a sua própria.”

“Não me lembro disso... Acho que era pequena demais.”

“Ou talvez tenha desejado tanto apagar as lembranças ligadas a mim que isso acabou acontecendo... Mas então, por que veio aqui há essa hora? Sua avó sabe onde você está?”

Ela cruzou os braços em frente ao corpo.

“Não.”

Esperei que ela me repreendesse, não que importasse, mas não. Ela só me olhou nos olhos.

“Já esperava por isso! Você não mudou nada filha, continua igual à antes.”

“Não, Raquel... Muita coisa mudou, eu também. Talvez exista muito da menina que você conheceu, mas ela não é tão presente em mim. Só que você não tava aqui para ver isso acontecer, e ao que parece, não estará aqui para ver a Tatá também... É por isso que eu vim, por ela.”

“Algum problema com sua irmã?”

Vi uma genuína preocupação na mulher, mas acho que meu senso de descrença me impediu de acreditar que era sincera.

“Se você considerar minha irmã chorando sem parar lá em casa, acho que sim. Ela tem um problema: você! – Apesar das duras palavras, não elevei minha voz – Ela encontrou por acaso uma passagem de avião no seu nome, e como eu bem sei, ela se deu conta de que você nunca vai ficar. Nem por ela.”

“E você veio me cobrar explicações? Me acusar de ser uma péssima mãe?”

Raquel armou-se em defesa. Cobrar? Acusar? Pedir? Não para todas as perguntas.

“Não... Apesar de ser uma boa forma de aliviar minha raiva, gritar, brigar com você nunca foi a resposta. E eu levei oito anos da minha vida para entender isso, oito anos acredita? Tanto tempo desperdiçado com uma angustia que nunca foi problema ou culpa minha. Eu não quero brigar, eu só quero conversar sobre a gente... Mãe.”

Mãe. Era uma palavra estranha para mim, mas era o que ela era: minha mãe.

“Eu te amo, sabe? Eu posso dizer que não, mas é a verdade. Não sei porque, mas eu ainda tenho amor por você. Tenho pensado sobre isso, e depois do que você falou... Talvez a menina que ouvia suas histórias seja a explicação para essa pergunta... E talvez também, por isso foi tão difícil para mim aceitar que você fosse embora e me deixasse para trás. Te acusei de abandono, mas não foi isso que você fez. Você me deixou com meu pai, que cara, é maravilhoso! Sem falar que a vó Paulina também sempre foi muito boa comigo, mas apesar disso, pra mim não era o suficiente. Faltava uma parte tão importante... Faltava você. Em todos os momentos, eu só pensava porque você não tava comigo. Porque.”

“Lia, eu já expliquei, eu não...”.

“Não era feliz? – A interrompi – Eu sei e agora vejo que foi muito egoísmo meu querer te prender numa vida que não era para você. Entenda, eu era uma criança, que tinha uma família completa e do nada vê a mãe indo embora, não foi fácil... Mas a distância física nunca foi o ponto, o que me machucava era a falta de noticias. O distanciamento emocional com o qual você agia. Sei que você me ama e ama a Tatá, da sua forma, mas ama. E eu tentei, tentei entender esse amor sem laços, sem raízes, mas era tão difícil porque o meu amor é tão... Como eu posso dizer? Cheio de amarras? É, é isso. Meus sentimentos são fincados tão fundo dentro de mim que eu não sei entender pessoas que sentem diferente... Mas enfim, essa é você e você não sou eu.”

“Mas nós temos semelhanças, sim? Eu sempre vi muito de mim em você e pensei que talvez fosse gostar disso. Não era a minha intenção magoar você ou o seu pai, ou mesmo a Tatá. Mas assim como você, eu não sei ser diferente. Eu queria muito, muito mesmo, mas eu não sei ser assim.”

“Um dia, alguém disse que somos o que somos e isso não dá para mudar. Acho que é bem por aí que funciona... Mas sei lá, não precisava ficar aqui, mas também não precisava ficar tão longe né? Sei que a vida de quem vive pelo mundo é meio confusa, mas você tem pessoas que se preocupam com você. E não custa nada, apesar do seu amor livre, mostrar um pouquinho de apego. Uma carta, um telefonema, uma visita que demore mais... Não to te pedindo pra ficar, e nem to te pedindo para ir embora. Se quiser pode ir, eu não vou mais te acusar de abandono ou algo do tipo, é a sua vida. E se quiser ficar, eu... Eu acho que seria legal, sabe? Pela Tatá, talvez até um pouquinho por mim também. Você escolhe. E independente de qual decisão você tome, meus sentimentos não vão mudar. Confesso que já senti muita raiva de você, mágoa, pensei ate sentir ódio... Mas era só tristeza. Uma tristeza tão grande, mas passou e no lugar ficou só um vazio. E eu não quero isso para mim, eu não vou viver minha vida em função de você , mãe. Não mais. Você sabe onde me encontrar, e se a qualquer momento quiser me ver... Tudo bem. Não prometo esquecer tudo, apagar o passado nem pensar, mas daqui pra frente pode ser diferente.”

Caminhei ate a porta, a mão girando a maçaneta, meu coração mais leve do que nunca esteve.

“Lia... Será que vai me perdoar algum dia?”

“Eu não tenho do que te perdoar, Raquel... Mas se você acha que errou comigo, tente fazer diferente com a Tatá. Eu já sou um caso perdido, mas ela te ama muito, e você tem chance com ela.”

“E com você?”

Sussurrou baixinho, os olhos rasos d’água. Vê-la tão vulnerável, tão diferente da pessoa horrível que criei na mente me fez querer dizer que sim, mas eu não mentiria.

“Não... Mas o tempo é um bom conselheiro e se é verdade que ele cura tudo, bem, talvez um dia quem sabe?”

Saí pela porta e desci as escadas sem notar o que fazia. Na recepção, Michel aguardava pacientemente para fechar o Hostel.

“Valeu, Michel... Eu nem sei como agradecer.”

“Tudo bem...”.

Ele olhou para a fora em busca de algo

“Algum problema?”

“Não, eu só tive a impressão de ver algo, mas acho que é só minha mente cansada me fazendo imaginar coisas. Boa noite, Lia.”

“Boa noite!”

A chuva decidiu dar uma trégua. A rua estava deserta, só me restava voltar para casa. Caminhei a passos lentos, meus pensamentos longe. Distraída, cheguei à entrada do prédio quando fui agarrada com força por trás, uma mão na minha boa para me impedir de gritar. No inicio pensei ser um assalto, mas a voz melodiosamente nojenta junto ao meu ouvido negou minhas suspeitas.

“Achou mesmo que seria tão fácil se livrar de mim, Marrentinha?”

“Sal?”

Falei contra a mão, minha voz mais um grunhido de raiva e pavor.

“Quem é vivo sempre aparece, né? E eu estou bem vivo, Lia. Tanto que tenho a intenção de acertar contas com você e com aquele intrometido do seu namoradinho. Eu disse que vocês pagariam, e é o que vai acontecer!”

Sal, mais forte que eu, nos arrastou pela calçada ate uma parede próxima.

“Fala aonde tá o seu namoradinho, fala! Prometo que não te machuco, mas não posso dizer o mesmo dele.”

“Não!” Gritei, mas foi inútil.

“Resistir é perda de tempo, você sabe! Por sua culpa fui obrigado a voltar para Brasília, meu irmão não confia mais em mim, minha vida se tornou um inferno com acusações. Ele se meteu com a pessoa errada e advinha só quem vai pagar por isso? Você, Marrentinha!”

“Por favor, não...”.

“Shhh! Cala a boca, antes que eu mude de ideia a quanto te machucar. Eu não perdi tanto tempo te observando hoje e aquele idiota pra por tudo em risco agora! Ele ter saído foi um atraso, lógico, mas certamente não o fim dos meus planos!”

Estava sem saída, ninguém para me ouvir ou salvar, e por mais que quisesse que Dinho me livrasse de Sal, pedia a Deus para mantê-lo longe naquele momento. Não queria que se machucasse, e a forma insana de Sal falar e agir era prova mais que o suficiente que era o que pretendia. Eu não podia permitir que ele fizesse isso.

“Oh, está rezando Lia? – Debochou irônico – Parece que o cara lá de cima não é teu amigo, olha só quem tá chegando!”

Para meu azar, o carro de Dinho estacionava diante do meu prédio. De onde estávamos não podíamos ser vistos, e atento a isso, Salvador me agarrou ainda mais forte. Meu corpo ficou tenso ao sentir um objeto estranho na cintura do maldito e concluí desesperadamente que se tratava de um revolver.

Munida de uma força além de mim, me debati e mordi a mão de Sal. Ele gritou e consegui correr, Dinho tinha saído do carro e caminhava para o meu prédio, mas parou quando me viu.

“Lia?”

“DINHO, CORRE!”

Mas ele não o fez, e o sonho ruim que tive na noite passada voltou na minha mente, só que dessa vez era real. Um aviso sobre o que estava para acontecer.

O grito de desespero era o meu, o som semelhante ao de escapamento de carro era, na verdade, o de uma arma ao ser disparada. A imagem embaçada era a de Dinho caindo no chão, minha visão turvada pelas lágrimas.

Em algum momento, enquanto eu corria, Sal sacou o revolver e atirou, mas não em mim. Foi em Dinho. Foi tudo tão rápido, tão irreal, mas a dor que eu sentia, apesar de não existir um ferimento era forte demais para ser mentira.

Cambaleei ate ele, caindo de joelhos ao seu lado. Toquei com os dedos o ferimento na altura do peito esquerdo, sangue escorrendo dele.

Deus, não podia acreditar!

“Por favor, por favor Dinho! Fala comigo, por favor!”

Mas ele não disse nada... Parecia morto.

“Eu vou matar você!”

Foi a promessa de Sal contra Dinho no dia do meu aniversário, e por minha omissão ela estava se cumprindo.

“ATIRA! ATIRA EM MIM!”

Pedi a aquele que atirou na pessoa que eu mais amava na vida. Eu não queria viver, não se Dinho também não vivesse.

Sal ainda permaneceu por alguns instantes, a arma em punho, apontada para mim. Era só puxar o gatilho e tudo teria fim, era só puxar o gatilho. E a dor iria embora.

“ATIRA!” Gritei novamente.

“E te matar? Não, eu já consegui o que eu queria! Te matar seria muito fácil, seria o mesmo que te presentear. Seria como te enviar para o inferno junto dele, para viverem juntos pela a eternidade. Não Lia! Você vai pagar aqui, sem o seu amorzinho de infância e sabendo que a morte dele foi culpa sua! Viver com ele morto vai ser o seu calvário!”

“A morte dele foi culpa sua...”. “Viver com ele morto...”.


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Notas finais do capítulo

:** Opiniões, criticas, sugestões... No aguardo de reviews, hein? Vamos ao proximo! Beijos!



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