Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 24
Alguém que eu conhecia (Parte 2)


Notas iniciais do capítulo

"E eu nem preciso do seu amor, mas você me trata como um estranho e isso é tão duro."



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/329760/chapter/24

Passaram-se duas semanas desde o episódio no Hostel, mas a frequência com que eu reprisava os fatos continuava a me perturbar. Qualquer momento de ócio vinha aliado a um de extrema angústia ao lembrar-me do Dinho e da Ju deitados na mesma cama, abraçados depois de uma noite juntos.

Às vezes, durante a aula da faculdade, enquanto o professor ensinava a melhor forma de se chegar a uma nota na guitarra, meus pensamentos me levavam para longe e nem a minha maior aliada dos momentos difíceis, conseguia me trazer de volta. Porém, era de noite, o pior momento. Eram naqueles minutos, com um resquício de consciência, que minha cabeça me fazia uma série de perguntas e elas sempre terminavam na pior de todas: porque não assume o que sente, Lia?

Desde a situação constrangedora tenho fugido da Ju como o diabo foge da cruz, fiz um verdadeiro cronograma para evitar qualquer tipo de encontro com ela.

Antes, íamos para faculdade juntas – ela na Moda e eu na Música, ficávamos no mesmo núcleo de arte da universidade, portanto, no mesmo prédio -, depois, passei a sair mais cedo para a aula e só voltava muito tempo depois, quando tinha certeza que ela estava ocupada em eventos, fazendo trabalhos ou simplesmente havia ido a academia.

Treinei uma série de mentiras com minha avó e irmã, de forma que nos últimos quinze dias eu já estive tantas vezes com dor de barriga, que se fosse verdade, o encanamento do prédio não seria mais o mesmo.

Suas ligações e mensagens também eram ignoradas e caso algum dos três planos falhasse, eu dava um jeito de me esconder ou fingir que não a via quando ela gritava por mim na rua ou na porta de casa.

O Dinho...Bom, não me procurou na intensidade da minha melhor amiga, mas observei que ele aderiu ao hábito de estar sempre comendo algo nas mesas de fora do Hostel quando eu voltava altas horas da noite da faculdade.

Nas vezes que percebi que ele se levantava da mesa ao me ver, tratava de acelerar o passo ou fingir que estava no celular. Uma vez, no desespero por não encontrar o telefone na bolsa, fingi que estava ouvindo música e só lembrei quando já estava no elevador, que não tinham fones nenhum nos meus ouvidos. Ridícula.

Sempre fui boa nisso: fugir. Acho que é a única coisa que faço melhor do que tocar guitarra.

Numa sexta-feira, voltando da faculdade até mais tarde do que o necessário devido a uma aula extra, voltava cansada e sem forças para me esconder de ninguém.

Ainda bem que hoje é sexta, dia de happy hour da Moda! Agradeci interiormente por meu cérebro lembrar desse detalhe, afinal, a Ju era a responsável pela organização do evento e com certeza não estaria por alí esperando para me pegar no pulo.

Trazia a guitarra nas costas e cantarolava distraída até sentir um solavanco no meu braço, seguido com a ausência de peso que antes eu carregava. Alguém puxara a bolsa com meu instrumento.

“Mas que merd...” Virei irritada.

“Boa noite, cunhadinha!” O sorriso extremamente sedutor brilhava no rosto de Sal, irmão do meu namorado.

“Sal?” Estava tão cansada que não pude evitar o tom de desprezo, apesar de que meu corpo se tornou rígido e meus batimentos aceleraram.

“Voltando da faculdade uma hora dessa? Deixa que eu levo essa guitarra, você parece cansada."

“Não precisa não. Me dá ela aqui, por favor, tô com pressa.” Avancei para tomar meu instrumento de volta. Ele recuou.

“Calma aí, Lia. Qual o problema de aceitar uma gentileza do seu cunhado? Eu só quero te levar em casa.”

Não precisa me levar em casa. Sei o caminho.” Falei entre dentes, encarando-o com impaciência.

“Qual é, garota? De onde é que tu tirou essa marra toda?” Seu sorriso, antes convidativo, fechou-se numa expressão de visível contradição.

Cai fora, minha cabeça alertou. Virei a cabeça para montar uma estratégia: estava quase diante do Hostel, se eu corresse, conseguiria entrar lá. Mas, ao voltar a encarar o meu “cunhadinho”, engoli em seco: ele era enorme e era óbvio que correria mais rápido que eu. Instinto de sobrevivência faz milagres, recebi um incentivo do meu subconsciente e lembrei-me das zebras que conseguiam escapar dos leões, seus predadores.

“Sal, na boa? Eu estou cansada. Me dá a droga da guitarra e me deixa ir, tá legal?”

“Eu vou te levar em casa, Lia. Quero conversar com você.” Seu olhar brilhou e aquilo fez com que eu me arrepiasse.

Ele estava falando sério.

“Conversar sobre o que? Sobre o Vitor? Eu acho que você deveria ir a Brasília ajuda-lo com seu pai, pelo que conversei com ele, seu velho está precisando de companhia e vocês podiam dividir as coisas.” Falei, tentando evitar mais delongas.

“Não é sobre isso que quero falar com você. É sobre outra coisa.”

“Não sei qual outro assunto à gente possa ter em comum.” Respondi no meu instinto de defesa.

Ele agarrou meu braço com força, enquanto encostava a guitarra de qualquer jeito no poste ao nosso lado, e voltava seus dois membros para me segurar.

Sentia suas unhas penetrarem na minha pele e aquilo me machucava, mas o medo era muito maior.

Sal, irmão mais velho do Vitor, sempre fora problemático. Esteve metido com gente da pesada e nada me tira da cabeça que o Vitor foi preso para acobertá-lo, apesar da história sempre ter ficado do “dito pelo não dito”.

Desde que nos conhecemos, me colocou medo pelo jeito intimidador como me tratava, apesar de eu manter as aparências. Nosso último encontro fora interrompido pela Fatinha, que aparentemente, tinha a mesma visão sobre.

Torcia para que a periguete aparecesse de novo, mas o silêncio na rua me fazia cair na real. Eu estava sozinha com ele.

“Nós temos muito assunto em comum, mais do que você imagina...Você gosta de rock, gosta de ser livre, gosta de aventuras e se mete em problemas. Eu sou exatamente igual.” Ele voltou a sorrir.

Me perguntei como ele sabia tanto ao meu respeito, afinal, nossas trocas de palavras sempre foram resumidas e sem detalhes. Vitor, talvez?

Ele me trouxe para mais perto dele, pude sentir o ar quente de sua boca.

“Me solta.” Falei sem certeza.

“Não.” Respondeu incisivo.

“Eu tô falando sério, me solta.” Pensei em gritar, mas e se ninguém ouvisse? Isso iria irritá-lo muito mais. Suas unhas doíam na minha pele.

Me retorci para tentar sair daquela pseudo prisão.

“Não.” Ele me puxou para mais perto de si e eu tive que virar o rosto de um lado para o outro para evitar o toque de seus lábios.

“PARA! ME SOLTA!” Gritei, assustada. Ele não respondeu, continuou tentando unir nossos rostos.

“É melhor você soltar.”

Uma voz veio pela lateral de nós dois, senti algo nos empurrando Sal, finalmente, me soltou e eu caí, sem conseguir manter o equilíbrio. Sal também se desequilibrou, mas se segurou no poste.

Dinho estava com os olhos enormes, parecia alucinado e tinha o rosto vermelho. Sal mudou completamente sua postura, seu sorriso sedutor voltou a aparecer e ele ergueu os braços, como se estivesse se rendendo.

“Qual foi, cara? Não estou fazendo nada. Só estava ajudando a menina a levar a guitarra pra casa, isso pesa, sabia?” Falou cínico.

“Tava ajudando ela a levar a guitarra pra casa agarrando ela a força? Ouvi ela gritando.” Dinho respondeu com a mesma quantidade de cinismo na voz.

“Agarrando? Você tá vendo coisa, cara.” Sal ria. “Ela é namorada do meu irmão, eu não faria isso. Só estava ajudando mesmo, não é, Lia?”

Seu olhar encontrou o meu e eu estremeci. Ele era muito intimidador, eu quase me senti obrigada a dizer que sim, mas estava tão assustada que permaneci estática no chão.

“É melhor você ir ajudar outra pessoa, se não quem vai precisar de ajuda vai ser você.” Dinho falou avançando para cima de Sal.

Sal ainda refletiu se deveria comprar essa briga, mas talvez pensou que se fizesse isso, eu iria atrás de ajuda e ele sairia prejudicado. Ele podia ser louco, mas media cada passo da loucura.

O garoto fechou o sorriso, balançou a cabeça em negativa e deu uma última olhada em mim, saindo em seguida sem dizer nada. Respirei aliviada.

“Lia, vem cá.” Senti as mãos de Dinho me ajudando a levantar.

O alívio foi tão imenso por ter sido tirada daquela situação que assim que me equilibrei em pé, me envolvi nos braços dele e repousei a cabeça entre seu rosto e seu ombro, inalando todo o perfume que estava em seu pescoço.

Ele ainda cheira como há um ano atrás. Me senti em casa e me acomodei alí.

Ele pegou a bolsa no chão e nos encaminhou, abraçados, até a calçada do Misturama, onde sentamos.

“Você tá legal?” Ele me envolveu com mais força em seus braços e repousou sua cabeça na minha.

“Acho que sim.” Não tinha certeza.

“Aquele cara... Ele tem te observado, sabia? Sempre que você volta da faculdade, ele está no parquinho, ou no Misturama, ou no raio que o parta. Qual é mesmo o nome dele?”

Preocupei-me tanto em fugir da Ju e do Dinho que não percebi que outra pessoa tentava me achar mais do que eles. Aquilo me fez estremecer e os braços do Dinho perceberam, me apertando com mais força contra o corpo dele.

“Sal. É irmão do Vitor...”.

“Ah! Então é esse o defeito do príncipe Vitor? Um irmão psicopata?” Dinho falou sério, mas não pude evitar dar uma risada. Ele riu junto comigo depois de perceber a piada.

“É. Acho que sim. Ele é meio... problemático.” Tentei escolher as palavras.

“Meio problemático? Eu sou meio problemático.” Dinho respondeu.

Rimos juntos, mais uma vez. Senti-me segura o suficiente para me afastar um pouco dele e encarar seu rosto.

“Obrigada. Não sei o que teria feito se você não tivesse aparecido...” Falei exausta.

“Uau. Cadê a Lia marrenta e cheia de banca?” Ele sorriu. Um lindo sorriso, pensei.

“Ela estava lá nos trinta primeiros segundos de conversa.”

Ele riu e eu me senti bem por causar aquilo nele. Nossos últimos encontros foram repletos de tensão, portanto era legal vê-lo daquele jeito, como antes de todas as confusões e de toda a mágoa.

“É sério, Lia. Toma cuidado com esse maluco.”

“Eu sei me cuidar e ele não faria nada demais, acho que era uma brincadeira”. Nem eu mesma acreditava naquilo, Dinho revirou os olhos.

“É. As marcas nos seus braços parecem ser de brincadeira também.” Ele falou sério enquanto massageava as tiras vermelhas deixadas pelas unhas do Sal.

“Obrigada, Dinho.” Falei sincera com um sorriso.

Nossos olhos se cruzaram com intensidade.

“Você tem voltado tarde da faculdade, não me estranha que esse cara tenha decidido te abordar. Até eu fiquei preocupado hoje, quando você não voltou no seu horário...eu estava aí fora, até que decidi ir perguntar pra Fatinha se você tinha voltado mais cedo e eu não tinha visto.”

“Tem me observado?”

Dinho pareceu ficar desconcertado e riu levemente.

“Ainda bem por isso, certo?”

“Certo.” Concordei pensando no que poderia ter acontecido.

“Você conseguiu, Lia. Faculdade de música!” Ele deu um tapinha na guitarra ao seu lado. “Sabia que você iria decidir por isso, não tinha outro caminho...você tem o dom pra coisa. Sempre teve.”

“É. Talvez eu até tivesse outros caminhos, mas esse sempre me pareceu o certo. Você sabe...a guitarra sempre foi minha companheira fiel, sempre estivemos juntas no caminho. Nos momentos bons e tristes. Só que resolvi oficializar a união, casamos de vez.” Sorri.

“É um bom casamento. Gostaria de ter algo que eu gostasse tanto e que me fizesse sentir tão bem quanto a guitarra faz com você.”

“Você tem. Sempre teve.”

“Tive?” Ele perguntou surpreso.

“Sim, seus sonhos. Você sempre sonhou muito e isso parecia te trazer uma paz enorme.”

“É. Até que eu mesmo transformei meus sonhos em pesadelos.”

Sabia do que ele estava falando. O maior de seus sonhos: a viagem pelo mundo que ele fora fazer há um ano atrás ao lado da Valentina.

“Você me conhecia tão bem, não é?”

Ele parecia triste.

“Bom, você vai achar algo legal, certo? Algo que te realize como pessoa.”

“E se eu já tiver achado?” Ele levantou o olhar e segurou meu punho com delicadeza.

Nos olhamos, mais uma vez, com intensidade. Senti que estava perto da melhor das sensações quando a respiração do Dinho se misturou com a minha, nossos rostos quase unidos.

Um carro passou e o som dos pneus fez com nós nos assustássemos, olhando para a passagem do automóvel. As luzes do farol iluminaram o outdoor que mostravam Ju e Dinho se beijando.

Ju. Pensei comigo mesma. Já deixara aquela situação acontecer antes, eu e o Dinho envolvidos enquanto os dois estavam juntos. Era inaceitável deixar acontecer de novo e afinal: eu o odiava! Odiava?

Me levantei apressada, recuperada do susto, do clima e do desejo. Dinho reparou na minha instantânea mudança de comportamento e tentou pensar rápido, mas eu fui mais.

“Então, obrigada pela ajuda!” Peguei a guitarra e joguei no ombro. “A propósito, não fala nada pra ninguém sobre o Sal, tá? É só o jeito dele.”

Saí andando, com medo de olhar pra trás e querer voltar.

“De nada.” Ele respondeu ao longe.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Capítulo by: Mariana R.!

Awn... quem ai também sonhou com esse momento pra lá de LiDinho? #Suspirando... O PsicoSal é doido, mas graças a Alá (Mari R.) o Dinho apareceu pra salvar a Lia! Gostou? Comente! E sexta tem mais dois capítulos de Para Sempre LiDinho!Beijos...