Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 23
Esse poderia ser o fim


Notas iniciais do capítulo

"Nossas memórias... Bem, elas podem ser convidativas, mas algumas são totalmente, poderosamente assustadoras. Enquanto nós morremos, ambos, você e eu com a minha cabeça em minhas mãos, eu sento e choro."



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"Está tudo acabando. Nós temos que parar de fingir quem somos. Você e eu, posso nos ver morrendo. Nós estamos?”

“Lia? Lia! Acorda, caramba!” Senti as mãos da Tatá me balançando fortemente por cima das cobertas.

Me concentrei profundamente para não esboçar nenhum sinal de vida, talvez ela desistisse.

“Lia! Eu sei que você está ouvindo. É sério. Tem uma pessoa querendo falar com você na porta!”

“Manda voltar depois.” Minha voz saiu abafada pelo travesseiro que cobria meu rosto.

“É o Bruno, ele parece preocupado. Levanta logo! Tô de saída pra escola, vou deixar ele esperando na porta.” Ouvi os barulhos dos passos de Tatá saindo do quarto e só depois parei pra pensar no que se tratava. Foram alguns bons segundos até entender que o “Bruno” ao qual ela se referia, era o irmão da Ju.

O Bruno? Me procurando? Como se para pensar melhor, tirei o travesseiro do rosto e encarei o teto. Procurei alguma explicação para aquela visita, afinal, apesar de conhecê-lo desde criança, quem costumava vir a minha casa era a irmã dele. Fui ao encontro dele na porta e ele tinha uma cara de preocupação que se acentuou ao me ver.

“Oi Lia, bom dia...desculpa vir assim, mas pelo visto a Ju não está aqui, certo?”

“A Ju?” Perguntei surpresa. Não falava com ela fazia alguns dias, depois do episódio do Outdoor e da revelação dos sentimentos do Gil. Pareciam séculos, ela me fazia muita falta.

“É. Ela não dormiu em casa, não ligou, não mandou mensagem, e nem atende aos meus telefonemas, pensei que ela pudesse ter dormido aqui.”

“Dormiu. Dormiu sim. É que ela saiu muito cedo pra faculdade e acho que esqueceu de te avisar.” Não faço ideia de porque menti, foi algo instintivo.

“Sério?” Perguntou Bruno, desconfiado. Confirmei com a cabeça.

“Ah...bom, então tudo bem. Eu tô indo pra faculdade agora, se ela te ligar ou você encontrar com ela, pede pra ela me ligar, tá? Não curto quando a Juliana fica sem dar satisfação, fico preocupado.” Ele sorriu, sincero.

Me senti mal por mentir pro Bruno. A Juliana não tinha dormido na minha casa e eu muito menos sabia do seu paradeiro. Podia ser algo perigoso, ela podia estar numa situação complicada e eu estaria atrasando uma solução. Por outro lado, talvez ela precisasse dessa mentira para escapar de uma bronca.

Depois que ele se despediu, eu tomei um banho rápido e comecei a ligar pras amigas próximas a ela que eu conhecia; ninguém tinha abrigado a it-girl na noite anterior. Minha preocupação aumentou, decidi ir pedir ajuda pra segunda pessoa que se importava mais com a Ju além de mim: Gil.

Desci no elevador angustiada, mordendo meus próprios lábios e estalando os dedos. Saí correndo do prédio rumo ao sobrado do meu amigo pichador, quando me veio uma ideia.

“Dinho.” Parei de imediato e olhei pro Hostel, era cedo e alguns hóspedes tomavam café da manhã nas mesinhas do lado de fora.

Talvez ele saiba onde ela está. E eu vou ter um motivo pra falar com ele. Me censurei ao pensar daquela forma. Usar de um assunto sério para ver o Dinho ou conversar com ele, me soava egoísta, principalmente depois dos acontecimentos recentes envolvendo ele e a Ju. É errado, Lia.

Resolvi arriscar, de uma forma ou de outra, falar com ele poderia me ajudar a saber onde minha melhor amiga estava ou arrumar um outro aliado para procurá-la comigo.

Passei pela recepção do Hostel e a Fatinha estava lá, assim que me viu, abriu seu melhor sorriso provocador que tanto me irritava.

“Bom dia, marrentinha! O que devo a honra da sua visita?”

“Eu quero o número do quarto do Dinho.” Respondi sem rodeios.

“O quê? UAU! Olha as coisas melhorando pro Idiota...tenho certeza que ele vai amar a visita. É o 207, vai lá.” Ela disse animada. Ignorei aquilo tudo e subi as escadas rumo ao número que ela havia me dito.

Hesitei quando cheguei na porta. Será que é uma boa ideia? A presença dele me confunde, mas sempre fui salva por estar em público, alí não, seríamos só nós dois. Refleti.

Decidi ter um plano B, lembrei de um professor que falou que muitas guerras já foram ganhas pelo “efeito surpresa” e resolvi que ganharia a minha guerra daquela forma. Abriria a porta sem cerimônias, jogaria a pergunta no ar e me retiraria correndo se ele tentasse qualquer aproximação ou tocar em qualquer assunto que eu não quisesse.

Respirei fundo e agi.

O ar sumiu dos meus pulmões ao ver a cena por detrás da porta.

Dinho não só sabia do paradeiro da Juliana, como estava alí, com ela, enrolado em lençóis e num sono tranquilo. Ele abriu os olhos com o barulho da minha invasão. Encarou meus olhos e a cor sumiu de seu rosto.

“Dinho.” A palavra saiu da boca quando puxei ar para tentar me oxigenar, meus lábios me traíram.

Ele parecia chocado com minha presença alí, se mexeu desconfortável e isso fez a menina em seus braços acordar e olhá-lo confusa, até reparar que eu estava parada no meio do quarto.

Eu já havia me sentido deslocada por muitas vezes na minha vida, sempre optei por ser “a diferente” da turma e isso fazia com que eu não me encaixasse por muitas vezes. Minha atitude, as mexas coloridas que eu usava até algum tempo atrás, as roupas rasgadas, o estilo rockeiro, digamos que nunca foi fácil achar meu lugar. Porém, foi alí, diante daquela cama, que eu me senti mais deslocada em toda minha vida.

Invadia a intimidade de duas pessoas sem pedir licença. Em segundos, fiz um breve roteiro do que imaginava ter sido a noite anterior: o Dinho beijando o pescoço da minha melhor amiga, penetrando em seus lábios e sentindo prazer em cada toque.

O choque final foi reparar nas roupas que a Juliana vestia: uma blusa velha do próprio Dinho, que eu tanto vestira quando dormia em seu apartamento há um ano atrás.

Oxigênio. Minha consciência avisou quando senti minha cabeça rodar e eu puxei o ar com força.

“Lia?” Juliana entendeu minha presença e puxou as cobertas para se cobrir, abaixei a cabeça completamente constrangida com aquilo.

“Hãm...desculpa, eu...eu não queria incomodar...”

“Não, Lia, não.” Dinho emendou, com uma voz melosa e baixa.

“É só que o Bruno está preocupado, te procurando Ju...Ele foi a minha casa e...bom, liga pra ele, tá?” Ignorei-o.

“Lia!” Juliana chamou quando eu já estava saindo pela porta. Desci as escadas cambaleando.

Provavelmente o tempo que passei sem respirar, somando com o choque recente, estavam refletindo em meu corpo. Passei pela recepção do Hostel e a Fatinha me chamou – sua voz pareceu distante - “Lia? Está tudo bem? Você está pálida.” Sai dalí e cheguei ao meu quarto o mais rápido que consegui.

A casa estava vazia, eu estava vazia.

Minha cabeça começou a “tocar notas” que eu havia apagado da minha partitura fazia um ano.

Me lembrei do dia que descobri a traição do meu – então - namorado pela internet, numa exposição pública e desnecessária. Ele havia me traído com uma argentina em uma viagem que eu não pude ir, mentiu sobre conhecê-la e me fez conviver com a gringa. Eu confiava nele, eu não tinha ciúmes e eu tinha certeza de como nosso namoro estava acima disso, me enganei.

“Ele foi embora com ela.” Falei em voz alta, enquanto puxava a cocha da minha cama enfurecida e a rasgava como se fosse papel.

Há um ano atrás, quando Dinho decidiu ir viver seu sonho ao lado do motivo de sua traição, eu deixei que ele levasse meu sofrimento junto a ele.

Quando sentia saudades, ocupava minha mente com a guitarra. Quando chorava por ele, insistia em dizer que chorava por ter sido humilhada, não pela traição. Quando alguém falava seu nome, sentia meu corpo enrijecer, mas mantinha minha expressão serena. E quando alguém perguntava como eu me sentia, eu dizia que estava curada.

Eu menti. Menti o tempo todo. Dinho sempre esteve ali, dentro de mim, exprimido no meio da mágoa, da revolta e do ressentimento.

“VOCÊ FOI EMBORA!” Gritava como se ele pudesse me ouvir.

Um travesseiro rasgado se unia aos restos do que fora uma colcha de cama.

Se eu não tivesse me forçado a isso, o que seria? Iria ficar sofrendo, mostrando pra todos o quão dependente eu era dele, enquanto ele estava curtindo a vida por aí?

Um frasco de perfume se estilhaçou contra a parede.

Eu o amava, eu sempre o amei. Mas ele mentiu, sempre seria um mentiroso.

Agora ele voltara e bagunçara tudo. Me sentia angustiada, sabia que era questão de tempo até eu explodir, mas não imaginava que seria por aquele motivo: Ju. Os dois, na mesma cama, haviam dormido juntos. Fechei os olhos e senti novamente a sensação experimentada há alguns minutos atrás, o roteiro que criei quando estive lá voltou a passar por meus olhos.

Parei, precisava parar de pensar. Foi quando me enxerguei no espelho.

O quarto atrás de mim estava destruído, repleto de destroços pelo chão. Meu rosto estava molhado de lágrimas, meus cabelos desgrenhados e eu sentia o calor da raiva exalando de cada parte de mim. Nada disso pareceu importante quando me deparei com meus próprios olhos refletindo no espelho:

Dor. Muita dor.

Soltei um grito forte, um grito acumulado há muito tempo. Não queria me ver assim, não podia.

A guitarra foi a primeira coisa que apareceu em meu caminho e foi justamente ela que eu arremessei contra o espelho. Ele quebrou de imediato e eu senti como se fosse eu quebrando. O barulho foi estrondoso quando somado a a guitarra caindo ao chão.

Me rendi, era mais forte que eu. A dor me consumira.

Deixei meu corpo descer até o chão e me abracei, afinal, nada havia mudado. Eu tinha que cuidar de mim.

Chorei. Chorei até o cansaço me consumir e me guardar de todas as outras sensações. Adormeci ao meio dos cacos, não os do quarto, mas os meus próprios.



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Notas finais do capítulo

Capítulo by: Mariana R.!

Muitas vezes não sabemos quando parar de sofrer e acabamos reprimindo a dor... Mas e quando não dar mais pra segurar? 'A gente desaba'. A Lia 'desabou' sobre os próprios cacos e lágrimas... Gostou? Comente! Beijos!



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