A Gotinha De Amor Que Faltava escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 27
Capítulo 27 – Cuidado de Mãe


Notas iniciais do capítulo

Boa noite pessoinhas. Demorou, mas chegou :)
Larissa Drumond, amora minha, muitíssimo obrigada pela recomendação linda. Espero que goste do capítulo ♥
A todos boa leitura.



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Por volta das 05h17 da manhã Julia despertou aflita. Talvez imaginando que a mamãe “Ose” não estivesse mais ao seu lado. Ou que talvez estivesse apenas sonhando com sua presença.

– Mamãe – murmurou ela, seus olhinhos aflitos buscando a presença de Rosalie no quarto do hospital. – Mamãe...

Pega de surpresa, despertando rapidamente do cochilo, Rosalie abriu os olhos assustada. Institivamente trouxe Julia para perto de seu corpo em um abraço protetor.

– Eu estou aqui amor – sussurrou Rosalie, roçando o nariz na testa dela. – Mamãe está bem aqui ao seu lado. Mamãe está aqui...

Após ouvir a voz da mãe, Julia piscou os olhinhos, focando o olhar, e ao reconhecer a figura ao seu lado, a mesma que a abraçava, abriu um sorrio imenso expondo as mesmas covinhas adoráveis do pai. O sorriso de um anjo carregado de inocência e amor.

O coração de Rosalie se enterneceu por despertar tamanho sorriso apenas por estar ali, ao lado de sua garotinha. Por ter a chance de ser mãe daquela gotinha de amor.

Com olhinhos brilhando, Julia lhe fez uma pergunta.

– Você não vai embola né, mamãe? Jula, julandinho?

– Eu não vou embora – disse Rosalie, beijando-lhe a testa. – A mamãe te prometeu e está aqui – ela roçou levemente o nariz na bochechinha de Julia. – Durma mais um pouquinho amor, quando você acordar ainda estarei ao seu lado.

Ainda com os olhinhos vidrados nela, Julia os piscou demoradamente sentindo que ainda tinha sono. Sua boquinha rosada se abriu em bocejo preguiçoso. Ainda assim se manteve olhando para Rosalie, como que desejando lhe fazer mais uma pergunta.

Rosalie temeu que fosse medo de que fosse embora. Tentando tranquilizá-la aproximou seu rosto do dela, roçando novamente o nariz na bochechinha.

– Está tudo bem amor. Humm... Não tenha medo. Pode dormir mais um pouquinho... Vou ficar bem aqui. Quando você abrir seus olhinhos ainda estarei ao seu lado. Não tenha medo, durma meu anjinho.

Foi exatamente esse carinho e sua voz doce que fez Julia criar coragem e fazer as perguntas que rondavam sua cabecinha.

– Mamãe Ose, você biga?

Inicialmente Rosalie não sobe o que fazer. De repente viu-se em uma sai justa. Se dissesse que não talvez Julia entendesse que poderia fazer tudo o que quisesse. Por outro lado, temia que o sim a deixasse com medo. Seus pensamentos a levaram ao momento em que Julia foi submetida aos exames, e Emmett sendo sincero: “Papai não vai mentir amor, dói. Mas é bem pouquinho. É só um furinho e acabou. Ninguém vai te machucar. Papai vai ficar aqui com você o tempo inteiro. Não tenha medo gotinha.”

Foi então que decidira seguir o exemplo. Baseando-se na forma como o pai havia lidado com a situação anterior.

– Julinha eu te amo muito. E por te amar tanto assim, quando você não se comportar bem ou errar eu preciso te corrigir, brigar. Você entende amor?

Julia se entristeceu escondendo o rostinho na curvatura do pescoço dela. Com delicadeza Rosalie segurou seu queixo, suspendendo seu olhar. Cheia de ternura lhe beijou cada um dos olhinhos e a pontinha do nariz. Finalizando com um beijinho de esquimó.

– Ei... – sussurrou em meio ao roçar de nariz. – Mas isso não quer dizer que vou te machucar. Mamãe briga, mas não machuca – Julia manteve o beicinho e os olhinhos coberto por uma nuvem cristalina de lágrimas. – Nunca vou te machucar. Meu Deus, isso nunca, meu amor.

Passaram-se alguns segundos e Julia permaneceu em silêncio angustiando, sem querer, o coração da nova mamãe, que se afligia por medo de que sua resposta tivesse quebrado a confiança que a garotinha parecia ter.

E de repente o silêncio foi quebrado por mais uma pergunta inocente, de voz fraca.

– Você bota no esculo?

– Oh meu Deus, não – disse Rosalie sensibilizada. – Não vou te deixar no escuro, meu anjo – completou segura do que estava dizendo.

– Você tem gula?

– Gula? – repetiu Rosalie, confusa, não entendo ao que ela se referia.

– De fulá, da jeção.

– Não docinho – foi então que ela recordou o momento em que Julia pedia para não usarem agulhas, durante os exames. – Eu não vou te furar nunca.

– Você solta fogo pela boca?

Rosalie sorriu achando graça da pergunta. Mas logo se sentiu mal ao recordar das cicatrizes no corpo da criança.

– Eu não fumo e mesmo que fumasse, eu jamais iria te queimar.

– E você bate?

De repente ficou insegura novamente. Claro que como a maioria das crianças recebeu uma ou outra palmadinha na infância, e hoje, já adulta, sabia que foi necessário. O pensamento ficou martelando em sua mente. E se um dia fosse necessário com Julia? O que fazer? Sendo assim achou melhor saber exatamente a extensão da pergunta.

– Bater como?

– De cinto, e de sádalia. De colhé, e de fio. E também de puxá o blacinho. Embulá e dá belico, e puxá cabelo – ela suspirou. – E também jogá coisa em eu fica dodói.

Os olhos de Rosalie se encheram de lágrimas, e ali ela entendeu que nem mesmo uma palmadinha seria possível com aquela criança. Teria que encontrar outro caminho nessa educação.

– Mamãe não vai te bater nunca – afirmou com a maior verdade que já sentiu na vida.

– E você dá comidinha gotosa?

– Sim amor. Mamãe vai dar muitas comidinhas gostosas. O que você quiser.

– Danoninho? – murmurou Julia.

Rosalie sorriu e lhe beijou a bochecha.

– Danoninho também – concordou ela.

– Você fica igual o papai? Naquele dia... amanhã... que ele botô Julinha pá domi no cato sozinha? Que ficô muito bavo e guitô? Fica?

– Não vou mentir docinho. Pode ser que eu fique brava um dia e brigue. Bote de castigo, não deixe você fazer o quer – Rosalie segurou o rostinho dela entre as mãos. – Presta atenção, amor. Nunca, nunca, nunca, nunca vou te machucar, nem te abandonar, nem te deixar sozinha. Posso até brigar, mas sem machucar. Não vou te espancar, nem furar, nem queimar, nem te deixar com fome. Eu te amo, filha. Minha gotinha de amor.

Julia passou a mãozinha, coçando o olhinho.

– Tá bom. Você vai sê boazinha igual a vovô Emes. E vai bincá igual a titia balalina e o meu titio plíncipe. E vai contá histólia igual minha titia Bella. Só que ela não tem uma fela. Só um titio plíncipe. Sabia que o papai já foi uma fela? Ele ficava muito bavo e guitava com Julinha. Mas só que agola ele é bonzinho, igualzinho a fela que é da Bela. E... e você vai defendê igual o vovô Calai. E vai tê uma caminha igual a do papai, e ablaçá plo colação palá de muito batê, até passar o dodói que nem o meu papaizinho faze. Eu goto. Você não vai fazê dodói em Julinha. Só bliga se fô malcliação, né?

– É meu docinho. E vou te beijar, te abraçar, fazer cafuné, e dar mais beijinhos. Sempre – dizia ela à medida que beijava todo o rostinho de Julia, que agora estava com a expressão feliz.

– Você vai embola? – perguntou mais uma vez.

– Não. Pode dormir em paz amor. Eu vou ficar bem aqui. Do seu lado.

Julia tornou a coçar o olhinho e bocejou.

– Cadê a minha pepeta, mamãe Ose?

– A “pepeta”, ela ficou com o papai. Depois a mamãe busca ela pra você.

Julia pegou Carinho, que estava ao lado do travesseiro.

– Calinho quelia a pepeta.

– E ele não quer ficar com a mamãe, depois a gente pega a chupeta.

Julia beijou o a cabeça de Carinho e depois abraçou Rosalie.

– Ele qué a mamãe – Rosalie sorriu, beijando o topo da cabeça dela –, mas quelia a pepeta também... – ela ameaçou um chorinho, mas depois se aquietou. – Não vá embola mamãe Ose – recebendo cafuné nos cabelos, poucos segundos depois ela adormeceu.

– Meu lugar é ao seu lado minha gotinha de amor. Minha filha...

Aos sussurros Rosalie cantou uma canção de ninar, a mesma que há tanto tempo se imaginava cantando para seu bebê, sendo devastada pela mágica sensação de se ser mãe. De ter seu sonho realizado. Mas o sono a venceu e acabou, também, adormecendo novamente.

[...]

Depois de muito rolar na cama, exatamente como imaginou. Antes mesmo de o dia clarear, Emmett levantou decidido a ir ao hospital antes de embarcar, não conseguiria sair da cidade sem antes ter certeza, ver com seus próprios olhos, que a filha estava bem.

Depois de ter preparado tudo o que precisava saiu do apartamento rumo ao hospital. Grace ainda dormia no quarto que Julia ocupava temporariamente. Emmett escreveu um bilhete e pendurou na porta da geladeira, avisando que precisava ver a filha antes de viajar, por isso decidira sair de casa mais cedo. Que as chaves do carro de Rosalie estavam no aparador junto as do apartamento. Caso decidisse usá-lo para ir vê-las mais tarde.

Já no hospital, precisou de alguns minutos para convencer os seguranças a deixá-lo entrar àquela hora. Emmett alegou que a filha, que ainda era muito pequena, precisava da chupeta para poder dormir tranquila.

Depois de muito resistir os seguranças acabaram cedendo, já que a necessidade de levar a chupeta e a malinha com as coisas da criança parecia irrevogável.

Emmett os agradeceu várias vezes. Satisfeito, ele seguiu para dentro do hospital. Caminhou apressado por entre os corredores vazios, exceto por uma ou outra enfermeira que encontrava pelo caminho. Como ainda era muito cedo a agitação daquele ambiente estava quase que adormecida.

Ansioso demais, ele parou em frente à porta do quarto 1308, em mais um corredor vazio. Sua mão alcançou a maçaneta empurrando-a devagar. Um sorriso bobo surgindo pouco a pouco em seus lábios, quando seus olhos tiveram o prazer de ver uma das cenas mais bonitas de sua vida. Rosalie e Julia dormiam abraçadas naquela cama, da melhor forma que podiam no pouco espaço, com fios e acessos ligados a garotinha.

Imaginou que sua mãe estivesse certa, e ele enfim pudesse ter a família que estava destinada a ser sua. Ficou feliz ao lembrar-se disso. Começando acreditar que estava no caminho certo. O coração se enchendo de esperança.

Ainda sorrindo, enternecido com o sentimento de esperança, entrou no quarto evitando fazer barulho. Deixou três volumes em cima da poltrona ao lado da cama. Uma mala de mão com as coisas de Rosalie que Grace havia preparado ainda antes de dormir. A outra, uma mala maior e mais cheia cujo ele mesmo preparou ao acordar. Nessa havia algumas peças de roupa, a nécessaire de higiene, calcinhas, fraldas, meias, chinelo, brinquedos, livros, giz de cera e revistas de colorir, além da indispensável “pepeta”. Uma mochila com remédios, mamadeiras e os pós para o preparo.

Deu uma breve olhada certificando-se de que não deixara nada no carro. Certo, ele pensou.

Se virou na direção da cama onde as duas dormiam abraçadas e chegou mais perto. Cuidadosamente o corpo grande se inclinou beijando a testa da criança.

– O papai tem mesmo que ir, gotinha – sussurrou. – Queria tanto poder ficar... – e ele realmente queria, seu coração estava apertado. – Mas o papai volta o mais rápido que poder. Juro, jurandinho – completou lembrando-se de como sua gotinha pedia para jurar. – Te amo tanto, tanto, tanto... – murmurou, roçando o nariz com delicadeza na bochecha exposta da filha.

E quando levantou o olhar, percebeu dois lindos olhos castanhos, em seu tom que beirava o mel, olhando-o fixamente.

Rosalie ergueu uma das mãos tocando o rosto dele suavemente. Institivamente, Emmett fechou o solhos apreciando a delicadeza daquele toque. Ah, como sentira falta daquele gesto. Do toque daquelas mãos macias e suaves. Era quase desesperador ficar sem ela. Quase como ter que se afastar de um vicio; difícil e sofrido.

Quando tornou abrir os olhos, seus rostos estavam perigosamente próximos, de maneira que não havia nada a fazer, senão terminar com a distância e selar os lábios. Rosalie não rejeitou o gesto tampouco fingiu indiferença. O que começou como um beijo doce ganhou força se transformando em uma tentativa voraz de aplacar a saudade e a dor da separação. Era quase violento, de tão profundo e intenso o sentimento de distância que viveram.

Eles continuaram num beijo de reconhecimento até Julia se remexer. As bochechas de Rosalie estavam coradas por uma timidez inesperada. O coração de Emmett pulsava audivelmente. Mal conseguia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Depois de meses, desde sua primeira negação sobre adoção, desde antes de ela sair de casa, pode enfim beijá-la novamente.

Sonho ou realidade, não fazia diferença agora. Teve tanto medo de que esse momento jamais voltasse a acontecer e agora estavam ali perigosamente próximos.

– Rose... – ele suspirou, com a voz embargada. – Desculpe. Não quis atropelar as coisas. É só que...

– Shhhhh! – sussurrou Rosalie. – Não diga nada. Quando você voltar, conversamos sem pressa – tentou acalmá-lo.

Sentindo-se mais leve do peso de seus erros, Emmett encostou sua testa à dela e com os olhos marejados, sussurrou:

– Tive tanto medo de te perder amor. Achei mesmo que não conseguiria conviver com minhas escolhas, meus erros. Meus lapsos de caráter. Nunca tive a intenção de te explorar como mãe de minha gotinha. Eu lhe amo tanto, não posso viver sem você ao meu lado. Não posso ser completamente feliz se você não fizer parte do meu mundo, Rose. Mas também não há a mínima possibilidade de abandonar minha filha. Entenda...

Rosalie suspirou encostando a mão aos lábios do marido, que falava sem parar tentando esclarecer todas as coisas. Ele se calou quase que instantaneamente e beijou os dedos dela com veneração.

– Eu também não facilitei as coisas – começou ela. – E sim, você cometeu muitos erros. Alguns muito graves e que me deixou horrorizada. Não sei como vamos ficar. Ainda existem magoas e lembranças – de repente o rosto dele se tornou tristonho. As palavras dela o amedrontaram. No entanto, ela continuou a falar. – Não precisa me convencer a ficar – olhou com carinho a criança dormindo em seus braços. – Uma certa princesa me fez prometer que não iria embora. E sei que temos muito a conversar. E bem... Eu não rejeitei o beijo. Não peça desculpas por beijar sua esposa. Continuo sendo sua esposa Emm... Não imagina como me senti com minha mãe no hospital correndo risco de morte, meu marido na mesma casa e eu dormindo sozinha. Também sinto sua falta, embora você não merecesse. Nunca deixei te amar ursinho.

A sensação de esperança aqueceu o coração de Emmett novamente, e ele lhe sorriu. Rosalie sorriu de volta, embora estranhamente se sentisse tímida. Querendo dar um fim aquele momento, até porque já não havia a menor chance de se afastar novamente de sua família, mas seus medos não permitem admitir, completou.

– Agora que ela finalmente dormiu, pretendo descansar também. Vá em paz, se concentre na reunião.

Por um momento ele chegou a pensar que estivesse sonhando. Olhava para a esposa feito um bobo. À medida que a ouvia falar, um sorriso crescia em seus lábios. Suspirou aliviado, e se inclinou novamente para beijar a testa da filha. Depois, se aproveitando da vulnerabilidade de Rosalie, pela primeira vez desde que saíra de casa, segurou o rosto dela com ambas as mãos beijando-a novamente; um beijo demorado, sedento. Separam-se apenas quando o ar lhes faltou aos pulmões.

– Não podemos ficar nos beijando assim na frente dela – considerou Rosalie, estranhamente envergonhada.

– É não podemos – concordou, percebendo que aquilo indicava uma continuidade lhe dando agora um selinho. – Realmente preciso ir – reafirmou. – Contrato grande com uma banda em turnê, eles costumam fechar um andar inteiro. Querem usar nossa rede, nas cidades onde temos hotéis. É um exigente que só negocia comigo – tentou se justificar.

Ela o olhava com carinho. – Vai perder o seu voo se não se adiantar Emm. Pode ficar tranquilo, quando voltar ainda estarei aqui, e cuidarei bem de nossa garotinha. Te amo – sua voz soou afável.

Olhando-a intensamente no fundo dos olhos ele confessou.

– Eu te amo mais – sua frase estava carregada de uma verdade tão grande que o coração de Rosalie pareceu se regenerar.

Com o coração pulsando freneticamente, Emmett sorriu para ela. E foi irresistível não beijá-la novamente.

Louco de saudade de falar com a filha, tentou a todo custo acordar Julia com beijos e afagos, mas a medicação aliada à noite mal dormida realmente a deixaram exausta.

– Ela não vai acordar agora – comentou Rosalie.

– É, parece que não mesmo – ele aceitou, embora frustrado. Mesmo contra a vontade, se afastou das duas. – Eu preciso mesmo ir – repetiu.

– Eu sei você já disse isso – ela brincou.

– Eu volto – afirmou.

– Estarei te esperando...

Emmett caminhou a passos curtos até a porta, alcançou a maçaneta e então Rosalie chamou por sua atenção novamente.

– Ela se parece muito com você... – admitiu orgulhosa.

Ele maneou a cabeça afirmativamente enquanto virava-se para olhá-la.

– Te amo tanto, Rose.

– Estaremos bem aqui, quando você voltar – ela o encorajou, sua voz suando suave e melodiosa.

– A chupeta está na malinha dela – ele avisou.

– Eu vou encontrá-la.

– Diz pra ela que eu volto.

– Eu direi...

Ele balançou a cabeça concordando. Logo depois se retirou, deixando os dois amores de sua vida para trás. O coração se comprimindo dentro do peito por ter que fazer isso. Ansiava pela volta acreditando que, agora, pudessem ser felizes juntos.

Após a saída de Emmett, fadigada, Rosalie voltou a dormir abraçada a filha. No seu coração habitava a paz que há tempos buscava.

Por volta das 07h06 da manhã, a mesma enfermeira que sugerira dormir na cama com a filha, entrou no quarto. Cuidadosamente afastou a garotinha do colo da mãe para medir a temperatura, o gesto inesperado fez Rosalie despertar. A sensação que sentira fora de que alguém retirara parte de seu corpo. Definitivamente, não conseguiria mais se afastar de Julia.

Ainda confusa e sonolenta, continuou olhando a enfermeira fazer seu trabalho, até que a mesma quebrou o silêncio.

– Deveria ser crime os filhos adoecerem. Isso acaba com a gente. A birra, os horários dos remédios, a cama ocupada... – ela falava enquanto suas mãos trabalhavam fazendo anotações na prancheta. Depois disso, aplicou outra injeção.

– Você tem filhos? – questionou Rosalie. – Desculpe-me, estava tão desesperada de madrugada que nem perguntei seu nome.

– Meu nome é Cindy. E sim, tenho filhos. Lucas de seis anos e Ava de dois e meio. São meus anjinhos. Minha dose de felicidade diária.

Involuntariamente um sorriso curvou os cantos dos lábios de Rosalie em um sorriso amigável, imaginando as crianças. Ela suspirou e olhou Julia dormindo ao seu lado.

– Deveria mesmo ser crime, meu Deus – admitiu afetada. – Meu coração quase entra em colapso enquanto aguardava a cirurgia ser finalizada.

– Desculpe, mas temo que terei que te fazer levantar – comentou a enfermeira. O Dr. Philip começa a ronda as oito, depois de verificar os prontuários com os plantonistas e ele só examina as crianças que tomaram banho. Você precisa se ajeitar antes das enfermeiras começarem os banhos e o pessoal da limpeza limpe os quartos.

– É outro médico que virá agora pela manhã? – perguntou Rosalie notando que o nome do médico que ela mencionara era diferente.

– Sim. Dr. Thomas somente deverá vir mais tarde.

Rosalie se remexeu um pouco.

– Você já vai? – pediu ela, subitamente sentindo-se desamparada, aquela mulher havia sido seu melhor apoio durante os breves momentos desde que se tornara mãe.

– Sim – confirmou Cindy. – Vim me despedir, meu turno acabou há alguns minutos. Mas precisava passar aqui. A Dr. Kate me contou algumas coisas sobre essa pequena – comentou olhando Julia dormir –, para que eu cuidasse melhor dela. Só queria dizer que você está indo muito bem. É normal se sentir insegura, ser mãe é nunca ter certeza se está fazendo a coisa certa. Apenas o amor é certo. E essa garotinha te ama, pode ter certeza disso. Sua foto foi a primeira coisa que pediu no pós-operatório: “Eu quelo a mamãe da foto”, foi o que disse.

Ouvindo as palavras ditas pela enfermeira tão atenciosa, Rosalie sentiu seus olhos marejarem de lágrimas. E, com uma certeza súbita, prometeu mais para si mesma do que para a mulher a sua frente.

– Irei honrar esse amor.

– Eu sei que sim – sorriu a enfermeira.

O olhar de Rosalie sempre que direcionado a garotinha ao seu lado, não deixava dúvidas quanto a sua afirmação.

Cindy olhou para a poltrona onde Emmett havia deixado as sacolas mais cedo.

– As enfermeiras virão ajudá-la com o banho mais ou menos perto das oito. Ela será a quarta a ser examinada. Tome banho aqui mesmo, o banheiro das acompanhantes deve ficar lotado. Ela vai se desesperar se acordar e não te ver por perto. Não se preocupe com a alimentação, a avó paterna já fez a entrevista com a nutricionista e disse as preferencias da garotinha. Cuide bem dessa princesa – concluiu, olhando Julia com carinho.

– Obrigada – agradeceu Rosalie olhando da enfermeira para Julia. E ao perceber que Cindy se encaminhava para a porta, a chamou. – Espere! – Cindy virou para olhá-la. – Posso saber por que está fazendo isso? Com certeza está fazendo mais do que seu trabalho nesse quarto.

Antes de respondê-la, Cindy suspirou balançando a cabeça afirmativamente.

– Fui vitima de violência doméstica por oito anos. Não uma tortura deliberada e continua como sua filha. Meu pai era alcóolatra e você pode imaginar. Ele só ficava agressivo quando bebia, mas chegou ao ponto de beber todos os dias. A situação em nossa casa ficou insustentável. Queria ter tido uma nova chance... Outro pai, mais amoroso e presente. Ele só parou quando meus irmãos ficaram adolescentes e revidaram. Julinha é uma garotinha muito sortuda. Apenas me prometa que vai amá-la e cuidar bem dela.

– Eu prometo – Rosalie afirmou, emocionada, passando os dedos nos cantos dos olhos. Estava fazendo muitas promessas em um só dia, mas, nunca antes havia se sentindo tão realizada e certa do que estava fazendo. – Posso ter esperança de que um dia ela esqueça? Deixe de sentir toda essa dor e amargura? Que essas lembranças negativas sejam apagadas? – quis saber a nova mamãe.

Cindy negou com um maneio de cabeça.

– Não. Mas pode ter certeza que sendo amada e bem tratada, ela vai considerar que a vida oferece coisas muito melhores que as lembranças. E em algum momento isso vai deixar de ter tanta importância. O bem vence o mal, de certa forma. Foi o que meu marido fez por mim. E nós, eu e meus dois irmãos, tentamos fazer por nossa mãe.

Rosalie a olhava com compreensão. Mais uma vez, lhe agradeceu pelo cuidado e pela gentileza com que as tratara em pouco tempo.

Assim que Cindy se retirou, ela saiu da cama cuidadosamente para não acordar Julia antes que tomasse seu próprio banho. Dando uma breve olhada na poltrona, reconheceu a mala de mão sobre a cadeira e a pegou levando-a para o pequeno banheiro. Escovou os dentes, tomou banho e prendeu os cabelos em um rabo de cavalo. O processo todo foi muito rápido, não levou mais que alguns minutos.

Quando retornou, deu uma breve olhada em Julia, que ainda dormia na mesma posição; com a chupeta pendendo no canto da boca e Carinho ao seu lado.

Olhou a mala com as coisas dela e ficou surpresa com o tamanho. A mala cor de rosa, com etiquetas da Barbie, era muito maior do que imaginou ser necessário. Ao abri-la ficou encantada com o cuidado e carinho com que Emmett havia preparado tudo. Enquanto procurava uma muda de roupa limpa, e os produtos de higiene, encontrou um bilhete. Ela o recolheu, imediatamente sentiu o perfume do marido no papel branco. Desdobrou com cuidado temendo rasgar. Seu coração acelerou esmurrando forte o peito tão logo reconheceu a caligrafia masculina.

“Amor,

Muito obrigado pelo que está fazendo por minha gotinha. Antes de acordá-la é melhor dar o mingau com as vitaminas. É só misturar as seis conchinhas de leite em pó, quatro de Nutrem e duas de Mucilon com 180ml de água. Depois de sacudir abra a mamadeira e coloque os remédios. O Noripurum é ferro para anemia e o Cetina é um complexo de vitaminas. As dosagens estão escritas nas embalagens, fiz isso para eu mesmo não me confundir. Tudo está nessa mochila da Moranguinho, o Mucilon é o amarelo e o Nutrem é de chocolate. Muito obrigado mesmo...

Te amo, como sempre

Seu Emm...”

A mulher que antes o jugara uma decepção como homem e ser humano estava agora emocionada, encantada com as palavras e o carinho que ele nutria pela filha. Emmett havia crescido muito como homem, e se tornado um ser humano melhor.

E não foi preciso que ela o obrigasse. Tudo isso ele fez sozinho. Lutou, arregaçou as mangas, tudo pela satisfação de ser um bom pai para sua gotinha de amor. Pela satisfação de provar a esposa que podia ser um homem diferente.

De certo que Julia conseguiu derreter o gelo e moldar o coração ranzinza em um coração nobre. Arrancou os espinhos e curou as feridas com a inocência de seu amor.

Orgulhosa e cheia de vontade de acertar, Rosalie fez exatamente como o bilhete descrevia. E quando pegou os remédios na mochila, reconheceu mais uma vez a letra do marido. Ele havia se esforçado muito. E aquele detalhe em particular só comprovava o quanto havia se tornado responsável. Tudo ali havia sido preparado com esmero.

Rosalie voltou a dobrar o bilhete e antes de guardá-lo o beijou. Porém, não o guardou novamente junto as coisas de Julia, fez questão de guardá-lo em sua bolsa para tê-lo como recordação daquele momento.

Encarou a mamadeira, com detalhes cor de rosa, entre suas mãos. Suspirou ao passo que seu coração se enchia de ternura. Um sorriso encantador chegou aos seus lábios refletindo em seus olhos o amor que sentia.

Sim ela era uma mamãe agora, e estava prestes a amamentar sua filha, embora não fosse ao peito, pela primeira vez. Rosalie mal cabia em si de tanta felicidade. Ela se aproximou e, com muito cuidado, aproximou o bico da mamadeira à boquinha delicada de Julia, que passou a sugar o alimento com força ansiando encher a barriguinha. Tantas horas sem comer, deixaram sua filinha faminta. Ela a observava com adoração e olhos marejados.

E pensar que chegou ao ponto de imaginar que um momento assim jamais aconteceria em sua vida. Suspirou afagando a bochechinha de Julia.

[...]

Poucos minutos depois, a copeira entregou o café da manhã. Rosalie, que estava sentada na poltrona, admirando sua filhinha dormir enquanto a chupeta se mexia com a leve sucção, ficou de pé e se aproximou da cama.

Esfregando a ponta do nariz na bochecha de Julia, com a voz suave, carregada de carinho, murmurou:

– Acorda docinho... – Julia se remexeu, mas apertou os olhinhos tentando dormir mais um pouco. – Acorda Julinha... Papai trouxe uma sacola de brinquedos. Não quer brincar com a mamãe?

Cheia de expectativas, Julia abriu os olhinhos enquanto a voz da mamãe “Ose” chegava aos seus ouvidos. Descobrindo, pouco a pouco, a maravilhosa sensação de se sentir amada pela mamãe da foto, que tanto esperou que chegasse.

Esperava encontrar seu papai ali, mas só viu a mãe e uma mulher desconhecida trazendo o café da manhã. Seus olhinhos varreram o quarto em busca de Emmett, mas foi em vão. Rosalie percebeu quem ela procurava e lamentou por ele não estar ali.

Julia levantou o olhar, inclinando o rostinho, buscando o olhar da mãe. Em seus lábios havia um beicinho, estava prestes a chorar.

– Papai... – ela sussurrou, com o beicinho tremendo. – Quelo o papai... Papaizinho. Papai – fez muxoxos de choro enquanto seus olhinhos se enchiam de lágrimas.

Sentida pela tristeza da filha, Rosalie afagou seu rostinho.

– Ele não está amor. Teve que ir trabalhar. Mas ele volta logo, eu prometo.

Lágrimas rolaram pelas bochechinhas coradas, uma delas com a marca do paninho onde havia encostado ao dormir. Rosalie sentou na cama e a trouxe para seu colo com cuidado por cauda dos fios e acessos. Julia se agarrou ao pescoço dela, escondendo o rostinho na curvatura, fungando. Rosalie a abraçou, envolvida com a sensação de que o vazio em seu coração havia sido preenchido.

– A mamãe também está com saudades dele. Mas o dia vai passar rápido e o papai vai voltar. Não chore meu amor... – beijou o bracinho dela, e então completou. – Precisamos nos arrumar, o médico vem te ver. Ele precisa ver se meu bebê está melhor.

Julia fungou novamente. – Mamãe... Papai. Papaizinho.

Rosalie beijou o rostinho molhado de lágrimas.

– Ele volta logo – garantiu. – Não chora não amor, a mamãe está aqui com você.

– Mamãe Ose – disse ela entre uma fungada e outra.

– Sim, a mamãe “Ose”.

Se sentindo mais tranquila, Julia deu um beijinho cheio de baba e lágrimas na bochecha de Rosalie.

– Julinha agola tem uma mamãe... – ela sussurrou, olhando para a mãe, que piscou enquanto uma lágrima solitária rolava em seu rosto.

– Sim, Julinha tem uma mamãe... – Rosalie sussurrou de volta, limpando as lágrimas no rostinho da filha. Julia fez o mesmo, passando a mãozinha na lágrima dela.

Julia parou de chorar aceitando que estava com a mamãe, e o papai voltaria logo. Rosalie então a colocou sentada na cama, aproximando a bandeja com o café da manhã. Com muita dedicação passou a dar comida a Julia, e durante esse pequeno gesto de carinho percebeu que para alguém tão pequeno seu apetite era bom. Tendo apenas um pouquinho de trabalho para fazê-la comer a fruta.

A copeira notou a mamadeira vazia sobre a cama.

– Senhora, você não pode dar alimentos vindo de fora. Tudo o que ela comer aqui dentro precisa ser avaliado pelo médico e a equipe de nutrição. É contra as regras do hospital.

Rosalie a olhou meio que surpresa. – Mas é só um mingau... Meu marido me deixou um bilhete, achei que não tivesse problema em seguir as orientações. Ele foi tão cuidadoso em descrever tudo...

– Eu sei, mas a senhora não precisa se preocupar. Temos o lactário hospitalar, a parte encarregada pelo preparo das mamadeiras. Veja, eu trouxe uma, mas agora acho que ela não vai querer tomar.

– Desculpe... – pediu Rosalie envergonhada.

– Tudo bem, vamos deixar essa passar – disse a copeira com um tom amável. – Mas não dê mais nada que venha de fora. É uma medida para prevenir infecções hospitalar.

– Certo – concordou Rosalie com um suspiro.

– Não se entristeça – comentou a copeira. – Seu marido é muito atencioso, o meu bem que podia ser assim. Um dia deixei meu filho com ele, Ben, de um ano e oito meses. Quando voltei tinha refrigerante na mamadeira. E sabe o que ele me disse? Disse que foi a única forma que encontrou de fazê-lo parar de chorar.

Rosalie sorriu para ela, ainda envergonhada. A copeira se retirou. Mãe e filha estavam terminando de comer a primeira refeição do dia quando duas enfermeiras entraram no quarto. Atenciosas, explicaram para Rosalie que seria um banho normal, visto que as bandagens oriundas do centro cirúrgico eram feitas com esparadrapo impermeável.

As duas enfermeiras se aproximaram para preparar a criança para levar ao banheiro, Julia as olhava assustada, ameaçando um chorinho.

Rosalie havia se afastado para deixar a bandeja do café na pequena bancada ao lado da parede, mas voltou imediatamente. Segurando a nécessaire de produtos de higiene da garotinha, pediu passagem entre as enfermeiras.

– Julinha, eu estou aqui amor. É a mamãe quem vai te dar banho. Ninguém vai apertar sua barriguinha. Vem amor, vem com a mamãe – Rosalie estendeu os braços pegando-a no colo cuidadosamente, temendo medo de machucá-la.

Durante o banho Julia ficou encantada com os cuidados da mamãe “Ose”, seus olhinhos brilhavam.

Apesar de muito feliz, lisonjeada e orgulhosa, Rosalie também estava receosa, pois jamais havia dado banho em uma garotinha, muito menos depois de uma cirurgia. Embora preocupada, estava sendo uma experiência única dar banho pela primeira vez em sua filhinha.

A criança sofrida, que jamais soubera o que era amor de uma mãe, estava se deliciando com tanto cuidado e carinho. Descobrindo que a vida era muito mais do que sentir medo e dor.

As enfermeiras estavam ao lado da nova mamãe ajudando-o o tempo todo.

– Agora, afaste as perninhas para lavar essa piriquitinha direito – comentou Rosalie com a doçura que somente uma mamãe de verdade o faria.

– É flózinha mamãe, papai que disse... – comentou com a inocência de um anjo.

– Isso bebê, lavar a florzinha – Rosalie concordou achando uma graça. “Ah amor você é mesmo um homem cheio de surpresas”, pensou enquanto cuidava de sua garotinha com carinho e afeição. A cada minuto que passava ficava encantada com as descobertas sobre o marido, e o poder da maternidade.

– Vovó Emes e titia que lava a flózinha de Julinha, papai não, ele manda Julinha lavá. Pô caso que ele tem pintinho, mas só que não voa e nem faze piu-piu. Só fica condidinho.

Tanto Rosalie quanto as enfermeiras acabaram sorrindo, achando graça da inocência da daquele anjo. A nova mamãe não resistiu e lhe roubou um beijo nas bochechas molhadas.

– Minha gotinha linda. Minha bebê – sussurrou Rosalie enrolando-a na toalhinha, pegando-a no colo novamente. Voltando para o quarto, o tempo todo recebendo ajuda das enfermeiras.

Devagar a colocou deitada na cama, passando a enxugar bem todo o corpinho, tomando cuidado com os locais dos curativos. Sentida, afagou cada uma das cicatrizes enquanto a secava.

Estava terminando de vestir a calcinha de Julia quando a porta do quarto foi aberta, revelando a imagem de um médico cujo ainda desconheciam.


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Notas finais do capítulo

E aí gostaram?
Merece review, sinal de fumaça, qualquer coisa?
Beijo, beijo
Sill