"Bebê". Essa palavra repete incessantemente dentro da minha cabeça. "Bebê" me lembra "Evellyn", mas Evellyn está perfeitamente bem nas mãos de Delly, o que me parece
sem sentido ressaltar que ela está bem. E não condiz com os olhares confusos ao meu redor. Então só me resta outra opção, uma opção inviável. Impossível. Indiscutível.
Eu não posso estar grávida de novo. Posso? Todos olham para mim esperando que eu explique ou esperando que eu ao menos diga algo ou simplesmente incrédulos demais
para fazer algum som. Nunca vou saber a resposta, mas não consigo mais lidar com essa dúvida sozinha.
–Como assim, o "bebê"?
–O bebê, Sra. Everdeen
–Tudo bem, entendemos essa palavra, mas como assim? - Peeta se pronuncia
–Vocês não sabiam que a Sra. Everdeen está grávida?
–Grávida?
–Eu não entendo, da última vez era evidente - Gale diz e todos os olhares se voltam para ele - Quer dizer, ao menos pra mim.
–Sim, eu tive enjôos, fiquei emotiva e tudo mais
–Algumas vezes isso acaba não acontecendo, o estresse pode influenciar muito - diz o médico
Então eu posso realmente estar grávida? Sem saber?
–Há quanto tempo?
–Não mais que dois meses, Sra. Everdeen, uma das razões pela qual não estava "evidente" como disse o Sr. Hawthorne. Vocês ainda terão um bom tempo para absorver a
notíciam e se prepararem - Ele sorri
Todos ainda parece em choque. Tudo bem que eu também estou um pouco atordoada, mas quando Peeta contou a todos que eu estava grávida de Evellyn de repente, todos
aceitaram a notícia rapidamente e ficaram felizes.
–É uma boa notícia - diz o médico hesitante -, não é?
–Claro que é. Só é bem... inesperada. - Peeta olha para mim sem saber o que fazer
–É uma boa notícia, uma boa surpresa, certo? - digo
–É verdade. Mais um sobrinho, e esse vai ser um caçador como eu - Gale fala
–Não vem com essa, "caçador". Meu filho vai ser um padeiro
–Ah é, "padeiro"? Por que não faz isso com a sua garota, afinal combina muito.
Peeta revira os olhos e eu só observo essa suposta discussão agora que o clima já está melhor. Johanna e Annie riem enquanto Finnick mexe nas coisas ao redor se
desvencilhando do doutor e Delly brinca com Evellyn e fala sobre seu novo irmão ou irmã. Johanna já está com uma barriga grande o que realmente não combina com seu ar
de superioridade e força. Não acredito que em breve ela ou vai entrar em desespero novamente ou vai se tornar uma pessoa completamente diferente. Rio com esses
pensamentos.
Uma pontada de dor se lança ao meu quadril me fazendo gemer e retorcer na cama do hospital. Peeta logo me olha preocupado.
–Acho melhor vocês deixarem a Sra. Everdeen descansar, ela ainda não está totalmente boa. E o senhor, Sr. Mellark, também não, precisa fazer alguns exames
Gale olha alheio para o canto da sala com ar de culpado e me lembro mentalmente de tirar essa história a limpo.
–Não deveria ter saído do quarto como eu já lhe disse - o médico continua
–Olha, se você já tivesse passado pelo que eu passei, não aguentaria ficar mais um segundo sequer ali - Peeta responde rindo, mas com uma fisgada de irritação
Todos saem da sala me deixando sozinha, menos o doutor
–Sra. Everdeen
–Sim?
–Eu não quis preocupá-los, mas a senhora precisa saber que foi mais que apenas uma bala de raspão.
–O que? Como assim?
–Na hora do acidente, a bala raspou pelo seu quadril machucando o músculo e queimando a pele. Porém no momento da queda, a senhora sofreu uma concussão. Uma concussão
pode causar coágulos de sangue o que pode resultar em morte. Então qualquer dor de cabeça, qualquer desmaio, eu repito, QUALQUER sintoma que tiver, a senhora precisa
vir aqui. Tudo bem?
–Tudo - respondo abalada
–A senhora quase sofreu um aborto espontâneo, teve muita sorte. Pena que o outro bebê não teve tal sorte.
–Outro bebê? Olhe, o senhor pode ser médico desse hospital e todas essas coisas mais, mas deve começar a explicar tudo esclarecidamente.
–Eram gêmeos. Um deles não resistiu - responde cabisbaixo - Agora vou deixá-la sozinha para que descanse
Não sei com o que fico mais perturbada. Com o fato de estar grávida novamente, ou por poder morrer por qualquer dor de cabeça ou por saber que carregava gemêos e perdi
um deles. Eu podia não saber há muito tempo, ou melhor, tempo algum, mas sinto como se parte de mim tivesse sido arrancada. Durmo com lágrimas escorrendo em meus
rosto.
Quando acordo, Gale está sentado na poltrona ao lado da minha cama olhando para o vazio.
–Gale?
Ele parece despertar e olha para mim sorrindo. Mas posso ver um pouco de preocupação e tristeza por trás de seus olhos.
–O que foi? E como conseguiu entrar aqui, o médico autorizou?
–Entrei escondido - ele ri
–Devia ter imaginado - fito seu rosto por alguns instantes tentando enxergar a razão, em vão - O que você tem?
–Não é nada
–Como nada, Gale? Por que não quer me contar? Por favor... - pego sua mão e ele segura a minha com as duas
–Como você vai fazer isso, Katniss? Como você faz?
–Como assim?
–Dois filhos, Katniss? Como vai fazer isso? Sabe que mais cedo ou mais tarde você não vai aguentar
–Gale, eu sei disso, não precisa ficar me lembrando
–Peeta também não tem o estado mental mais saudável daqui
–Eu sei, Gale, mas nós dois vamos dar um jeito. Nós temos vocês, temos você
–É, tem a mim - ele ri e balança a cabeça
–O que foi, Gale?! Por que está falando essas coisas? Por que está agindo desse jeito? - pergunto indignada e confusa
–Porque eu queria que esse filho fosse meu! Porque eu sempre quis! Porque era pra ser meu. - o músculo de sua mandíbula se contrai - E porque eu sei que nunca será.
Porque eu sou egoísta - ele fecha os olhos e uma lágrima escorre pela sua bochecha. Sinto suas mãos se soltando da minha.
Ele se levanta e anda em direção a porta me deixando sem saber o que responder. Então se vira para mim.
–Me desculpe, Katniss
E vai embora.