Interrompi o beijo suavemente.

–Seu pai ainda tem aquela espingarda? - perguntei. Ela riu.

–Tem.

–Então, quando estivermos em Ermo, não podemos dar motivos para ele atirar em mim. - comentei, sério, mas ela riu.

–Papai é um ser racional, Caspian.

–Como ele lidou quando você apresentou aquele cara? - perguntei. Ela mordeu o lábio.

–Teve ciúmes no início e encheu a espingarda de munição quando soube dos boatos...

–Então é bem provável que ele se arme novamente se soubesse que começamos a namorar já morando juntos... - pensei comigo mesmo.

–Mas não aconteceu nada demais...

–Tente convencê-lo disso.

–Seu pai podia ajudar, não? Eles sempre foram muito próximos.

–É, talvez. - pensei por um momento.

Alguns minutos de silêncio, então Susana voltou a falar.

–Enfim, vamos para Ermo?

–Sim. Já podemos avisar tia Lena. Papai vai adorar a notícia.

Descemos para a cozinha, rumo ao telefone. Susana discou o número enquanto sentamos à mesa e ativou o viva-voz. Ouvimos chamar.

–Alô?

–Mãe!

–Olá, querida!

–Hey, tia Lena, lembra de mim?! - chamei animado.

–Oh, meu Aslam! Caspian, é você?!

–É ele, sim, mãe. -Susana riu, rolando os olhos para mim.

–Querido, como vai? Sua voz está tão diferente. Deve ter mudado tanto, faz anos que não lhe vejo!

Susana e eu trocamos um olhar sobre o “mudado tanto”.

–Pois é, tia, faz muitos anos mesmo. Mas vamos nos ver em breve.

–Quando podemos voltar à Ermo? - perguntou Susana.

–Ora, Susana, a hora que quiserem, claro!

Eu ri.

–Vamos levar alguns amigos, tia, tudo bem? - perguntei.

–Tudo ótimo! Eles poderão se hospedar aqui em casa. Quando vocês vem?

–Er... Acho que nesse final de semana, não é, Su?

–Sim, sim. Avisamos caso apareça algum imprevisto. - concordou ela.

–Susana está se comportando bem, Caspian?

Eu ri novamente.

–Mãe, por favor...

–Ela está sim, tia Lena. Muito bem. - olhei para Susana e ela estreitou os olhos para mim.

–Que bom. Queridos, eu tenho que desligar. Seus pais estão chamando lá de fora. Caspian, pode deixar que eu aviso Tirian. Ele conseguiu quebrar outro telefone. - ela suspirou. Eu sorri. Isso é a cara do meu pai. - Até logo, meus amores.

–Até. - respondemos juntos. E a ligação foi desligada.

[…]

Abri a porta de casa e Lúcia foi logo entrando.

–Pode entrar – falei ironicamente.

–Obrigada. - ela sorriu sapeca. Fechei a porta. - Susana já está pronta?

–Não, está quase. Eu acho. - parei olhando-a de cima a baixo. Usava um vestido curto e folgado com um cinto largo abaixo da cintura, meia calça escura e botas baixas de cano longo. Tinha uma bolsa grande pendurada num dos ombros, um colar fino e comprido, anéis e os cabelos estavam presos num rabo de cavalo, deixando a franja solta. - Vem cá, Edmundo deixa você sair assim?

Ela rolou os olhos daquela forma que só Lúcia sabia fazer e riu. Indiquei o sofá e sentei-me com ela.

–Onde vocês vão mesmo? - perguntei.

–Compras. - explicou. - Preciso de roupas para a viagem.

–Lá vem você com isso. Só vamos para Ermo.

–Não, vamos para uma fazenda. Não tenho roupa apropriada para isso, salto e vestidos não combinam.

–Ok... Ok...

–Lú! - chamou Susana, descendo as escadas. Lúcia e eu ficamos de pé. Eu aguardei enquanto as duas se cumprimentavam. Susana estava linda como sempre, mas eu sou suspeito para falar. Vestia uma saia longa e leve com uma camiseta por dentro e um casaquinho creme que ela deixou com os botões abertos e as mangas recolhidas até acima dos cotovelos. Um cinto fino e prateado dava duas voltas na mesma altura do de Lúcia. Tinha os cabelos soltos.

–Até mais, Caspian. - disseram, logo saindo das minhas vistas.

Solitário naquela casa escurecida pelo início da noite, peguei o computador depois de tomar uma ducha. Vi que Lilliandil ainda não tinha mudado o status do seu perfil para “solteira” e fiz questão de atualizar o meu. Havia uma solicitação de amizade de Susana e não pude deixar de notar a bela foto do perfil, e fazer uma vistoria nas fotos, amigos e publicações. De repente, o celular tocou. Estiquei-me para pegar o aparelho sobre a mesa de centro onde meus pés estavam apoiados e atendi sem me importar com quem era.

–Alô?

–Já falou com Pedro?

Me distraí com uma foto de Susana que abri em seu álbum e demorei um tempo para reconhecer a voz de Edmundo do outro lado da linha.

–Não, por que? - respondi depois de séculos.

–Por que Lúcia ainda está incomodada em viajar sem ele. Ela diz que sente como se estivesse abandonando o irmão. - explicou.

–Mas o que eu posso fazer? Não vou chegar para conversar com ele, seria como baixar a guarda. - defendi, passando para a foto seguinte.

–Caspian, você não está namorando com a Su, se liga, já está de guarda baixa!

Respirei fundo.

–Mesmo assim.

–Deixe de orgulho, Caspian. Vá falar com ele. Eu gosto muito do Pedro, ele é como meu irmão, e você também, mas estou torcendo por você e Susana. Conheço Pedro, sei como ele sempre foi, por isso não estou certo de que ele não se cansará dela logo depois de levá-la para a cama.– falou ele.

–Você não faz ideia da raiva que sinto só de imaginar. - grunhi.

–Eu sei. Mas você e Pedro sempre foram muito amigos. Não que eu sinta ciúmes, claro... – pude quase vê-lo dando de ombros. - A questão é: você já pensou se ele resolve tomar uma atitude primeiro? Passando por cima do orgulho e vindo falar com você ou até mesmo indo direto à Susana?

–Er...

–Não pensou, né?– riu sem humor e voltou a falar como se não falasse comigo e sim com outra pessoa que estivesse lá com ele. - Por que eu sempre tenho que pensar em tudo?!

–Não começa, Ed...

–Você tem que tomar alguma atitude, meu querido! Se você se afastar de Pedro vai dar mais brecha para ele se aproximar de Susana, já que não é mais próximo de você! Além de que se continuar batendo nele e depois gritando para o mundo inteiro que Susana é sua, pode acabar perdendo a amizade de Lúcia também, por que é claro que ela vai preferir o irmão a você.

–Você realmente acha que logo Pedro passaria por cima do orgulho e viria falar comigo?

–Lógico.– disse em tom de deboche, como se fosse óbvio. - Você é quem não ia fazer isso por achar que está seguro em seu castelo e tendo Susana morando com você. Mas é exatamente isso que está formando um impasse. Para você sair vitorioso ela teria que se mudar, mas você não quer que ela saia e consequentemente não pode assumir compromisso com ela por que se fizer isso leva um tiro do pai dela.

–E você ia sofrer muito se eu levasse o tiro, confesse. - provoquei, salvando as fotos de Susana no computador. Pude imaginá-lo rolando os olhos, mas ele riu.

–Tá louco? Ia soltar fogos por que fala sério, Caspian, está para nascer pessoa mais cabeça dura do que você.

Fui eu quem rolou os olhos. Quando fui responder, a campainha tocou. Deixei o notebook sobre o sofá e fui atender ainda com o celular na orelha.

–Não adianta negar... - abri a porta e estaquei. - Ed, eu preciso desligar. Tchau.- desliguei e coloquei o aparelho no bolso sem tirar os olhos da pessoa que estava ali do lado de fora.

À minha frente, estava Pedro.