Quando As Borboletas Se Foram escrita por Beatriz Gallardo


Capítulo 2
#02 Um café, por favor




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Dias se passaram e estávamos no trabalho novamente. Ela era a mesma de sempre, mas agora eu lhe enxergava com outros olhos. Até no seu sorriso de bom dia, eu podia enxergar um fundo de tristeza. Ainda não havia se recuperado? Talvez.

Horário de almoço, ela normalmente ia até sua bolsa e pegava um chiclete nesse momento. Eu nunca havia visto ela almoçar, mas dessa vez ela não abriu a bolsa, ao invés disso colocou-a no braço e foi saindo pela porta. Entrou na padaria fechada que ficava do outro lado da rua.

Entrei logo atrás dela, que não me notou. Fiquei em pé na porta observando-a. Largou-se em uma das cadeiras de uma mesa para duas pessoas, encostada na parede. Consegui notar suas olheiras por um momento, nunca havia reparado, andavam mais profundas nos últimos dias. Colocou os cotovelos na mesa e apoiou o queixo nas mãos, um suspiro.

– Posso ajudar?

– Um café, por favor. - Foi só o que ela disse.

A mulher que veio lhe atender se foi com a caderneta na mão. Vi ela encostar no balcão para pegar o café e voltei a olhar Mel.

Tirou uma prancheta e um lápis da grande bolsa. Me aproximei puxando a cadeira do outro lado da mesa, com um susto levantou o olhar para mim e parou a linha que fazia no papel.

– Posso me sentar?

Ela assentiu com a cabeça.

Sentado, encarei-a por alguns instantes sem notar. Os traços de seu rosto eram suaves, mas o brilho de seus olhos eram duros, agora eu podia notar.

– Não ria. - Destapou o resto do desenho que fazia, nem havia notado, mas ela o escondia com os braços. Um panda.

– Um panda?

Ainda era um rascunho, ela parecia se esforçar para deixar o mais belo possível.

– Você nunca explica nada, não é?

Seu café chegou e ela apenas levantou os olhos para a garçonete.

– Obrigada. - Sorriu e baixou o olhar novamente.

Suspirei.

– Por favor. - Ela disse tão baixo e rápido que eu demorei para processar.

– O quê?

– Aquele dia. Sem perguntas.

– Ah... Claro. Então, posso fazer perguntas sobre hoje?

– Hoje. - Repetiu.

– Sim, hoje.

– Não há nada interessante sobre hoje.

– Você acha? - Perguntei e ela simplesmente levantou o olhar para mim. Eu sorri. - Quem diria, consegui lhe fazer falar um pouco mais que o habitual.

– Eu costumava falar.

– Mas você ainda fala.

– Tagarela.

– Hey, isso é ofensivo Mel!

– Eu.

Parei. Ela estava dizendo... Ela já foi tagarela? Mesmo? A Melissa que esta aqui na minha frente com um café e um desenho de panda, ela já foi o tipo de pessoa tagarela?

Perplexo, me esforço para parar de arregalar os olhos e passo a mão por entre meus fios de cabelo. Ela riu, meio triste.

– Por quê? - Perguntei sem grandes explicações.

Ela apenas respondeu num grunhido interrogativo.

– Por que é tão quieta hoje?

– Falar é desnecessário.

– Mesmo?

– Muitas vezes.

– Ah, certo...

Silêncio. Soprava o café e o bebia em pequenos goles, depois o deixava de lado e voltava ao desenho.

– Pandas. - Eu ri.

Me olhou séria, o que me assustou. Nunca tinha visto aquela expressão em seus olhos.

– Não estou rindo do seu desenho, juro. - Falei, também sério agora. Depois sorri. - Juro de dedinho.

Baixou o olhar para o desenho novamente.

– Pandas são fofos.

Ela parou o lápis por um momento, e depois prosseguiu a risca que fazia.

– Para algumas garotas são símbolo de carinho, chegam a chamar amigos assim. Amigos com abraço de urso panda.

Parou novamente o lápis. Dessa vez voltou a colocar o desenho na prancheta e o esconder em sua bolsa. Será que eu disse algo ruim? Bebeu o último gole do café e pediu a conta. Pegou de cima da mesa um anel que eu não havia notado, beijou-o e colocou no dedo. Após isso começou a se levantar para ir embora.

– Uma vez... - Ela começou, me assustando, novamente. - Conheci um panda. - Ela sorriu, porém não foi capaz de conter a lágrima que lhe escapou pelo canto do olho antes de sair pela porta daquela padaria.

Me lembro da sua imagem ao voltar para loja, ela andava rápido, com pressa, como se não quisesse que ninguém a visse daquele jeito. Seus cabelos castanhos, encaracolados, esvoaçavam de uma forma agressiva.



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