Se Hoje Fosse Seu Último Dia escrita por Gustavo Henrique


Capítulo 6
Capítulo 06 — O Dia Chuvoso




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O alarme do relógio de mesa me deixou desperto contra minha vontade. Uma dor aguda atingiu o interior do meu crânio e, a medida que a luz provinda de fora encontrava aberturas, eu retomava minha consciência. Levei uma das mãos ao rosto e estiquei o outro braço até o criado-mudo, cessando o barulho.

Já era segunda-feira e o fim de semana se passou sem que Annabeth e eu trocássemos uma palavra. Ainda me lembrava de como terminou a noite da festa.

— Cabeça de Alga — Ouvi-a dizer, enquanto afastava-se do meu abraço — Isso foi errado, eu — pausou, procurando as palavras certas — eu preciso pensar sobre o que está acontecendo — completou, fitando-me. Esbocei um pequeno sorriso, o maior que poderia, e a soltei, ainda encarando seus olhos. Alguns segundos se passaram até que ela me deu um singelo beijo na bochecha e saiu, desaparecendo na multidão.

Olhei-me no espelho. Passei alguns minutos ponderando quais seriam minhas palavras quando a encontrasse novamente, o que diria se tivesse coragem. Provavelmente nada. Adorava tê-la ao meu lado, qualquer que fosse o motivo, e se ficar em silêncio fosse preciso, assim ficaria.

Na escola, porém, Annabeth cruzou comigo nos corredores, mas me ignorou. Sua imagem estava diferente: O cabelo desarrumado, o olhar cabisbaixo, as grandes olheiras que competiam com seus olhos. Por algum motivo, ela não estava dormindo. Não preciso dizer que não tive nenhum interesse em nenhuma das aulas. Voltei a almoçar sozinho.

— Senhor Jackson! — Ouvi o chamado insistente do Sr. Quiron, provavelmente depois de eu ter ignorado as suas tentativas anteriores. A voz exaltada do professor me trouxe de volta de meus pensamentos profundos e meus olhos subiram até encará-lo - Qual a resposta do exercício quarenta e dois?

Exercício?

— Eu não sei, professor. — respondi, envergonhado. Ouvi algumas risadinhas abafadas e algum aluno levantou o braço para me salvar de mais embaraçamento.

Quando a aula chegou ao fim, o Sr. Quíron me chamou.

— Anda desatento, Sr. Jackson — ele disse, arrumando seus pertences. Virei-me para responder, mas as palavras fugiram. O que eu poderia dizer a ele, se nem mesmo eu sabia o que se passava na minha cabeça?

— Problemas com garotas, professor. — Disse, sucinto.

— Garotas, hã. — Ele falou, puxando alguns documentos de uma pasta marrom — Garotas não te colocam na Universidade.

— Como?

— Eu estava analisando seu histórico escolar, e, devo dizer, fiquei bem impressionado. Nos últimos anos, você obteve nota máxima em quase todas as matérias, com desempenho exemplar. — Terminou, ainda olhando para os documentos. Não entendi onde ele queria chegar, até que disse — Posso recomendá-lo para Stanford.

A Universidade de Stanford fica na cidade de mesmo nome, no estado da Califórnia, isto é, do outro lado do país.

— Stanford é a melhor universidade na área de biológicas, principalmente Medicina — mencionou, olhando para mim por cima dos olhos.

— Eu ficaria honrado, senhor. — Foi o que pude dizer, depois do choque. Stanford era o sonho.

— Mas eu preciso de um aluno exemplar — ele completou, chamando atenção para minhas divagações mentais.

— Você o terá.

Saí da sala animado. Stanford! Precisava contar isso pra alguém. Minha mãe, claro, mas só a noite, quando a veria. Meu pai. Meus avós. Annabeth.

Fui atrás de quem estava mais perto.

Já era hora do almoço e procurei a figura de Annabeth na multidão da praça de alimentação. Encontrei-a no fundo, sentada sozinha e mexendo desinteressada na comida. Estava me aproximando, quando fui interceptado por Thalia.

— Ei, Percy.

— Oi Thália. — cumprimentei-a, saindo de seu caminho. Ela deve ter percebido onde estava indo, por ter dito isso em seguida:

— Você devia deixá-la em paz.

— Por que?

— No último fim de semana, ela e Luke reataram.

— Mas Annabeth não parece muito feliz.

— Pois é, acho que eles continuam brigando, mas ela gosta demais dele pra largá-lo. Eu não sei o que acontece com esses dois.

Thalia se despediu e eu fiquei sozinho, no meio da multidão.

Decidi me aproximar.

Quando alcancei a mesa de Annabeth, ela continuava cabisbaixa. Percebeu minha presença, mas não disse nada. Sentei ao seu lado, apenas a encarando, pensando o que eu poderia fazer. Passei a encarar a multidão a nossa frente e, em uma jogada arriscada, segurei sua mão livre cuidadosamente. Notei que ela se assustou de início, mas ajeitou a palma entre meus dedos e, de mãos dadas, não trocamos nenhuma palavra. A pele lisa de sua mão ajustou-se confortavelmente na minha e o calor trocado me deixou arrepiado. Consegui sentir seu nervosismo e sua dor apenas pelo toque, e também a calma que esse conforto lhe proporcionou. Próximos um ao outro, compartilhamos nossos pesares e preocupações em silêncio. Observamos a multidão que nos cercava e entendi que nada mais importava além daquele momento, daquele toque.

Teríamos ficado o dia todo dessa maneira, mas o sinal nos interrompeu. Annabeth soltou minha mão e se levantou.

— Obrigada, Cabeça-de-Alga.

— Estarei aqui. — Respondi. — Quando precisar, estarei aqui.

Ela sorriu e desapareceu pelos corredores.

...

Passaram-se dias. Já era sexta-feira.

Atravessava a praça próxima à minha casa, carregando uma sacola de compras e um guarda-chuva, por insistência materna. Minha mãe, aparentemente, esqueceu que tinha um filho e não trouxe comida para casa. Caminhava a passos lentos e me amaldiçoava por não ter pego um casaco mais grosso. O vento batia levemente nas copas das árvores e, no alto, uma massa de nuvens cinzentas se aglomerava, dando sinais de que Sally Jackson podia prever o futuro. Observava os cantos dos quarteirões atingidos pela iluminação pública, cauteloso.

— O que... isso significa? — Ouvi ao longe. Curioso, aproximei-me e vislumbrei Annabeth de costas e, à sua frente, um jovem, de aproximadamente vinte anos, mais ou menos, loiro, alto e bem arrumado, ao lado de uma outra jovem, talvez de mesma idade, mas morena e mais baixa.

— Annabeth, isso não é o que você pensa — disse o rapaz.

— Como não, Luke?! Vocês estavam se beijando!

— Acalme-se, vamos conversar.

O emaranhado de nuvens acima de nós se enfureceu e gotas d'água passaram a cair. Annabeth percebeu que eu estava ali e virou o rosto, provavelmente para que não visse as lágrimas que se misturavam com a chuva.

Estarei aqui.

Fiquei lado a lado com ela. Já encharcado, abri o guarda-chuva e o coloquei em suas mãos. Fitei-a. Posicionei a sacola aos seus pés e atravessei sua visão, ficando entre ela e o namorado.

Foi mais forte que eu.

Vocês não devem saber disso, mas socar alguém dói. Dói muito. Tudo que minha resistência me permitiu fazer foi dar um belo golpe pela direita, que o atingiu no maxilar e o fez cair na calçada. Eu nunca havia brigado na vida, só apanhado. Não tinha a menor confiança de que o venceria.

Mas ele fez a Annie chorar.

Luke riu, sentado.

— Parece que eu não fui o único. Arranjou outro namoradinho, foi?

Ele abria a boca e eu ficava mais irritado. Cheguei mais perto, agarrei-o pelo colarinho da camisa e o levantei.

— Que merda você pensa que está fazendo?! — berrei, furioso.

— Não é da sua conta, moleque. — respondeu, ainda sendo segurado. — Ela mesma mostrou o que quer. Ou não foi com você que ela foi à festa? Como se eu ou você fizesse diferença...

— Você é idiota?! — agarrei com mais força a camisa. — Você não vê o quanto você é importante pra ela?!

Senti um puxão atrás de mim.

— Está tudo bem... — ela dizia, encharcada pela chuva. O rosto encarava o chão e as lágrimas não paravam de cair. — Chega...

Soltei o garoto, que se afastou de nós dois, puxando a jovem morena. Annabeth completou o que dizia:

— Está acabado entre nós dois, Luke.

...

Estava sentado no banco da praça, encarando o céu noturno, depois que passara a chuva. Annabeth, do meu lado, apoiava-se no meu ombro, de olhos fechados. Estávamos ambos completamente molhados.

— Você merece mais do que isso – falei.

Os seus cabelos loiros estavam colados à testa. Percebi a vermelhidão em seus olhos quando ela me encarou e disse:

— Não sei se isso é verdade.

— É claro que é verdade. Você é como o nascer e o pôr do sol, juntos. — minha boca agia sozinha, sem controle. Talvez não fosse o momento para dizer aquilo, mas devia ser dito. Ela precisava escutar. — É inspiradora e de tirar o fôlego. Toda vez que eu te vejo, meu coração bate sem parar. É tão idiota... — ri, sem querer.

— Só você me vê assim, Cabeça-de-alga. Eu sou estranha, complicada, insegura, não tenho nada de atrativo. E ainda não sei escolher namorado.

— Isso você não sabe mesmo.

Consegui tirar dela um pequeno sorriso. Fiquei feliz com esse pequeno gesto.

— Eu te amo, sabia? — Declarei, sem medo. Ela subiu o rosto, encarando meus olhos. — Foi tudo tão rápido. Não sei se deveria me sentir assim, mas, bem, eu me sinto.

Ela se aproximou devagar e me beijou, de forma carinhosa. Nossas mãos estavam entrelaçadas e, nossas respirações, sincronizadas. Afastamo-nos e nos aproximamos, testa a testa. Fechamos os olhos para sentir o que significava estar ali. O que significava tudo aquilo.

Momentos melhores vieram.


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