Se Hoje Fosse Seu Último Dia escrita por Gustavo Henrique


Capítulo 5
Capítulo 05 — O Dia da Festa




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Odiei vê-la chorar.

...

As estrelas do céu noturno acima de nós estavam particularmente mais brilhantes. Eu as observava sentado em um banco improvisado, fora do ginásio de esportes da escola, onde acontecia a festa de recepção de calouros. Encontrava-me especialmente mais elegante, vestido como um pinguim mas sem a gravata e com alguns botões soltos, típico de fim de festa. Portava, na mão direita, uma garrafa pequena de refrigerante, que comprei em uma lojinha próxima a escola. Nunca gostei dos ponches batizados (misturados com álcool) que os adolescentes serviam nas festas de colégio, então me preveni no caminho. O vento batia nas copas das árvores à minha frente e o movimento das folhas, acompanhado com o silêncio da noite, tiraram-me a atenção do barulho desgostoso da música ruim e da multidão do ginásio.

— Ei, Cabeça-de-Alga.

Certo, o apelido tem uma explicação.

Vejam, meus almoços na escola tinham ficado mais interessantes desde que passei a ter companhia para eles. Annabeth e Thalia me acompanhavam, sempre fofocando sobre outras alunas ou sobre os professores, o que quase nunca chamava minha atenção. Normalmente, apenas concordava quando surgia alguma pergunta e admirava Annabeth, seus olhos cinzas, seu sorriso e seu jeito.

Estava perdidamente apaixonado.

Mas de volta ao apelido. Em um dos almoços, um dos garotos do 1º ano escorregou enquanto carregava o seu lanche e uma folha de alface caiu no meu cabelo. Acontece que eu não percebi imediatamente.

— Você está bem? Parece meio verde — Thalia disse, contendo muito mal o riso, enquanto Annabeth gargalhava sem parar.

— É, está parecendo um vegetal — A loira completou, agora com as mãos sobre a barriga.

Lembro de ter pego meu celular pra olhar e, quando vi do que se tratava, confesso que ri um pouco. Mas, como todo adolescente orgulhoso, tirei a folha verde de minha cabeça, reparti-a em dois e lancei sobre as engraçadinhas, que se livraram do vegetal assim que tocaram suas peles.

— Muito engraçado — respondi, desdenhoso.

— A gente devia ter gravado isso, assim não esqueceríamos — Thalia comentou, ainda se recuperando das gargalhadas.

— Já sei! — Annabeth me olhou, sorrindo — Vou te chamar de Cabeça-de-Alga.

— O que alga tem a ver com alface, mulher? — A outra garota questionou.

— Nada — riu, como se risse de uma piada que só ela soubesse — mas eu achei legal.

Eu entendi do que ela tinha rido. Naquela nossa pequena viagem até o morro, eu contei-lhe meu sonho de ser um biólogo. Annabeth estava fazendo uma piada que só tinha graça pra nós dois. Um pequeno segredo nosso.

Mas, mal sabia eu que, logo depois daquele almoço, meus planos pro futuro mudariam completamente.

De volta à festa.

— Olá, Annabeth — Respondi à seu comprimento, enquanto levava o refrigerante à boca.

— O que está fazendo aqui fora?

O que eu estava fazendo ali fora?

Como já contei, Annabeth me convidou para o baile depois que o namorado, Luke, disse a ela que não queria ir. Não tinha ficado feliz com aquela situação, mas também não fiquei completamente triste. Tinha conseguido um encontro com a garota que eu estava apaixonado, uma chance de provar que eu era melhor que aquele outro cara. Por isso, preparei o melhor que podia para a noite. Aluguei o terno, comprei flores e fiquei o dia todo treinando o que diria pra ela no momento certo. Fiquei vagando sem rumo pelo apartamento, nervoso, recitando o pequeno discurso que tinha bolado, corrigindo o que fosse necessário. Repetia-o para mim mesmo, de novo, de novo e de novo.

Até que a campainha tocou.

Fui até a porta, dei uma rápida olhada no meu cabelo e a abri.

Annabeth estava linda. Mas que o normal, eu digo. Usava um vestido curto que misturava azul e branco, minhas cores favoritas. Acho que tinha dito isso a ela. O cabelo loiro e encaracolado estava preso de um modo que o fazia cair sobre seu ombro esquerdo, deixando a orelha direita à mostra. Tinha no rosto a quantidade ideal de maquiagem, sem exageros, que realçava seu sorriso e seus belos olhos.

Não me orgulho de dizer que travei com a imagem.

— Ahm, oilá

Droga. Isso de novo?

— Oilá pra você também — ela riu, deliciando-se com a situação — Está pronto?

Estava para sair quando me lembrei das flores. Corri para o meu quarto, agarrei o buquê e sai do apartamento.

Sobre as flores, eu nunca fui bom em escolher nada. Fui à florista aquela tarde e simplesmente peguei as que tinha achado mais bonitas, rosas brancas. Não sei que significado social elas tinham, apenas as peguei. Annabeth pareceu gostar das rosas, pois me deu um pequeno beijo na bochecha.

Que vergonha, um rapaz de dezessete anos se empolgando por um beijo na bochecha.

Annabeth foi dirigindo até a festa com seu carro quadrado e elegante, enquanto trocávamos algumas palavras. A cidade passava rapidamente diante de meus olhos, então decidi observar a loira ao invés. Quando percebi, já estávamos no estacionamento da escola.

O ginásio estava bem arrumado para uma festa de colegial. O interior, que continha uma quadra de basquete, agora abrigava um conjunto de mesas que desenhavam um círculo, com um grande espaço vazio no centro. Ao fundo, lia-se uma faixa "Bem-vindos calouros!" e, dos lados, grandes mesas retangulares, que forneciam, à esquerda, bebida aos alunos (aquele ponche), e, à direita, petiscos e frios variados. Pude notar que a Comissão de Festas se esforçou bastante para arrumar o lugar. Avistei muitos rostos conhecidos, por cruzar com eles nos corredores da escola, mas muitos desconhecidos também. O local estava abarrotado de alunos, que sentavam-se às mesas individuais ou dançavam no centro ao som de uma música barulhenta.

— Ei, Cabeça-de-Alga! — Annabeth gritou do meu lado, para superar o barulho da música — Quer dançar?

Tudo que meu corpo permitiu que eu fizesse foi estender a mão à ela, que aceitou de bom grado. Fomos até o centro, onde improvisamos passos descontrolados e alegres. Por alguns minutos, o mundo a minha volta desapareceu e tudo que eu pude ver era Annabeth indo de um lado para outro, rindo e se divertindo.

A música animada parou e uma lenta tomou o seu lugar. Annabeth tomou minhas mãos, posicionando-as, e se aproximou. Dançamos em círculo por alguns segundos e ela encostou a cabeça no meu ombro. Pude ouví-la sussurrar:

— Muito obrigada por ter vindo.

Teria respondido, mas entendi o que ela queria dizer com aquilo. Enquanto eu estava preocupado demais em causar uma boa impressão, não tinha percebido que ela estava sofrendo. Por isso, permaneci em silêncio, ouvindo o que ela tinha a dizer.

— Eu sei que parece que o Luke é insensível, mas ele é um cara legal. Deve ter seus motivos pra não vir.

Então, eu respondi.

— Talvez.

E a conversa acabou. Ela apertou seu rosto no meu peito e terminamos a música que tocava, sentindo o toque um do outro. Conseguia sentir a sua respiração, suave e silenciosa, e meu coração acelerava a cada suspiro. Encostei meu rosto em seu ombro e nos movemos ao som calmo que tocava.

Quando o ginásio ficou silencioso, na transição de música, o celular de Annabeth tocou e pude ver no visor que era Luke.

— Pode atender.

Eu me afastei e deixei-a com sua privacidade.

Uma angústia tomou meu corpo e comecei a ficar sem ar. Desfiz minha gravata e abri os botões de cima da camisa, esperançoso que isso resolvesse, o que não aconteceu. Saí do ginásio e suspirei, profundamente. Percebi que não tinha bebido nada a noite toda e, à minha frente, encontrei uma lojinha aberta, onde comprei uma garrafa de refrigerante. Segui até um banquinho do lado externo da escola, em que me sentei e passei a observar as estrelas.

...

A voz dela ecoou novamente em minha cabeça, questionando o porquê estava lá fora.

— Fiquei sem ar — respondi a pergunta da loira, que se sentou do meu lado.

— Você é maluco, Cabeça-de-Alga — Annabeth disse, pegando o refrigerante da minha mão e bebendo um pouco. Em seguida, encostou a cabeça no meu ombro e começou a observar as mesmas estrelas do mesmo céu que eu.

Permanecemos imóveis por alguns minutos e o mundo parecia ter parado.

E ela começou a chorar.

Entrei em pânico. Não sabia o que fazer em uma situação dessa. Tudo que fiz foi ajustar meu corpo para que chorasse sobre mim e passei meus braços à sua volta. Seu rosto agora se enterrava sobre meu peito e meu queixo descansava sobre seu cabelo loiro. Annabeth começou a falar e, no meio dos soluços, consegui entender que Luke tinha ligado para conversar, mas brigaram feio e acabaram o namoro.

— Ele quis saber... — ela soluçava entre as frases, tornando difícil pra eu entender — ... porque eu tinha vindo com outro garoto... e porque... eu era tão difícil... mas ele... ele nunca dá o braço a torcer...

Fiz o que cabia a mim.

Fiquei em silêncio.

Chegou o momento que ela parou de chorar. Levantou o rosto e percebi que estávamos a poucos centímetros de distância, abraçados e olhando um ao outro. Os olhos, antes cinzas, estavam vermelhos e molhados, e sua expressão de tristeza só me deixava com mais vontade de confortá-la. Decidi não avançar. Qualquer coisa que acontecesse nessa noite entre nós seria por ela estar vulnerável e não era assim que queria conquistá-la.

Mas foi ela que me beijou. Juro.

O beijo foi repentino, mas tranquilo. Durou alguns segundos e nossos lábios apenas se tocaram.

Posso dizer exatamente o que eu senti naquele momento: A felicidade de estar junto com meus pais, de estar em paz, de estar apreciando a visão daquele morro, tudo junto e multiplicado por mil.

Meu coração acelerou tanto que tive medo dele sair pulando pela escola e minhas mãos tremiam enquanto seguravam os ombros dela. Com os olhos fechados, não pude ver como ela reagiu ao beijo, mas senti suas mãos agarrando minha camisa com força.

Quando nos separamos, fitamos um ao outro, esperando que um de nós dissesse alguma coisa. Mas, então, eu a puxei em meus braços.

Melhores momentos virão.


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