Se Hoje Fosse Seu Último Dia escrita por Gustavo Henrique


Capítulo 4
Capítulo 04 — Depois do Segundo Dia




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Annabeth só esteve em minha última classe.

Ainda que eu tivesse focado minhas aulas em humanas e biológicas, pelo que eu queria fazer na universidade, a escola ainda obrigava os alunos a ter o básico de tudo, então lá estava eu, na aula de matemática. Deve ter sido por isso que vi Annabeth na aula de biologia.

Assisti a aula desinteressado. Só prestei atenção quando a professora, Sr. Dodds, comunicou os alunos sobre a festa de recepção de calouros no fim de semana, para que começássemos a convidar as garotas.

E eu sabia quem eu chamaria.

Finalizada a aula, segui Annabeth até a saída, onde encontramos seu carro. Era um daqueles carros antigos, quadrado mas elegante, de coloração verde escura. Percebi que era velho quando entrei. O couro que revestia os bancos parecia ser o original e o carro tinha um toca fitas no painel principal. A moça se sentou ao meu lado e colocou a chave na ignição, o que gerou um barulho bem alto. Saímos do estacionamento escolar e atravessamos um pedaço da cidade.

Ficamos ali, em silêncio, por quase meia hora, quando avistamos de longe um pequeno pico de montanha e uma estrada que o acompanhava.

– Quase lá. - A loira comentou, alegre.

Circundamos o pico, subindo-o. Chegamos até o topo e Annabeth estacionou.

Era impressionante.

Vi ali uma construção modesta, de tintura branca, que se mantinha na borda do pico, rodeada por uma cerca que alcançava minha cintura. Nos aproximamos do limite e a paisagem era incrível. Era difícil descrever. De lá, conseguíamos ver uma boa parte da cidade, de um lado, e do mar, do outro. Lá de cima, tudo parecia menor do que julgava. Percebi o tamanho dos nossos problemas: pequenos, quando vistos dali.

Naquele momento sabia porque Annabeth me levara até o lugar. De algum modo, as coisas perderam importância. Minha dor diminuiu, e isso foi bom.

— E aí, gostou? — ela perguntou, olhando para mim.

— É... impressionante — respondi, apreciando a visão.

— Eu achei que fosse gostar. Eu costumava vir aqui, sabe. Pra esquecer os meus problemas.

— Seus problemas?

— É. Minha mãe... — Annabeth hesitou, mas acabou cedendo — Minha mãe morreu quando eu tinha dez anos. Desde então, tem sido apenas eu e meu pai.

— Eu sinto muito. — É verdade. Todos tem seus próprios problemas.

— Não se preocupe. Eu não posso dizer que superei, mas eu consegui seguir em frente.

— Eu achei que isso fosse superar.

— Não. Eu sei que não superei porque não se passa um dia sem que eu pense nela. No jeito que ela falava comigo, no jeito que sorria. Meu pai disse que eu puxei os olhos dela, sabe.

Olhei para seus olhos, sem pensar. Notei a dor que eles escondiam, as lágrimas que seguravam. A garota passou uma das mãos sobre eles, tentando evitar o choro.

Decidi contá-la sobre meu pai, no intuito de distraí-la, mas acabei contando muito mais do que isso. E descobrindo muito mais do que isso. Descobri que ela queria ser arquiteta, para construir algo que durasse a eternidade. Contou-me, também, que o pai era professor de história na NYU (Universidade de Nova Iorque) e que planejava estudar lá. Contei-lhe sobre meu interesse em biologia e ela me perguntou algo que não saiu da minha cabeça por dias:

— Você nunca pensou em ser médico?

Passei a ponderar a ideia. Não seria ruim.

Conversamos por um bom tempo, até que, sem percebermos, o sol se punha no horizonte. O céu se coloria em um tom quase alaranjado. Annabeth fitou o pôr-do-sol, então fiz o mesmo. Virou-se para mim e disse:

— Melhores momentos virão.

Sorri, sem desviar o olhar do sol se pondo. Voltei minha atenção à ela quando escutei:

— Vamos. Nossos pais podem ficar preocupados.

Eu assenti. Segui-a até o carro e partimos para o trânsito.

Quando chegamos mais ao centro da cidade, Annabeth inseriu uma fita no tocador e a música alta tomou conta. Levei alguns segundos para entender que se tratava de It's My Life, do Bon Jovi. Fique surpreso quando, no refrão, a loira começou a cantar.

It's my life

It's now or never

I ain't gonna live forever

I just want to live while I'm alive

Decidi acompanhá-la e cantamos juntos a segunda parte.

My heart is like an open highway

Like Frankie said

I did it my way

I just wanna live while I'm alive

It's my life

Depois nos entreolhamos e caímos na gargalhada, ouvindo o resto da música.

A vida estava acontecendo. E eu fazia parte disso.

Finalmente, chegamos no quarteirão do meu apartamento. Annabeth parou na frente do meu prédio e eu me lembrei do recado da Sr. Dodds, sobre a festa. Tomei coragem, pensando no que dizer, e soltei:

— Er, Annabeth, escuta...

Antes que pudesse dizer algo, o celular dela tocou. Pediu desculpas e atendeu.

— Ah, oi amor!

Amor?

— Aham... Como assim, não vai na festa?... Eu sei que é uma festa de colegial, Luke, mas é importante pra mim!... Quer saber, vai se danar!

Disse e desligou subitamente. Olhou pra mim, agora exprimindo raiva. Inspirou profundamente e perguntou:

— Você tem par pro baile?

— Er, não, mas...

— Então te pego às 19h.

Assenti fracamente e saí do carro. Subi as escadas da portaria e acenei, de longe, para o carro que sumia entre os outros.

Não era assim que eu queria ir na festa. Pelo que eu entendi, ela tinha um namorado, e só ia comigo por ser segunda opção. Não estava feliz com aquilo.

E estava disposto a mudar aquela situação.


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