Se Hoje Fosse Seu Último Dia escrita por Gustavo Henrique


Capítulo 3
Capítulo 03 — O Segundo Dia




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O segundo dia conseguiu superar o primeiro.

Novamente, o dia começou como todos os outros. Arrumei minhas coisas e agarrei meu uniforme, pendurado cuidadosamente na maçaneta da porta, para vestí-lo. Segui até minha mãe, que repetiu o ritual matinal: reclamar e me dar o almoço.

Seguimos em silêncio até a entrada da escola e, ao virar para se despedir de mim, minha mãe viu um sorriso tímido em meus lábios e se alegrou.

Vocês devem estar se perguntando o porquê de eu não ir dirigindo para a escola. Bom, não tínhamos outro carro. Acontece que o orçamento estava bem apertado e, como meu pai nunca contribuiu financeiramente, minha mãe arcava com todas as contas, então pedir um carro não era a melhor ideia.

Saí do carro às pressas, atravessando o pátio escolar o mais rápido possível. Tentei não esbarrar em ninguém, desviando de impactos prováveis. Queria estar em meu armário quando ela aparecesse.

E ela apareceu.

— Olá, Perseu.

Ela lembrou o meu nome. Isso é um avanço, certo? Tinha que dizer algo inteligente.

— Oilá Annabeth.

Oilá? Que merda é essa?

E foi só isso.

É claro que o bobão aqui ficou sem assunto. O tempo que tive com ela resumiu-se em "oi"s trocados e um silêncio desconfortável enquanto pegávamos o material necessário para a aula.

Espera, espera. Eu cheguei a descrever o uniforme da escola? Acho que não. As camisas eram brancas, com detalhes em azul nas mangas. No lado esquerdo do peito, o tecido ostentava o símbolo da escola com os dizeres "Colégio Excelência. O futuro é aqui". Nas costas, o símbolo se repetia, mas sem os dizeres, e maior, o suficiente para tomar todo o espaço. Os meninos, junto com a camisa, eram obrigados a vertir calças, enquanto as meninas, saias.

E Annabeth ficava espetacular com uniforme. Se bem que eu sou meio suspeito quanto a isso. Ela ficaria espetacular com qualquer coisa.

O sinal tocou e os alunos começaram a se mexer. Já tinha decorado meu horário da semana toda (eu fico nervoso nos meus primeiros dias e tendo a fazer isso), então segui para a aula que iniciaria meu dia: Biologia.

Fato interessante: Eu adoro biologia. Já tivera essa discussão com minha mãe algumas vezes e disse à ela que gostaria de cursar, em uma universidade, um curso de biologia ou algo parecido. E isso significava que eu conhecia cada detalhe da matéria, já que lia o máximo que podia sobre o assunto.

Acontece que Annabeth estava na minha classe.

— Senhor Jackson — O professor anunciou, quando entrei na sala. Estava alguns segundos atrasado e eu acho que ele não gostou disso. — ser novo na escola não justifica atrasos.

— Eu peço desculpas, senhor... — Cerrei os olhos e consegui ler o nome impresso em sua pasta — Quíron.

— Tudo bem. Agora... Senhorita Chase, você poderia fazer dupla com o atrasadinho, por favor?

Annabeth assentiu, sorrindo. O professor apontou para a mesa da moça e os outros jovens deram risadinhas enquanto eu passava. A sala era pequena e irritantemente branca. Contei dezesseis alunos, incluindo a mim, que espalhavam-se pelo cômodo separados em duplas, cada qual responsável por uma mesa retangular. Em cima de cada mesa, consegui distinguir um animal deitado e que, ao chegar mais perto, entendi que se tratava de um sapo com o peitoral aberto. Sentei-me ao lado da garota, evitando contato visual.

Maldita timidez.

Observei-a com o canto dos olhos. Ela fitava o animal, cerrando os olhos para obter detalhes biológicos. Mexia nos cabelos loiros, colocando-os atrás da orelha, e mordia os lábios quando notava algum fator desconhecido. Os olhos cinzas continuavam lá, misteriosos, até que eles se viraram em minha direção, encontrando-se com os meus, contato que eu fiz questão de desfazer o mais rápido que pude.

Droga. Não é possível alguém se apaixonar tão rápido, é?

Agarrei uma das folhas sobre a mesa e li a tarefa designada para hoje: Encontrar o sistema respiratório do animal aberto e descrevê-lo no papel. Fácil. Um anfíbio, em sua fase adulta, respira através de pulmões e da pele, ou seja, possuiria um sistema pulmonar e cutâneo. Encontrá-los e descrevê-los seria mole.

Só que Annabeth não tinha ideia do que estava fazendo.

Comecei a assistir o movimento das mãos da moça e as expressões de nojo que fazia quando tocava o corpo do sapo. Vi ela agarrando tudo, menos os pulmões.

Decidi ajudá-la, dando a ela instruções de onde estaria o que procurava. Ela sorriu e pegou o que disse para pegar, olhando para o lado, enjoada. Colocou sobre a placa de metal própria para aquilo e limpou as mãos em uma toalha.

— E agora? — ela perguntou, olhando para a folha da tarefa.

— Eu preencho, não se preocupe.

E assim o fiz. Queria impressionar o professor, então escrevi o máximo de detalhes que pudia, elaborando um belo texto. Annabeth ficou impressionada.

Tiramos um A+.

As aulas que se seguiram foram monótonas. Não vi Annabeth até o horário do almoço.

Estava sentado, sozinho como sempre, com um livro aberto e o almoço que minha mãe preparara. O livro era Hamlet.

Outra coisa que eu adorava, literatura. Se biologia não desse certo, seria escritor. O que significava, claro, que eu odiava números.

Enfim, estava almoçando quando a loira sentou ao meu lado, com a bandeja fornecida pela escola.

— Annabeth?

— E aí, Perseu?

Eu perdi alguma coisa?

— Er, por que você se sentou aqui?

— Por que, quer que eu saia?

— Não, claro que não. Só achei meio estranho.

— Bom, eu pensei que depois de desvendar os segredos do meu armário e do meu anfíbio, poderíamos ser amigos. — disse, brincando e colocando um pouco da comida na boca.

— Ahm, claro. — respondi, surpreso.

Depois de trocarmos alguns sorrisos, uma garota, com um estilo punk, sentou-se à minha frente, ao lado de Annabeth. As mesas do refeitório eram circulares, então isso era possível. Tinha cabelos negros, com uma mecha azul que se destacava na frente, e vestia o uniforme da escola, com algumas alterações. A saia fora pintada, em alguns pontos, de roxo, enquanto a camisa era tingida com detalhes em preto. Utilizava alguns acessórios escuros, o que deixava a aparência dela um pouco assustadora. Mas não se enganem, ela era bem bonita.

— E aí, Annie.

— Olá, Thalia.

— Quem é? — indagou, apontando para mim.

— Percy Jackson — eu disse, estendendo a mão em sua direção. — Prazer em conhecê-la.

Devo ter feito algo engraçado, porque a moça começou a rir. Agarrou minha mão com força e disse, em um tom de deboche.

— Thalia Grace. Prazer em conhecê-lo.

Não entendi na época, mas ela estava tirando sarro do meu jeito certinho. Ela se ajeitou na mesa e almoçou conosco, enquanto compartilhava suas pensadas conspirações, como a sexualidade de alguns professores e como eles a perseguiam. Annabeth a acompanhou, então eu fiquei em silêncio a maior parte do tempo, só ouvindo suas histórias.

Até que chegou um momento que Thalia olhou para o relógio. Arregalou os olhos e disse:

— Desculpa galera, tenho que resolver um assunto.

Arrumou os restos do almoço na bandeja, ficou em pé e partiu por entre a multidão de alunos.

Annabeth olhou para mim e, dessa vez, eu não desvei os olhos.

— Então, cadê seus amigos? — ela perguntou. Eu dei uma risada fraca e respondi:

— Segundo dia de aula. Não sou tão popular assim.

— Não os amigos dessa escola. Você ainda vê seus amigos de São Francisco?

Eu tinha lhes contado, durante a conversa, que tinha vindo de lá. A pergunta me pegou de surpresa e não via o porquê de mentir. Passei a olhar a mesa, enquanto brincava com o resto do pão do meu almoço.

— Eu só tinha um amigo, e não o vejo mais.

— Por que?

— Porque ele enfiou uma bala na própria cabeça.

Caramba. Por que eu falei isso?

O pensamento passou tão rápido em minha cabeça que eu acabei soltando no ar, sem querer. Imediatamente, levantei os olhos e encarei Annabeth, que exprimia surpresa. Levou alguns segundos para que saísse do transe e dissesse:

— Sinto muito.

— Ahn, não... Não se preocupe, eu superei isso.

Ela me olhou preocupada. Passou os olhos de cima a baixo sobre mim e ofereceu:

— Quer ir comigo em um lugar depois da escola?


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