Mais Do Que Você Imagina escrita por RoBerTA


Capítulo 7
Roedores alados


Notas iniciais do capítulo

Ooooi pipoquinhas!! Acho que nem preciso dizer o quanto ameeeei demais os reviews, né??? :3
Espero que gostem do capítulo.
Sugestão, reclamação, estou a disposição ;-)
BjxxxxxxxxxxxX ♥



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Fico cutucando o macarrão no prato de um lado para o outro. Suspiro, e olho para o teto. Lá está a mancha de ketchup de cinco anos atrás. Um pequeno incidente que me rendeu duas semanas de castigo. Às vezes penso que passei mais tempo da minha vida de castigo do que fora dele.

— Chris? — Jimmy me cutuca com o cabo da faca.

— O quê? — Mastigo um brócolis, enquanto sou obrigada a ouvir meus pais conversarem sobre uma cirurgia, como se fosse o assunto mais normal em um almoço.

— Aquela boneca não para de me encarar. Estou ficando com medo. — Atiro um olhar descrente em sua direção. Ele tem a decência de parecer envergonhado. Olho para Caolha, sentada na cadeira em que a pus, de frente para mim, porém seu único olho estava de fato voltado para Jimmy, sentado ao meu lado esquerdo. Caramba, além de ter um único olho, era vesga. Perfeito.

— Jimmy, faz o favor de parar de ser tão fresco.

— Ei! — Ele exclama ultrajado.

— Crianças! — Meu pai levanta a voz, prevendo a discussão que viria a seguir. Sério, odeio quando ele me chama de criança. Volto a prestar atenção no meu prato, enquanto Jimmy evita olhar na direção da Caolha.

Aqui em casa existe o reversamento de pratos para lavar a louça. Hoje era a vez do pobre Jimmy.

O Eric vai vir daqui a pouco para me ajudar a catar umas roupinhas de boneca antigas para Caolha. — Digo enquanto dou a volta na mesa para pegá-la. — Eu vou tomar banho. Se ele chegar antes de eu terminar, mande-o me esperar na sala.

Ninguém diz nada, apenas acenam levemente com a cabeça. Enquanto o almoço era preparado, contei a eles sobre o tal trabalho. Quando disse quem era o papai, Jimmy engasgou, mamãe teve a decência de crispar os lábios para segurar a risada, mas meu pai, ah, meu querido papai, esse explodiu em uma gargalhada que parecia ter feito o vidro da janela tremer.

Pego uma muda de roupas que só uso em casa. Um shortinho vermelho desbotado e uma regata branca com pequenas estrelinhas prateadas, a maioria descascando, fora uma única que não havia perdido o brilho. Ah, e é claro, as roupas íntimas, se é que me entende.

Entro no banheiro, abaixo a tampa da privada, e ponho Caolha sentada lá. Não sei o porquê do medo do Jimmy. Tudo bem a boneca tinha alguns arranhões por todo corpo, principalmente no rosto. Um buraco negro substituía o olho que falta, enquanto o outro ficava virado para fora em um ângulo esquisito. Apenas alguns fios de cabelo de um loiro escurecido pela sujeira, emaranhados, estavam presos em uma chuquinha acima de sua cabeça arredondada. O vestido velho estava rasgado em alguns pontos e manchado em muitos outros. Fora que a Caolha definitivamente precisava de um banho. Ah, e tinha também sua pequena boquinha formando um “O”, como se estivesse presa em um grito de terror eterno.

Em uma única palavra: fofa. Sério, essa boneca era muito fofinha.

Tiro minhas roupas e as jogo atrás da porta. Vou para debaixo do chuveiro e fecho os olhos enquanto as milhares gotinhas parecem beijar todo meu corpo. Fico um tempo assim, com a mente vazia, apenas sentindo. E é maravilhoso. Não pensar. Só ser. Mas logo meu momento de perfeição se mostra como todo o resto: finito. O único infinito que admito é o universo, quanto ao resto, estou sempre esperando seus fins. Mas mesmo o universo, não tenho certeza absoluta.

Termino meu banho, e me sinto uma nova pessoa. Completamente revigorada.

Seco-me com a toalha e me visto. Deixo com que meu cabelo se seque ao natural. Pego Caolha carinhosamente e desço até o andar abaixo. Naquele momento a campainha soa. Eu mesma atendo a porta. Eric está parado, recostado contra a porta, com sua expressão eu sou o dono do mundo, me idolatrem.

Quando me vê, lá está o meio sorriso sacana. Acerto um tapa em seu rosto, e ele me fita chocado.

— O que diabos foi isso?!

— Uma palavra. — Digo solenemente. — Amamentação.

Ele suspira e revira os olhos dramaticamente.

— Deuses. A mãe da minha filha é uma psicopata.

Dou um soco no seu pobre braço direito, de leve.

— Certo, vamos logo. Depois eu quero dar um banho na Caolha.

Entro e ele me segue. Cumprimenta meu pai, que está sentado no sofá assistindo televisão com Jimmy ao seu lado.

Ambos acenam alegremente para Eric, como se ele fosse da família. Sério, qual era o problema dessas pessoas que se deixavam encantar facilmente pelo charme mixuruca do Eric?!

Minha mãe já deve ter ido trabalhar, pois não a vejo em lugar algum. Subo as escadas na dianteira, e tenho quase certeza que os olhos do Eric estão fixados no meu bumbum.

— Quer fazer o favor de parar de olhar para a minha bunda? — Viro a cabeça o suficiente para ver seu rosto, que exibe uma expressão de satisfação, sem qualquer traço de vergonha ou arrependimento.

— Não.

Gemo baixinho, sabendo que agredi-lo na escada resultaria em algumas fraturas de ambas as partes.

Chego à escadinha que nos levará ao sótão. Subo primeiro, e ele vem logo atrás. Não consigo enxergar nada, nem a chave de luz. Estreito meus olhos, mesmo ciente da inutilidade disso. Sinto sua respiração na minha nuca.

— Hnmm.

— O que você disse? Não falo retardadês, esqueceu?

— Certo, você fala idiotês. Que gafe a minha.

— Ah, isso vindo do carinha com fluência em otariês.

— E você, com doutorado em imbecilês.

Idiota. — Sibilo.

— Eu sei que você tem um fetiche por idiotas. Eu não me importaria se você se aproveitasse de mim.

— Ah, cala a boca!

Com isso saio tateando no escuro, à procura da droga que traria luz a essa escuridão. Quando por fim acho, puxo aquela cordinha que deve ser cheia de bactérias. Estremeço com o pensamento.

Então a pequena lâmpada pisca algumas vezes, e finalmente — finalmente! — ela se mantém constante. Agora já é possível ter uma noção do que tem ao nosso redor.

Viro-me, e dou de cara com um Eric de expressão séria. Quase tenho um AVC quando o sinto pôr as mãos na minha cintura e se inclinar na minha direção. Estranhamente me mantenho parada.

Mas então, algo passa voando acima nós.

Algo não. Um roedor alado, como prefiro falar.

Eric se solta de mim imediatamente e se atira em algum canto do sótão. Ele passa as mãos ao redor das pernas, e fica se embalando para frente e para trás.

Eu sabia que ele tinha medo de morcegos. Mas não pânico.

Seus olhos estão vidrados, encarando o nada quando me aproximo sutilmente. Ajoelho-me em sua frente, e deposito Caolha ao nosso lado.

— Ei, — digo, enquanto ponho a mão em seu ombro, que estremece ao toque — ele já se foi. Está tudo bem. Não precisa ter medo.

Então suas incógnitas se voltam para mim, e me sinto mais exposta do que se estivesse nua em sua frente.

— Não tenho medo deles. É, é... é que, isso me faz lembrar. Mas parece mais um pesadelo, e não uma lembrança.

Eric estremece novamente, e me sinto sem ação. Ninguém sabia o motivo de seu medo. E ele parecia ter um.

— Me conte. Você vai se sentir melhor.

Ele puxa o ar pelo nariz e solta pela boca, de olhos fechados. Repete um punhado de vezes, até que finalmente parece mais estável.

— Quando eu era menor, meus pais não gostavam do fato de eu ir brincar do porão, na verdade, eles odiavam. Mas eu era teimoso, e sempre ia. Certa vez, não disse a ninguém que ia lá, e desci com meus brinquedos. Ouvi um barulho estranho, como algo sendo trancado, mas pouco significado eu dei. A brincadeira estava tão divertida! Depois de um tempo, meu estômago começou a reivindicar comida, gemendo de fome. Resolvi subir. Mas a porta estava trancada. Entrei em pânico. O sol já havia se posto, e a noite reinava. Com ela, os seres com hábitos noturnos. Roedores alados, como você prefere dizer. O porão estava cheio deles. — Eric aperta com força os olhos. — Estavam por toda parte. Seus olhos pareciam me encarar, brilhantes, os únicos pontos de luz naquela escuridão infernal. Não conseguia soltar um pio sequer, o pânico era maior. Ficava imaginado eles virem me atacar, sugar todo meu sangue, até a última gota. Passei a noite inteira acocado num canto, sentindo o frio alcançar meus ossos. Não dormi por um minuto sequer. Imaginei mil e uma maneiras de eles me matarem. Nunca me senti mais feliz do que na manhã em que meus pais apareceram. Eles estavam aliviados por terem me encontrado. Disseram que reviraram a cidade inteira atrás de mim. Isso foi antes e você se mudar para cá. — Ele acrescenta.

— Oh, Eric. Sinto muito! Se eu soubesse, jamais teria te trazido para cá!

— Está tudo bem, eu só preciso ir pegar um pouco de ar. Depois eu volto para a gente dar banho na nossa prole. Ok?

— Sim, — digo, reparando em sua palidez anormal — tem certeza de que está bem?

— Bem não estou, mas mal também não. Só preciso, sair daqui.

Concordo relutante, e o vejo sumir através do buraco que serve como porta. Suspiro, e pego Caolha do chão. Começo a procurar a caixa com as roupas. Não demora muito para que a encontre. Está perto de outras caixas com outros brinquedos meus. Pego-a, e a levo para baixo sem demais dificuldades.

Paro um pouco, tomando um fôlego, e depois volto a descer. Deixo a caixa ao lado da escada, e não vejo nenhuma alma viva em lugar algum. Papai provavelmente também foi trabalhar, e Jimmy deve ter ido à casa de algum amigo. Abro a porta de entrada, e vejo Eric apoiado na pequena cerca que serve de decoração.

— Está melhor? — Pergunto suavemente. Ele se vira para mim, e sorri discretamente. Sua cor voltou ao normal, constato aliviada.

— Sim, muito melhor. Então, sobre aquela sua ideia de tomarmos banho juntos?

— Há! — Falo, mas não deixo de sorrir. — Acho que você está ficando surdo. Nós vamos dar banho na Caolha juntos.

Ela faz uma carinha de decepção. Olha para seu relógio e diz alegremente.

— Nós temos menos de uma hora para esse banho, sendo que às quinze e meia a detenção nos aguarda.

Dou um tapa na minha própria testa, amaldiçoando-me por ter esquecido desse detalhe tão crucial.

— Certo, então é melhor nos mexermos.

Vamos para a pia da cozinha, e o deixo lá com Caolha, enquanto pego um sabote cremoso com um cheiro delicioso de frutas vermelhas. Paro no caminho, e tiro da caixa um lindo vestido vermelho xadrez, com tons de cinza, preto e branco mesclados nele. Consigo catar um par de sapatinhos pretos.

— Tcharam! — Digo, e despejo tudo no balcão ao lado da pia.

— Uau, que mamãe dedicada. — Sinto uma nota de provocação em sua voz, que opto por ignorar. — Frutas vermelhas? Prefiro lavanda. — Ergo uma sobrancelha para ele.

— Lavanda? Você por acaso gosta de rapazes?

— Ha ha, engraçadinha. — Ele coloca um pouco de espuma na ponta do meu nariz. — É o seu perfume, certo?

— Eu não uso perfume.

— Não? — Seu rosto está confuso.

— Não. — Confirmo.

— Então é seu cheiro. — Ele dá ênfase na palavra, e coro. Todos sabem sobre minha afinidade com cheiros.

— Acho que você tem algum problema nasal. Ninguém nunca disse que eu cheiro à lavanda.

Ele dá de ombros como resposta.

— É o que eu sinto. — Ignoro, e começamos a dar banho nela em conjunto. Ainda bem que ele não perguntou qual era o cheiro dele, caso contrário, eu coraria até a morte, mesmo não falando nada. E se falasse, ele me julgaria maluca. Terminamos rápido, em virtude do compromisso que nos aguardava, vulgo, detenção.

— Prontinho. — Exclamo, olhando admirada para uma nova Caolha. — Nossa filha é tão linda. — Digo emocionada.

— Certo, vai se trocar, porque caso a gente se atrase, vamos ser punidos. Vai! — E me empurra em direção às escadas.

Faço rápido, troco o short velho e desbotado, por um jeans novinho. A regata é substituída uma blusinha com estampas florais em tons pastel, tomara que caia. Coloco uma sandália, e desço correndo, mas depois preciso voltar, para pegar a droga do celular que de havia me esquecido.

Encontro Eric já de fora, segurando Caolha em seus braços.

— Oi, vamos? — Ele concorda. — Sabe, eu estive pensando. Quem vai escrever o relatório sobre a paternidade/maternidade?

— Ambos. A gente se reversa, um dia cada um. Que tal?

Penso um pouco. Até que é uma boa ideia.

— Ok.

Optamos por ir a pé para a escola, que não fica muito longe. Ainda havia alguns minutos sobrando a nosso favor.

— Então, o que você acha que teremos de fazer? — Pergunto.

— Sei lá. — Sua resposta é distraída.

— Como assim ‘sei lá’?

— O quê? Você acha que sou perito em detenções? Essa é minha primeira vez.

— A minha também. — Digo desanimada.

Ele ergue uma sobrancelha.

— Parece que somos peritos em ter primeiras vezes juntos.

Sinto meu rosto esquentar de uma forma quase ridícula, e começo a andar mais rápido, para tomar distância dele. Estou no portão da escola, quando ele me alcança e puxa meu braço.

Faço cara feia para ele.

— Sabe, você fica linda com o cabelo assim. Devia deixá-los como são. E não fingindo.

Dou um tapa em seu braço, e ele me solta.

De repente toda minha raiva por ele voltou com total intensidade.

E a detenção nem havia começado ainda.


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