Mais Do Que Você Imagina escrita por RoBerTA


Capítulo 4
Gostos peculiares


Notas iniciais do capítulo

Oooi seres habitantes do meu coração



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Ok, talvez não seja uma boa ideia concordar em ajudar meu irmão caçula sem verificar os fatos antes. Cá estou eu, com um óculos escuro, que cobre metade da minha cara, escondida atrás de um arbusto.

Aliás, odeio arbustos. Mais do que odeio Erics da vida.

Digamos que esse meu ódio ganhou grande importância no dia que meu namorado — ex — me traiu com um. Pois é, eu sei que é complicado de imaginar e tudo, e nem faço questão disso, sendo que a imagem não é algo muito bonito de se mentalizar ou de se ver. Poupem suas mentes.

Tento me abaixar mais um pouquinho, para que ninguém me veja, quando sou abordada por uma voz conhecida.

— Confraternizando com os arbustos, hein danadinha? — Eric fala ao pé do meu ouvido, e dou um pulo de susto.

Faço uma careta, enquanto tento refazer a compostura. Puxo Eric pela gola até um pilar grande o bastante para nos esconder.

— O que você está fazendo aqui?! — Praticamente rosno para ele. Tudo que o infeliz faz é dar de ombros, de forma despreocupada, com as mãos nos bolsos do seu jeans, enquanto uma brisa fazia seu cabelo cair diante de seus olhos. Como um ser tão insuportável obteve a dádiva da boa aparência?

— Sei lá, estava usufruindo do meu direito de ir e vir, e então te vi escondida, com essa roupa horrível.

Olho para mim mesma, usando uma das roupas da vovó.

— Pouco me importa a tua opinião. Mas me diz, pequeno Eric, como você fez para sair daquele lago? — Arqueio as sobrancelhas, de modo diabólico. Ele sorri de uma forma arrogante. Típico.

— Eu tenho um bom irmão que me auxiliou nesse momento de dificuldade. — Rolo os olhos. Pobre Eric, sempre tão exagerado.

— Ok, vai brincar de casinha com alguma amiguinha tua e me deixa em paz um pouco.

— Na verdade eu estou afim de passar um tempinho contigo. Quer brincar de casinha comigo?

Fecho os olhos e ponho os dedos na minha têmpora, respirando fundo.

— Eric. Sai. Daqui.

— Me obrigue.

Abro os olhos, e o vejo parado no mesmo lugar, mas agora com um ar de satisfação.

O que eu fiz para merecer isso?!

— Olha aqui...

Mas nesse momento alguém me interrompe.

— Posso ajudá-los?

A própria Bianca é quem está nos olhando de uma forma curiosa. Jimmy me fez vir espionar ela, enquanto trabalhava. A lanchonete Cookies&Manias era a mais frequentada da cidade, embora eu tivesse aversão ao nome. Mas quem se importava com o nome do lugar, se a comida de lá te fazia se esquecer do próprio nome?

— Hnm, não, só estávamos de passagem. — Ajeito os óculos enquanto falo, e passo a encarar o chão. Bianca, em seu belo uniforme vermelho e preto, semicerra os olhos.

— Espera... Por acaso você não é a irmã do Jimmy?!

Estou prestes a negar, mas Eric responde por mim, escorado contra o pilar, com a postura relaxada.

— A própria.

Fuzilo ele com o olhar.

— Diz para aquele pirralho largar do meu pé, ok?! Estou cansada dessa insistência dele.

E com isso sai pisando duro, a raiva praticamente palpável.

— Parece que seu maninho andou aprontando.

— É. — Então me dou conta com quem estou falando. — Eric?! Faz favor, faz? Dá o fora daqui, anda!

Empurro ele, e começo a andar de volta para casa. Logo o traste me alcança. Lanço um olhar malvado em sua direção que ele rebate com um inocente.

— Que foi? Só estou indo para casa.

Bufo e apresso o passo. Por sorte, minha casa fica antes da dele, e entro correndo no quintal. Quando já estou dentro, e fechando a porta, ouço-o gritar lá de fora.

— Nos vemos mais tarde, doçura!

Bato a porta como resposta, e quando me viro, vejo meu pai sentado na nossa cadeira de balanço, lendo um jornal, com um olhar indagador.

— Chris, você pode ser mais simpática com a porta? Ela agradeceria. — Resmungo qualquer coisa, e começo a subir as escadas, mas ele me chama.

— O que foi? — Pergunto de forma mal-humorada. Mau humor, isso é tão eu.

— Se esqueceu de que você ia sair com a tua prima hoje? Há exatos dez minutos?

Fico estática. Droga! Adelina vai me matar! Grito alguma coisa em uma língua desconhecida para papai, e começo a correr em direção ao meu quarto.

Já lá, tiro aquelas roupas largas e velhas, e as substituo por um vestido leve com estampas delicadas de flores. Jogo os óculos na cama e cato um elástico na mesinha de estudos, e prendo o cabelo em um rabo de cavalo torto. Fico com a mesma sapatilha de antes, e pego minha bolsa no chapeleiro, que tinha de tudo pendurado nele, menos chapéu.

Enquanto desço, mando uma mensagem de texto para Adelina, dizendo que já estou chegando.

Bato de frente em Jimmy, ambos passando pela porta ao mesmo tempo. Aponto um dedo na cara dele.

—Você. Precisamos ter uma conversinha mais tarde.

E saio sem ouvir sua resposta. Começo a correr, quando sinto meu celular vibrar.

Mudança de planos. Nos encontre no Cookies&Manias.

Gemo baixinho, mal acreditando na minha falta de sorte. Mas continuo caminhando, até que sinto alguém puxar meu braço. Eric. Qual é, por acaso a vingança dele é ficar me perturbando? Que cara mais chato, eu hein.

— Ei Piradinha, espere por mim. Está indo aonde? — Ele pergunta na maior cara de pau.

— Primeiro, não me chame de Piradinha. Segundo, não te interessa.

— A lógica diz que se eu perguntei, é por que me interessa, Piradinha. — Mostro o dedo do meio, e passo a quase correr. Mas o garoto é persistente, e não larga do meu pé.

Já estamos na frente da lanchonete quando ele resolve abrir a boca de novo.

— Veio fazer os lados com a Bianca e o Jimmy? — Ele pergunta levemente interessado.

— Não é da sua conta.

Na verdade é, sabe. Bianca é minha prima querida, então acho que eu tenho a obrigação de protegê-la de garotos como o Jimmy.

— Espera, ela é sua prima? — Pergunto descrente. Jimmy não poderia ter escolhido alguém pior para praticar seu hobby de se apaixonar e desapaixonar?

— A única que conheço. O resto mora em outros lugares.

— Que merda.

— Ei, para uma dama você tem um linguajar bem indecente.

— Olha minha cara de quem se importa com a tua opinião, agora sai da frente que eu tenho um compromisso importante. — Empurro ele, e finalmente consigo entrar na lanchonete.

— Ótimo, — ouço-o falar atrás de mim vou te fazer companhia então.

— Olha aqui...

— Chris! Aqui! — Vejo Adelina ter uns mini chiliques na cadeira para me chamar atenção. Ela fica balançando os braços igual a um polvo gigante, até que acaba acertando um soco no garoto bonitinho ao seu lado, provavelmente o tal Rafael. Ele põe as mãos ao redor do nariz, onde ela o acertou.

— Parece que a psicopata da cidade está de volta. — Eric observa. — Não posso dizer que senti muitas saudades dela.

Eric tinha um pouco de medo dela, depois que Adelina pintou os cabelos dele com uma tinta rosa que demorou uns dias para sair. E sim, a Adelina era considerada a maluca-psicopata da cidade. Mas eu gostava desse jeitinho peculiar dela.

Acabo desistindo de afugentar Eric, e então me aproximo da mesa. Rafael segura um guardanapo contra o nariz, que sangra minimamente.

— Uau, isso que é um amor selvagem. — O dono do comentário desnecessário foi Eric, que logo foi se sentando à mesa, sem ser convidado e antes de mim. É muita cara de pau para uma pessoa só.

— Nem me fale. — Rafael resmunga baixinho, e logo é massacrado por um olhar fulminante de Adelina. — O que foi, amor? — Ele pergunta de modo inocente.

— Eu ouvi isso.

Escolho aquele momento para intervir.

— Então, você deve ser o famoso Rafael. Adelina falou bastante de você.

Ele sorri de modo convencido, e ela cora. Jesus amado, Adelina corando!? Inédito. Acho que a única vez que a vi corar foi quando a desafiei a comer pimenta. E na verdade ela não corou, ficou tingida de vermelho.

— Falou, é? — Ele pergunta em uma voz rouca.

— O quanto você é chato, insuportável, chato, hnm...

Eric limpa a garganta.

— Não sei da Piradinha, mas eu não tenho vocação para segurar vela.

— Não me chame de Piradinha. — Digo pela milésima vez.

Adelina começa a rir descontroladamente, e eu fico emburrada. Qual é!?

— Qual é a do apelido? — Rafael pergunta interessado.

— Bom, um dia...

— É uma história muito, muito longa. — Corto Eric.

— Eu não me importaria de contar, doçura.

— Mas eu me importo.

— E quem disse que eu me importo se você se importa?

— E quem disse que importa o fato de você não se importar com o que eu me importo?

— O importante é que...

— Vocês são namorados? — Rafael pergunta na lata.

— O quê?! Não! — Respondo indignada. O casal de pombinhos se entreolha, em uma conversa silenciosa.

— Estou morrendo de fome. Vamos pedir alguma coisa? — Adelina acaba perguntando.

— Claro! O monstro dentro de mim denominado gula se remexe inquieto. — Eu quero um sorvete de chocolate e creme, com ketchup de cobertura! — Lambo os lábios, só de pensar.

— Muito ketchup. — Eric complementa. — Que tal depois fazermos de novo aquilo de outro dia? — Ele me pergunta.

— Qual dos “aquilos”?

— Mergulhar o picolé de milho no suco de laranja.

— Fechado. — Estendo a mão para ele, que a aperta, como se tivéssemos fechado um negócio.

— A gente devia inventar outra mistura também. Que tal pastel com chantilly?

— Deve ser interessante. — Começo a imaginar o gosto. Então percebo Rafael e Adelina nos olhando assustados, os olhos quase saltando da cara.

— Que foi? — Pergunto confusa. — Algum problema?

— Eca. Eca. Eca! ECA! Acho que vou vomitar. — Adelina faz um som estranho com a garganta. Quase tão exagerada quanto Eric, um feito e tanto.

— Vocês não tem medo, de sei lá, terem uma intoxicação alimentar? — Rafael pergunta meio receoso. Eric responde por mim.

— Na verdade não. A gente faz essas misturas há anos. Começou com salgadinho mergulhado no leite. Não foi uma das melhores.

— O gosto era estranho. — Digo pensativa, recordando a lembrança.

— Eca. — Ela diz outra vez.

Uma garçonete, que não é Bianca — aliás não vi ela em lugar algum — vem nos atender.

Seus olhos também saltam quando eu e Eric fazemos nossos pedidos. Ficamos conversando civilizadamente, na medida do possível.

— Então, Rafa, vai fazer faculdade de que?

— Direito. — Ele responde. — Ela abre um leque de opções. E vocês, já estão pensando?

— Eu quero fazer artes cênicas. Atuar é minha paixão. — Eric responde contente. Como eu havia dito antes, ele era um ótimo ator.

— E você Chris? — Fico olhando para Adelina, que não presta atenção no nosso assunto, e faz uma dobradura com o guardanapo.

— Não quero fazer faculdade de nada. Eu só quero... Fazer o que amo. Ser feliz.

Digo com o pensamento distante, pensando no que a minha família quer para mim. Meu pai é médico, e minha mãe também, foi assim que eles se conheceram. E agora querem que eu siga o exemplo deles. Mas eu não quero.

— E o que te deixa feliz?

— Fotografia. — Digo simplesmente. — Eu amo isso, sabe? Eternizar um momento. Tornar a saudade suportável. Ter um mundo só meu. Mas eu sei que nunca vou ter sucesso com isso.

Todos me ouvem em silêncio, até minha prima, que deixou a dobradura pronta cair dentro de seu suco.

Começo a remexer meu sorvete, que já está bem derretido.

— Meu tio precisa de mim, então não posso ficar muito mais. Mas foi ótimo conhecer vocês. — Rafael diz, e começa a se levantar. Adelina também se levanta.

— Eu vou junto. — Claro que sim, depois de tanto tempo longe um do outro, agora eles iriam se fundir. Eric e eu nos levantamos também, para nos despedir. Depois que eles partem, nos sentamos.

— A vida é uma droga, né? — Digo para ninguém em especial, mas enquanto existisse um Eric no mundo, sempre haveria uma resposta para cada pergunta dita.

— Só quando você pensa que é.

— O que você ainda está fazendo aqui? — Viro a cabeça em sua direção, franzindo o cenho.

— Matando tempo. — Ele dá de ombros. — Pastel com chantilly?

— Feito.

E lá vamos nós, inimigos de porta, mas os únicos seres que compartilham esse gosto bizarro por misturebas de comidas.

Sabe, às vezes a companhia do Eric era formidável.

Mas não digam isso para ele. Se arrogância fosse comida, a dele alimentaria toda a África.


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