Mais Do Que Você Imagina escrita por RoBerTA


Capítulo 30
Vida de criminosa




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POV Calli

Após olhar para os dois lados antes de cruzar a rua, saio correndo, deixando para trás aquela escola cheia de lembranças torturantes. Para ser franca, eu só seria capaz de deixar todas as lembranças que me machucavam tanto para trás, se ­­­abandonasse meu próprio corpo. Por um instante invejei Christina. Nunca antes desejei esquecer-me de quem eu era.

Não como nesse momento.

Noite passada estava enfiada debaixo das cobertas, até que mamãe veio falar comigo. Ela disse que eu precisava encontrar algo para me ocupar, e seguir adiante. Provavelmente só o disse por não fazer a mínima de ideia de como eu me sentia destruída, completamente vazia por dentro.

Achei que esse tipo de coisa só acontecia em novelas cujo enredo era clichê, e sempre ganhava um final feliz.

Achar é um luxo para poucos.

Mas eis onde eu quero chegar. Em meio a todas aquelas palavras encorajadoras maternas, com meus dedos acariciando a maciez dos pelos de Aslan, me obriguei a concordar com ela.

Eu precisava de uma nova motivação.

As latas de tinta batiam uma contra a outra dentro da mochila, atraindo olhares curiosos. Apressei o passo.

Não tive o luxo de ter muito tempo para planejar o que estava prestes a fazer. Apenas boa parte da noite e da manhã. As latas eu consegui comprar de um colega, após pagar uma boa quantia. Preto, vermelho e dourado. Essas seriam as cores da minha revolta, estampadas em um murro qualquer.

Um calor surgiu do meio de meu peito, se espalhando pelos meus membros. Senti-me viva, pela primeira vez desde aquele dia fatídico no qual me entreguei para John.

O vento começou a se impor, trazendo aquele loiro pálido para meus olhos, e tirando os fios rebeldes em seguida, para então recomeçar tudo novamente. Havia anos que só via meu cabelo em seu tom natural apenas em fotos.

Cansei de me esconder debaixo de todas aquelas cores tão alegres, confiante de que o mundo era um lugar maravilhoso, causador de apenas felicidade e coisinhas fofas.

Tudo mudou. Eu mudei.

Paro em frente a um murro enorme, quase limpo no quesito pichações. Havia um belo parque por detrás dele, onde eu costumava fazer piqueniques com mamãe e às vezes com a Chris também.

Tira a mochila dos ombros, e a jogo de qualquer jeito aos meus pés. Tiro as latinhas de deu interior, e as ajeito junto à mochila, de forma que não rolem para longe. Escolho a preta por primeiro, minha cor preferida no momento.

Agito a lata, pensando em como no passado nunca tenha me passado pela cabeça pichar algo que não fosse meu pobre fusca.

Começo a descarregar toda a minha dor e frustação naquele pedaço perdido de concreto.

POV Chris

─ Por que você fez isso? ─ Afasto-me de James, que por sua vez, aproxima-se de mim, com os olhos carregados de expectativa.

─ Porque eu te quero. Muito. ─ Mais um passo em minha direção, e acabei ficando entre ele e uma parede estúpida.

─ James, me deixa em paz, por favor. Não sei o que aconteceu entre nós no último mês, mas não deve ter sido algo sério. Eu não gosto de você. Agora, por favor, me deixe ir embora, já estou atrasada.

Tento sair, mas seus braços me cercam, e sou prensada contra a parede.

─ Ah, mas você vai aprender a gostar. Pode ter certeza disso.

Sinto seus lábios contra os meus novamente, enquanto um grito fica preso na minha garganta. Faço a primeira coisa que me vem à mente. Ergo meu joelho, e quanto ele se choca contra sua virilha, com toda a minha força depositada nele, James solta um grito de dor.

Aproveito o momento para fugir dali.

Vou correndo para a sala onde terei a próxima aula.

Todos me olham com certa curiosidade e piedade. O tipo de olhar do qual já me sentia farta. O professor me deixou entrar sem perguntas.

Algo de ruim havia acontecido comigo, disseram-me, o tipo de coisa que minha mente ocultou de mim para que eu não sofresse. Perdi um mês da minha vida sem demais explicações. Estava tudo tão confuso! E ninguém queria me dizer o que acontecera de tão terrível comigo, e devo admitir que secretamente eu nem optava por tomar conhecimento dos fatos.

Sentei-me no meu lugar, e logo em seguida dei falta de duas pessoas. Callilda e Eric.

Fiquei incomodada pensando onde poderiam estar, até que dez minutos depois Eric entrou na aula, mas não pude deixar de notar algo diferente nele.

Até então ele parecera tão preocupado, cansado e disposto a me fazer sentir-me melhor. É claro que eu não entendia aquela súbita mudança de comportamento.

Esse Eric estranho nada tinha a ver com o Eric com quem eu brigava tanto, e muito menos com aquele que se sentou na minha frente. Exibia um sorriso cafajeste e travesso, os cabelos pareciam ter passado por um mini tornado, mas provavelmente ele apenas jogou uma água neles e os despenteou a julgar pela gola de sua camisa um pouco molhada.

Espera, por que exatamente eu estava perdendo meu tempo notando essas peculiaridades em Eric?

Afastei meus pensamentos para a direção certa. Onde Calli havia se metido?

Ela me contara tudo sobre o que acontecera, e eu senti a sua tristeza como se fosse minha. A vida podia ser bem cruel quando lhe dava na telha.

Mandei uma mensagem para ela, perguntando onde diabos havia se mentido.

POV Calli

E lá estava o meu trabalho completo.

Mas não tive muito tempo para admirá-lo. Uma viatura parou ao meu lado, e dela desceu Leonardo, olhando para o céu como se estivesse julgando se iria ou não chover. Seus passos não produziam som algum, e não pude deixar de compará-lo com um felino gracioso, e quando me olhou, foi de uma forma repreensiva. E depois olhou para minha obra-prima, enquanto uma ruga surgia entre suas sobrancelhas.

─ Eu adoraria lhe passar um sermão sobre degradação de patrimônio público e como você desonra a raça humana com suas atitudes impensadas e impulsivas, mas creio que seria demorado e maçante.

Ergo as sobrancelhas em um arco, meio surpresa, enquanto a outra metade se sentia insultada por ele ter interrompido meu momento Picasso.

─ E talvez eu devesse lhe passar um sermão sobre como se comportam as autoridades.

Leonardo olha para meu rosto, com uma expressão pensativa.

─ Talvez sim, mas, por favor, não se esqueça da parte onde eu deveria te punir pelo que acabou de fazer.

Sorrio de forma marota, enquanto me aproximo daquela pessoa tão maior que eu, e tento não me sentir a miniatura que sou. Ergo minhas mãos fechadas em sua direção, lado a lado, com os pulsos voltados para cima.

─ Me algeme então, e não se esqueça das multas que eu não vou pagar.

Ele abana a mão como se estivesse tentando se livrar de uma mosca insolente.

─ Não seja ridícula. E agora trate de dar o fora antes que alguém mais severo que eu apareça por aqui.

Estreito os olhos, e fico nas pontas dos pés – ignorando o fato de que mesmo assim ele permanece maior que eu – e tento parecer mais ameaçadora o possível. Chris sentiria orgulho de mim agora.

– Leonardo, – pausa dramática – eu realmente não preciso da sua piedade. Nem agora e nem nunca.

Acredite se quiser, mas ele abaixa o rosto para que os nossos olhos fiquem ao mesmo nível. Desde que o vi acreditei que seus olhos fossem um marrom comum e sem graça, mas agora, contra o sol, eles parecem ganhar um tom esverdeado contra um avelã suave, com pequenos riscos dourados em torno da pupila.

Raios, por que eu estava analisando os olhos dele? A loucura nem se deu o trabalho de tocar a campainha, ela simplesmente entrou de forma silenciosa pela janela dos fundos.

– Eu não sinto pena de você, Callilda. Eu apenas quero te ajudar, porque...

– Porque...?

– Você me lembra de alguém.

E se afasta abruptamente, quase me fazendo cair pela surpresa. Faço uma careta de desgosto enquanto ele olha rapidamente para o seu relógio de pulso.

– Acho melhor você voltar para a escola.

Dou de ombros, como se a situação não pudesse ter menos importância para mim.

– Como queira, Vossa Alteza.

Jogo as latinhas criminosas dentro da mochila detonada, pronta para da no pé, quando sua mão pega meu pulso impedindo-me de ir adiante.

– Espere, você tem uma coisa... aqui. – Ele passa o polegar na minha bochecha de uma forma suave, quase como uma carícia.

Sua testa se franze.

– Não saiu. Talvez você devesse tentar tirar na escola com sabonete ou algo do gênero.

Olho abismada para ele.

– Você esperava que a tinta saísse com uma esfregadinha com seu dedo mágico?

Ele era mais burro do que eu pensara.

Só me responde quando já estava em sua viatura, abrindo a porta do motorista. Olhou por cima do carro para mim, de uma forma crítica.

– Claro que não.

E então simplesmente vai embora, me deixando abalada com suas palavras sem sentido.

Balanço a cabeça e volto pelo caminho que vim, torcendo para conseguir vender as latinhas de volta e recuperar uma parte do meu dinheiro.

POV Chris

Já estávamos no último período, e nada de Calli. Uma preocupação crescente se apoderava de mim. Quando a visse lhe daria uma bronca por me abandonar desse jeito.

A aula parecia não ter fim, e por mais que eu fosse apaixonada por filosofia, nem ela era capaz de trazer algum bem-estar.

Sem saber o porquê, meus olhos procuraram por Eric, sem minha permissão. Ele estava no meio de seus amigos, rindo como se alguém tivesse lhe contado a maior piada de todos os tempos. Então ele virou a cabeça, e me flagrou lhe observando. Quando nossos olhares se encontraram, seu sorriso morreu, e ele ficou sério abruptamente. E tão inesperado quanto foi o novo sorriso que surgiu em sua face. Meio sorriso encapetado. Nosso professor escolheu aquela hora para sair da sala com o intuito de atender um telefonema pessoal importantíssimo.

Eric saiu de sua classe e caminhou até mim, daquela forma presunçosa que me fazia querer espancá-lo até a morte.

– Querida Christina, tenho dois avisos importantes para você. Primeiro, você tem detenção na escola à tarde, e segundo, é a sua vez de ficar com a Caolha.

– Detenção? Caolha? O quê?

Ele roubou meu lápis e ficou desenhando círculos enquanto falava.

– A Caolha é a nossa “filha”, um projeto que vale muita nota. E a detenção, bem, nosso professor preferido considerou as suas atitudes um tanto mal educadas. Mas não se preocupe, hoje é o último dia.

E com uma piscadela, saiu bem na hora que o professor voltou.

Afundei na cadeira, odiando o fato de me sentir tão confusa, e saber que qualquer um sabia mais sobre o que eu fizera do que eu mesma.

O resto da aula se juntou com as minhas memórias perdidas, enquanto eu ficava matutando sobre o que mais teria acontecido.

POV Eric

O sinal já havia soado, e não restara quase ninguém na escola enquanto eu terminava de arrumar meu armário pronto para ir até em casa almoçar, e então voltar à escola para a maldita detenção.

O celular vibrou no bolso da minha calça jeans.

Peguei-o um tanto curioso quando vi quem havia me ligado.

– Alô? Houve algum problema?


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