Ismália escrita por Tia Anette Atlas


Capítulo 3
PARTE II - ENTENDA-ME


Notas iniciais do capítulo

Eu disse que voltaria e então aqui estou eu.
Obrigada a todos que comentaram e continuaram lendo esse projeto repentino.
Desculpem ocasionais erros, eu revisei, mas estou sempre desconfiada das minhas revisões, vez ou outra deixo passar alguma coisa.
Boa leitura.



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Eu nunca fui tão sociável e tão cheia de amigos como me sentia naqueles dias. Caroline trabalhava de figurinista para um grupo de teatro e Alan trabalhava como técnico de iluminação no teatro municipal, foi assim que se conheceram. Eu nunca fui fã de peças, mas comecei a frequentar os teatros depois das aulas de quarta e sexta-feira para falar com Alan e esperar Caroline chegar algumas vezes. Nos finais de semana em que Sebastian estava na cidade eu passava mais tempo com ele e fala de algumas coisas que aprendia enquanto ficava com Alan e Caroline, ele gostava de ouvir e às vezes mostrava a mesma empolgação que eu.

– Insano é acreditar que somos só esse pedaço de carne que trabalha. – dizia Alan em uma das nossas conversas no teatro, enquanto ele testava algumas novas luzes – Somos pessoas, não engrenagens.

– Então você acha que Deus existe? – eu perguntei sentada ao seu lado.

– Não. Eu acredito que... – ele fez uma pausa enquanto via as luzes se mexerem – Acho que eu sou meu próprio deus sabe? E então você é o seu. E eu, você e toda a humanidade junta são...

– Um deus maior? – tentei completar enquanto ele procurava uma palavra

– Não...

Refleti por um tempo, enquanto ele também fazia silencio e desligava as luzes. Nos encaramos pensativos. Lá no fundo eu entendia o que ele queria dizer e sentia algo parecido.

– Então eu você e toda humanidade – falei sem saber exatamente de onde havia conseguido a resposta – somos um. Uma grande energia ou algo assim...

– Que bonitinho. Eu estava pensando em um câncer. – Alan disse se dirigindo até as escadas que desciam até a plateia

Era mais ou menos quatro da tarde. Hora de bolar um descanso. O acompanhei até uma varanda nos camarins do teatro. Era um prédio grande e lá de cima podia-se ver bem a cidade. Ele tirava de um dos bolsos do seu habitual casaco pesado e escuro um saquinho transparente com toda a erva pronta e um pedaço de papel seda. Então ele começava, com a simplicidade de quem escova os dentes pela manhã, mas com a concentração de um ritual de extrema intimidade. Vez ou outra, quando Caroline também estava, os dois fumavam fitando a cidade e eu mirava o horizonte, tranquila. Algumas vezes fumei também, um trago ou dois. Me surpreendi quando a realidade não se alterou aos meus olhos, cumprindo os boatos. Tudo continuava perfeitamente normal. Quem mudava era eu, que começava a pensar muito mais nas coisas. Deve ser por isso que o governo não liberava a maconha, o governo não gosta de seres pensantes.

Uma vez, em um sábado, fui encontrar Sebastian em uma sorveteria próxima ao centro da cidade. Ele já estava lá quando cheguei, sentado ao lado da janela brincando com a colher do sorvete dentro do pote plástico azul bebê.

– Olá! – o cumprimentei animada com dois beijinhos.

– Achei que você traria Alan e Caroline. – ele disse sorrindo quando me sentei a sua frente.

– Não, eles estão de namorico.

Ao olhar para Sebastian de novo, notei que aquele sorriso estava fraco de mais e nenhum comentário ácido ou sarcástico havia saído daquela boca hoje. Olhei seus olhos amendoados, não estavam com o mesmo brilho que sempre tiveram e ele não havia ajeitado o cabelo cacheado e escuro que descia até o pescoço de modo que parecesse um filhote de leão.

– Que foi, Bastian? – eu disse franzindo a testa em preocupação.

Ele suspirou e debruçou sobre a mesa, praticamente ignorando o sorvete. Isso sim era algo estranho vindo dele. Ele abriu a boca pra falar, mas apenas bufou tombando a cabeça pro lado e me olhando mostrando o quando era difícil de contar.

Coloquei minha mão sobre a dele em cima da mesa, o olhei do modo mais gentil e compreensível que podia. Ele deu um sorriso fraco olhando para minha mão na dele e depois me fitando nos olhos.

– Meu pai me pegou com o Carlos no meu quarto. – eu não sabia se era uma frase ou um tiro.

– Carlos do seu colégio? – eu perguntei levando a cabeça pra trás assustada com a situação.

– Sim...

– E vocês estavam...

– Apenas nos beijando, felizmente.

Respirei aliviada colocando uma mão sobre meu peito e mantendo a outra sobre a mão de Sebastian.

– E o seu pai o que disse? – fitei Sebastian de novo. Ele abaixou a cabeça, parecia que iria chorar

– Ele me expulsou de casa. – sua voz estava sufocada e quase aguda

Arregalei os olhos, surpresa. Esperava qualquer atitude agressiva vindo do pai de Sebastian, mas nunca imaginei que fosse um homem tão extremo.

– E sua mãe? – perguntei segurando com força a mão dele, já que ele fazia o mesmo.

– Ela tentou me defender –Sebastian já apresentava uma voz embargada e já era possível ver uma lágrima escorrendo no seu rosto –, mas já não dava mais pra ficar perto dele de qualquer jeito. – Agora Sebastian já segurava os soluços e deixava que as lágrimas encharcassem seu rosto.

Só então percebi a pequena mala no chão ao lado de Sebastian e a mochila na cadeira ao lado. Ele não tinha onde ficar. Pensei na minha casa de principio, mas minha mãe não ia gostar da ideia e estranharia quando notasse que Sebastian estava ficando lá por muito tempo. Levantei-me e fui até ele para um abraço, ele também se levantou e ficamos assim, abraçados. Eu sentia as lágrimas dele, quentes, molhando meu ombro. Nos separamos e eu o olhei. Tão engomadinho com as calças justas às canelas finas, o casaco de corte inglês, constratando com o olhar perdido, olheiras vermelhas e o cabelo desgrenhado.

– Vamos arrumar um lugar pra você. – eu disse o abraçando de novo

– Eu te amo, Mali.

– Eu também te amo.

Agora eu sei que cada eu te amo merecido e sincero que você recebe ou diz em vida, conta mais do que qualquer insulto que você deu ou recebeu. Se eu soubesse antes, teria dito que amava Sebastian muito mais vezes. Ele, com certeza, merecia.

– Eu vou ficar na minha avó esse final de semana, mas uma hora vou ter que sair de lá. – disse Sebastian enquanto saíamos da sorveteria, uma hora depois do choro.

– Entendi. Não se preocupe, tenho certeza que conseguimos um lugar. – tentei parecer firme e confiante, lançando um pequeno sorriso sincero. Ele retribuiu e foi embora.

No domingo de manhã, pedi pra que Alan e Caroline me encontrassem. Escolhermos uma praça dentro do meu bairro. Ela era grande, espaçosa, havia muito verde e uma escultura totalmente pichada, mas bonita.

Assim que cheguei, Caroline pode notar pela minha expressão que o assunto era sério. Alan não demorou muito mais do que ela pra perceber. Quando estávamos todos sentados em um banco da praça, admirando a estátua que foi usada de tela na arte urbana, eu comecei a falar:

– Bastian tá com um problema.

– Ele tá doente? – Caroline se mostrou preocupada

– Não. – respondi. Ela pareceu aliviada – O pai dele o encontrou aos beijos com o Carlos, do colégio dele, e isso dentro do quarto do Bastian...

– Fudeu... – murmurou Alan, prestando atenção.

– Parece que o pai dele fez o maior escândalo e expulsou o Bastian de casa. – continuei – A mãe dele quis defende-lo, mas ele preferiu não ficar.

– Onde ele tá agora? – perguntou Caroline

– Na casa da avó, mas não por muito tempo. Ele não sabe pra onde vai depois de lá e eu até pensei em deixa-lo em casa, mas minha mãe e meu pai não concordariam, mediante a situação.

– Se meu irmão não fosse tão nojento e escroto, eu toparia leva-lo pra casa. – disse Alan – Se ele não arrumar outro lugar leve-o em casa. Arrumamos um canto lá pra ele, mas eu não ficaria mais de uma semana perto do meu irmão se tivesse escolha.

– Acho que ele não tem. – eu pontuei

– Tem sim. – Caroline me disse como se estivesse me corrigindo. – Eu moro sozinha. Diga a Sebastian que ele pode ficar em casa quanto tempo quiser. – Caroline, que estava sentada ao meu lado no banco, pegou em minha mão com um sorriso sincero e meigo – Será um prazer recebê-lo.

No outro dia, quando contei a Sebastian de sua mudança, ele pareceu feliz, me abraçou dando pulinhos. Ajudei-o com as malas e ainda levamos algumas coisas dele que estavam na casa da avó.

Por sorte o ano estava acabando e, já que eu estava com dezessete, eu poderia encerrar meus estudos nesse ano. Eu sabia que meu pais me incentivariam a entrar em uma universidade de prestígio, aliás eu havia prestado várias, mesmo que de má vontade, para ser aceita em uma dessas universidades, mas se eu fizesse qualquer curso profissionalizante ou técnico, estaria empregada em pouco tempo e muito feliz em não ter que fazer uma faculdade e receber prestígio, falso status e respeito... Eu conseguia muito bem me contentar com uma kitnet dividida com Sebastian por enquanto.

Falei com Sebastian sobre essa minha ideia, ele gostou. Começamos a procurar cursos naquele fim de ano. Sebastian decidiu se dedicar a enfermagem, o que eu achei bem a cara dele.

– São só dois anos e durante a noite. – ele me contou empolgado quando viu o panfleto de uma escola no centro da cidade. – Ainda posso arrumar um emprego por aí. E você, já sabe o que vai fazer?

Eu não sabia ainda. Ainda estava meio tristonha pela reação dos meus pais nesse dia. Aliás, a reação deles é nitidamente o que representa “das piores”, mas Atila conseguiu ser pior.

Meu irmão estava com dezenove anos e havia me ajudado a fazer o jantar naquele dia. Ele não falava muito comigo, nem eu com ele. Ele havia se tornado o maior dos vendados. Faculdade de Engenharia, o orgulho da família, consumista até o ultimo fio de cabelos castanhos avermelhados e preconceituoso até o ultimo pingo de azul dos olhos. Azul esse que em casa só mais eu tinha, presente dos meus avós.

– Não vou fazer a faculdade de jornalismo que te falei. – comentei com ele quebrando o silencio da cozinha enquanto minha mãe e meu pai colocavam a mesa.

– Finalmente! Escolheu curso melhor? – ele respondeu com um sorriso quase maldoso nos lábios, enquanto escorria a água do macarrão.

– Não foi bem isso...

– Você não passou? – ele se assustou, finalmente olhando para mim. Abri a boca para explicar, mas os comentários já choviam de todos os lados. – Você está na melhor escola do estado!

– Acalme-se, Atila. – minha mãe intercedeu momentaneamente – Mas ele tem em partes razão, Ismália. Dedicamos muito para que você fosse bem! – se dirigiu a mim

– Eu investi muito dinheiro para que você tivesse um ensino de qualidade! O que houve de errado? – esse era meu pai, sempre seu valioso dinheirinho viria em primeiro lugar.

– Foi exatas, não foi? – meu irmão me encarou alterado – Você poderia largar os seus romancinhos por uma hora no dia para se dedicar um pouco de mais... Eu poderia te ajudar, Ismália!

Na verdade ele não poderia, estava sempre fora de casa. E ainda não haviam me permitido contar a verdade.

– Mas você prestou quatro universidades diferentes! Como pode não ter passado nenhuma? – e essa era minha mãe e suas horríveis estatísticas que só faziam me cobrar mais.

– Não é esse o problema! – exclamei, fazendo todo mundo se acalmar na cozinha. – Em primeiro lugar, os resultados nem saíram.

– Ah, você está falando isso só porque está nervosa... – reclamou Atila voltando para seu macarrão.

– Mas mesmo quando saírem, mesmo que eu passe. Eu não quero fazer. – eu disse de uma vez. Todos se emudeceram, até Atila quebrar o silêncio.

– De onde você tirou isso? Como assim não vai fazer faculdade? Você tá com problema pra raciocinar? – algumas palavras não eram muito bem faladas, pareciam mais berros. O branco nos olhos de Atila me pareciam ganhar um tom de rosa, de tanta raiva. Ele já não conseguia aceitar que alguém vivesse de modo diferente do dele, típico de quem estava vendado.

– Não vou, eu não quero. – disse tentando me manter firme.

A discussão começou a se prolongar na cozinha, minhas mãos estavam tremendo e eu já não conseguia mais formar argumentos para me defender, já que para quem está vendado, qualquer argumento de alguém sem venda é idiotice, impensável, irracional e inaceitável. No entanto, eu não estava me sentindo realmente machucada até a ultima frase de Atila.

– Isso é coisa do Alan não é? Eu sei que ele tem andado com você! Você deve ter sido muito cabeça fraca pra se deixar levar por qualquer palavra dele!

A vasilha de vidro, onde eu carregava a salada até a mesa se espatifou no chão. Cabeça fraca? Alan nunca me deu sequer uma única ideia pronta, ele me apontava fatos e quem decidia o que pensar deles era eu. Sempre fora. Nesse dia eu joguei algumas coisas na cara do meu irmão, quando minha mãe e meu pai já não tinham mais espaço pra falar.

– Eu penso mais do que você – comecei –, que parou de ouvir as musicas que ouvia pra ter mais assunto com seus amigos, que só falavam com você pelas respostas de matemática. - ele tentou me responder, mas não deixei – Penso mais do que você, que escolheu fazer engenharia só pra se exibir pros mesmos amiguinhos que iam rir de você se descobrissem que você pensou em fazer cinema!

– Era uma loucura de criança!

– Loucura é você achar que eu tenho que seguir o que você fez!

A discussão acabou ali, comigo sem fome indo para meu quarto, com Atila gritando aberrações atrás de mim, meu pai estressado com a situação na casa e minha mãe choramingando.

Eu só consegui decidir o que faria quase um mês depois. Eu estava na biblioteca de uma universidade da cidade, mas ela era aberta ao publico. Havia uma bibliotecária que sempre fora muito simpática comigo, seu nome era Mel. Sempre que seus olhos esverdeados pousavam sobre mim, ela abria um pequeno sorriso. Eu já havia visto Mel ir embora da biblioteca em um pequeno carro popular. Sabia que ela morava em um pequeno apartamento perto do centro da cidade e que sustentava assim dois filhos. Olhei ao redor, livros e mais livros o dia todo para serem organizados, limpos, listados, emprestados e devolvidos. E tudo isso, quem faria? Uma bibliotecária com certeza. Lembrava-me de Mel ter reclamado várias vezes que precisava de mais alguém que a ajudasse, ela e mais as duas pessoas que ali trabalhavam não eram mais suficientes. Estava decidido o que eu queria.

– Bom dia, Mel. – eu disse me encostando ao balcão onde ela sempre estava. Eu trazia uma pilha de livros para devolução.

– Olá, Ismália. Pode deixar os livros aí.

– Obrigada, Mel. – fiquei parada a olhando depois de colocar os livros no canto do balcão. Como se pergunta algo do tipo?

– Algum problema? – ela me fitou levanto as sobrancelhas

– Não. – eu disse rapidamente. Respirei fundo mantendo a calma e comecei a falar – Mel, há algum tempo você havia reclamado que precisava de mais alguém para te ajudar na biblioteca.

– Sim. Por quê?

– Eu estava pensando se poderia ajudar, trabalhar aqui sabe... Eu queria saber o que é preciso.

– Bom – ela deu um pequeno sorriso e se ajeitou sobre o balcão –, eu preciso de alguém que me ajude não só nesses serviços gerais, mas alguém que também me ajude com a parte de conservação. Você sabe o que é biblioteconomia?

Discorremos a tarde toda sobre o assunto, naquele dia sequer peguei todos os livros que queria na biblioteca. Inscrevi-me num curso tecnológico de biblioteconomia, de apenas dois anos e mandaria um currículo para a administração da universidade. Era quase certo que me contratariam, já que Mel me indicaria, e enquanto eu não terminava o curso, cuidava da administração da biblioteca.

Em um mês comecei em meu novo emprego, orgulhosa de mim de certa forma. Sebastian conseguira um emprego em um café no outro lado da cidade algum tempo depois. Fazia o turno da manhã e teria tempo para fazer seu técnico em Enfermagem. As coisas estavam incrivelmente dando certo. Certo de mais, eu não sabia que a punição para quem possuía sorte era tão pesada.

Já depois de alguns meses no trabalho e com os cursos começados, Sebastian e eu decidimos que deveríamos alugar a nossa casa. Em um sábado a tarde, enquanto ele e Alan trabalhavam, Caroline e eu saímos para procurar casas para aluguel nos bairros mais próximos do centro da cidade, onde poderíamos pegar qualquer ônibus com facilidade e isso era algo de que não poderíamos abrir mão. Eu estava segurando um jornal, endereços estavam circulados Observei então que Caroline estava com uma mochila com aparência pesada quando nos encontramos.

Não perguntei o que Caroline tinha na mochila, mas sequer temi o que fosse. Quando chegamos perto da praça ao centro da cidade, vi que havia dois homens altos com roupas largadas nos olhando. Caroline acenou pra eles.

– Venha – ela me pegou pela mão e se apressou para a praça na direção dos dois homens.

Foi quando conheci os gêmeos Igor e Vinicius, eram muito magros e brancos, e com eles e Caroline foi que tive meu primeiro contato com fanzines. A mochila de Caroline estava cheia deles e ela me perguntou se eu queria ajudar a distribuir. Após ler eu ajudei.

– Desde quando você faz isso? – perguntei a ela enquanto entregávamos fanzines a um casal jovem que estava aproveitando o sol na praça.

– Acho que desde quando eu era mais nova que você. – Ela me disse um tanto quanto sorridente ao perceber que eles haviam gostado do livreto xerocado – Quando eu comecei a ver eu achava que devia falar disso pra todo mundo, mas nem todo mundo quer ver. Então eu entrego os zines e quem quiser que leia e pense por si. Claro que não todo mundo que pensa de verdade, mas é o maior orgulho de quem faz.

Esbocei um sorriso. Era de certa forma o que eu havia feito comigo. E com certeza era isso que eu precisaria ter ouvido depois das brigas com Atila, que se tornaram constantes. O meu maior orgulho com certeza era o meu pensar, o meu jeito de encarar o mundo ao redor e a mim mesma.

Comecei a ficar até mais próxima de Caroline depois daquele dia. Aos finais de semana eu e Alan íamos a casa dela, que ficava um tanto afastada do centro, assim a visitávamos e eu podia ver Sebastian.

Estávamos no metrô e, quando entramos, pudemos perceber uma garota loira, deveria ter seus quinze anos, que se sentia incomodada com um rapaz que deveria ter a minha idade ao seu lado. Ela virava o rosto e se espremia contra a janela do ônibus tentando evitar o homem ao seu lado. Alan e eu ficamos de pé, ainda podíamos ver que o rapaz a perturbava e nos entreolhamos várias vezes enquanto a garota pedia para que ele não passasse mais a mão em sua perna. Ela tentava empurra-lo e isso fazia com que ele colasse o seu corpo ainda mais nela.

Depois de mais duas estações, uma garota negra e muito bonita, embora excessivamente maquiada, se aproximou dos dois.

– O que foi, bem? – ela perguntou para o rapaz que reprimia a garota. Suas palavras eram arrastadas e ela estava claramente bêbada.

– Essa vadiazinha que fica aí evitando. – o homem respondeu. Pude ver nos olhos da garota ela pedindo socorro e eu não negaria.

Olhei para Alan, que também não estava gostando da situação. Ele me olhou com calma e com um aceno de cabeça e um toque em meu braço, mostrou que estava pensando no que poderíamos fazer.

– Se liga, menina – voltou a falar a moça negra ainda com as palavras arrastadas que estavam me irritando –, você acha que é melhor que alguém aqui, é? Ta se achando especial, branquinha?

Me doeu perceber que aquela mulher negra, tão linda, estava sendo tão machista e nem devia saber disso. Eu respirei fundo tentando não ser impulsiva e dar um tapa no homem e na mulher. Olhei ao redor, o metrô estava cheio e ninguém fazia nada embora todos vissem.

Alan pegou no meu braço me puxando pra frente, ele passou por mim enquanto parávamos na estação e se aproximava do homem que se esfregava na menina loira. Eu vi um soco muito bem dado no garoto. A garota negra e bêbada logo começou a fazer um escândalo, fui ate ela garantir que ela não atrapalharia Alan, que jogou o outro garoto pra fora do metrô. A menina loira tinha um olhar mais aliviado, mas ainda assustado. A garota negra quis bater em Alan, mas parei em sua frente segurando seus braços. Ela era mais alta e mais gorda que eu, o que a fazia bem mais atraente que essa magrela ossuda que vos fala.

– Me solta se não quiser apanhar, burguesinha. – ela disse pra mim, senti o halito do álcool. O pior cheiro para o momento.

O metrô já havia voltado a se movimentar e eu quase caí quando ele começou a acelerar. A garota negra tentava se soltar e quase conseguia.

– Calma. Eu te solto se você não for me bater. – eu disse olhando pra ela.

– Cala a boca, burguesinha do caralho – ela disse soltando um braço, mas consegui o segurar de volta. As pessoas em volta, principalmente as velhinhas, olhavam nos reprovando – Eu acabo com essa sua carinha bonitinha... – a bebida não deixou que ela terminasse o pensamento. Alan, atrás de mim, olhou para a garota e disse:

– Você bate nela e eu ativo a policia, coisa que a gente já devia ter feito com aquele seu amiguinho. Pode ser? – eu podia sentir o ar quente sair dos pulmões inflados de Alan, sentia a raiva em suas palavras.

A garota negra se acalmou, eu a soltei devagar e ela cambaleou para trás, procurando um lugar para se sentar. Mal olhei Alan e já mirei a garota loira, na janela. Ela nos olhava agradecida. Alan se agachou, apoiando uma das suas mão no lugar do banco ao lado dela.

– Você conhecia aquele cara? – Alan perguntou.

A menina acenou positivamente com a cabeça, ela segurava as lágrimas. Indicamos para a garota que ela deveria denuncia-lo, pois aconteceria de novo se ela não o fizesse. As pessoas ao redor ainda olhavam para mim e Alan, não estavam nos reprovando totalmente, mas conseguia sentir a massiva energia da frase “não era problema meu” em seus pensamentos.

Eu e Alan não comentamos o ocorrido no caminho da estação de metrô até a casa de Caroline. Sebastian que veio abrir a porta com um grande sorriso ao me ver.

– Mali! – seu grito era estridente, como sempre, mas era dos poucos que não me irritavam – Adivinha quem veio comer pizza com a gente hoje?

– Quem? – eu me fiz de interessada rindo do seu comportamento

– Meu boy magia! – ele disse empolgado. Fui até a cozinha da pequena casa de Caroline. Lá estava o boy magia. Carlos era um garoto bonito, simpático e muito mais contraído que Sebastian, não que isso seja difícil de ver.

Enquanto comíamos e jogávamos conversa fora, falamos sobre o ocorrido no metrô. Caroline faltou surtar, mas pelo menos eu e Alan havíamos feito algo. Eu sequer conseguia pensar no que teria acontecido com a menina loira do metrô. Pelo menos sei que agora ela está bem.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e deixem seus reviews não só com o que estão achando da historia em si, mas se tem te feito pensar em qualquer coisa. Defender alguma ideia que te surgiu enquanto lia, não sei...
Obrigada por ler (:



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