A Busca do ídolo de Ouro escrita por Fizban


Capítulo 7
Retorno de Maramuzan




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A primeira coisa que sentiu foi o cheiro. O cheiro era muito forte! O som da carne estalando no fogo logo foi abafado por aqueles gritos horrendos! Não queria olhar, na verdade não conseguia olhar, mas eles o forçaram! Aquela era a visão mais aterradora que um homem poderia ter em sua vida. Toda a coragem e firmeza que habitavam seu interior foram substituídas pela loucura e pelo desespero!


Súbito, ele acordou. Tinha esse terrível pesadelo todas as noites e era tão terrível, que por muito tempo preferia a insônia do que enfrentar aquilo. Estava duro, não conseguia se mover, nem falar, pois seu corpo não correspondia mais aos seus comandos. Tinha que fazer uma força imensa para reagir. Há muito já havia desistido, mas agora tudo dependia dele, agora ela dependia dele e isso lhe dava forças para sair daquele estado.


-     Levanta velho! – disse para si mesmo. – Eu sou Fernando Roberto Vilela, e isso não vai me deter!


Dito isso, Fernando se levantou, uma vez de pé, olhou em volta e lembrou que estava em uma caverna, na entrada do Vale dos Acritós. O caminho da esquerda, mais longo, mas que o levaria à Ilha no centro do vale, exatamente aonde queria ir. Embora ainda não muito consciente, devido à abstinência da bebida, ele continuou, descendo a caverna, agora seguindo pela margem de um pequeno rio subterrâneo.


Ao longo do caminho vira, bem no alto, uma ponte pênsil, a notou porque ouvira um som, havia alguma expedição passando por ela, pois via vários feixes de luzes. Fernando sabia que era a dela, só poderia ser de sua pequena. Os sons das vozes estavam muito longe para que Fernando a reconhecesse, mas tinha certeza de que era Eleanor. Sua aluna que o tinha convencido a vir àquele maldito vale novamente afinal. Alisou mais uma vez o chapéu Cury e sentiu sua presença tão próxima que quase podia vê-la...


Repentinamente algo caiu próximo a ele, era uma lanterna, não como aquelas com imã como a usada por escavadores, mas uma mais simples, e aquilo era no mínimo estranho. Achou melhor se esconder, embora não acreditasse que pudesse ser visto naquela escuridão. Deixou que a expedição passasse e continuou pelo caminho.


Fernando era um exímio rastreador. Quando passou pela bifurcação que existia próximo à entrada, ele havia rastreado a expedição de Alex Michael Carter, indo para o caminho da esquerda. No entanto, percebera agora que Eleanor devia ter cometido o erro de ir pela passagem da direita, ela não era rastreadora, embora com certeza tivesse contratado um, mas não tão bom quanto Alex ou o próprio Fernando. Logo ele deveria apagar seus próprios rastros e seguir.


O caminho era muito longo e quando já pensava em parar, terminou em um ponto onde não havia margem para o rio, ele analisando aquilo deduziu que só poderia existir uma passagem por debaixo d’água, assim Fernando resolveu descansar para só depois prosseguir.


Após um tempo colocou todas as suas coisas em sua mochila, já que ela era impermeável, teve todo o cuidado ao guardar o seu chapéu. Depois de tudo pronto entrou na água, e como previa realmente havia uma passagem submersa, e por ali seguiu.


Nadando por um longo túnel, Fernando já estava quase sem fôlego quando finalmente percebeu uma margem no alto e imaginou que se encontrava no caminho correto. Ele estava certo, saindo da água pôde ver uma grande câmara, onde um grande e velho barco estava encalhado, quase não o percebeu porque estava muito escuro e tinha que sair da água para pegar a lanterna.


Mal conseguiu examinar o lugar, percebeu criaturas imersas na água, não podia vê-las totalmente, apenas suas silhuetas, mas a forma com que elas se moviam não era natural. Pareciam pessoas, mas os sons que emanavam, a forma como seus vultos se portavam, davam um ar bestial a elas.


Fernando tentava sair da água, e pegar sua arma que estava dentro da mochila, mas obviamente as criaturas se moviam mais rápido! Logo chegaram nele e o agarraram puxando-o para debaixo d’água. Ele bateu em uma das criaturas, tentando atingir sua barriga, mas a pele de seu oponente era dura demais, como se fosse o couro de um jacaré.


Seria isso possível? Pensou. Fernando estudara bem as lendas indígenas, era um profundo conhecedor, e claro, conhecia a lenda de um povo anfíbio que vivia nas águas, sempre próximo à terra, pois se alimentava de gente. Sim ele conhecia bem a lenda dos Igupiaras.


Assim, pegou sua faca de sobrevivência, uma Commander II, e cravou entre as costelas da criatura, girou a lâmina de forma que partisse seus ossos, se é que aquilo tinha ossos. A besta proferiu um grito de dor que assustou as demais! Esse foi o tempo suficiente para Fernando tirar sua lanterna e sua arma da bolsa para poder atirar nos Igupiaras.


Seres horrendos, que até pareciam homens, mas tinham um corpo escamoso e possuíam nadadeiras. Os olhos eram grandes e redondos como os de um peixe e em suas costas havia guelras. A pele era verde escura e afiadas garras saíam de seus longos dedos.


Havia seis deles, e Fernando contava com apenas seis tiros, quando descarregou a arma; as criaturas estavam mortas.


Depois disso, após ele recarregar a arma e colocá-la na cintura, Fernando se dirigiu ao barco, para examiná-lo. As primeiras impressões que o arqueólogo teve foram de que realmente poderia ser uma embarcação fenícia, pois tinha seu famoso aríete de madeira e bronze na proa, que servia para perfurar e atracar os outros navios, geralmente de piratas.


 Dentro da nau havia imagens que Fernando julgou ser dos filhos do Deus Baal, chamados Ayan e Anat. Essa era a melhor prova de que era realmente fenício, mas não uma embarcação de comércio, e sim um barco de guerra. Havia algo estranho naquele local e ele não sabia o que, um calafrio subiu pela sua espinha, algo estava errado. 


Examinando bem, percebeu que aquele antigo navio tinha sido saqueado recentemente. Alex Michael Carter. Pensou. No entanto, não era aquilo que o perturbava. Perto dele, e por algum motivo oculta até então, havia uma cadeira, com os restos mortais de alguém, que deveria ter sido o capitão. Com ele estava um mapa, ou Fernando assim presumiu, e um colar com uma onça envolta por raios de sol, algo totalmente estranho para uma embarcação fenícia.


Sem aviso, enquanto contemporizava, o esqueleto se moveu, abrindo sua boca, da qual saiu um odor horrível. Fernando recuou já com sua arma em mãos, mas o corpo pútrido caiu realmente sem vida. Um vento gelado passou pela embarcação, chegando a derrubar alguns objetos. O arqueólogo decidiu sair da nau de guerra e não mais perturbar os que haviam morrido ali.


Ao sair do barco, Fernando estranhamente não mais viu os corpos dos Igupiaras, e assim, com cautela, continuou o trajeto que dava em dois túneis. Um, próximo à água, estava bloqueado por pedras, e ele facilmente percebeu o uso de dinamite para fechar o local. Alex! Aquele estadunidense canalha realmente tinha passado por ali, concluiu.


O outro, uma caverna, estava livre. Assim seguiu pelo longo caminho, um pouco difícil de percorrer, com um chão arenoso e as paredes cobertas por limo. Em um ponto, teve que escalar. Claro que possuía as ferramentas necessárias, mas escorregadio como estava, era bem perigosa a subida. Logo viu uma luz, mostrando que a saída se aproximava.


Ao chegar fora do subterrâneo, finalmente, Fernando avistou um lago dentro de uma clareira envolta por uma densa floresta. Sim, ele pensou, estava na Ilha, no centro do Vale, agora só faltava vê-la. Agora acreditava que era possível que ela estivesse ali, vendo o que viu próximo ao barco fenício.


De certa forma, ele estava confortado por ver a luz do dia, depois de tanto tempo no escuro. Observava os pássaros em volta e alguns pequenos macacos pregos. Um pequeno lago belíssimo com água cristalina e lindos peixes. Ele olhou para toda aquela beleza e disse:


-     Vi Veri Veriversum Vivus Vici!


Uma frase do Fausto de Goethe que significa algo como – eu, enquanto vivo, pela verdade conquisto o universo – uma frase que fora seu lema por muito tempo e agora quase não lembrava mais, principalmente depois dos horríveis acontecimentos que o levaram a ficar naquele estado em que Eleanor o encontrou no bar em Minas Gerais, mas ele não queria se lembrar.


Tão logo chegara a aquele local paradisíaco, Fernando escutou um canto, limpo e suave, um canto totalmente cativante. No entanto, retirou duas pequenas porções de algodão, para tampar os ouvidos. Quase desistiu da idéia, a música era muito encantadora, mas colocou assim mesmo.


Dentro do lindo lago surgiu uma mulher de extrema beleza, ela era formosa de corpo, com a pele bronzeada que ficava ainda mais linda debaixo d’água. Tinha longos cabelos negros que se moviam suavemente enquanto nadava. Fernando teve a impressão de ver uma calda de um grande peixe próxima daquele corpo perfeito, porém quando a bela índia saiu da água ele não viu nada além dela.


Fernando refletia sobre como aquela moça era excepcionalmente bonita, não era nova, mas também não muito velha. Tinha pernas grossas e lindos seios, seu rosto tinha uma expressão de ternura e seus lábios eram carnudos. Devia ter um metro e oitenta de altura, e até o seu andar era suave e sensual.


Como o arqueólogo brasileiro já havia estado com vários índios, há muito já se acostumara com a nudez, mas a beleza dela o perturbava, e ele sabia o porquê; assim, com muito esforço, parou de admirá-la e disse em voz alta, apontando sua arma na direção dela, em idioma indígena:


-     Saia totalmente da água e não volte a cantar, Iara!


A índia se aproximou dele e, saindo realmente da água, tocou delicadamente o peito de Fernando, que se afastou, tirando o que tampava seus ouvidos, mas o experiente arqueólogo não ousou olhar para ela novamente. No entanto, até o cheiro dela o embriagava e ele não sabia por quanto tempo poderia resistir a aquela criatura.


A senhora do lago falou para ele, também em sua língua:


-     Acha que apenas cantando eu encanto os homens?


-     Se você me encantar, não vou poder fazer o que vim fazer! – disse Fernando.


-     Sim, mas será meu desejo que você não fique aqui?


-         Se eu ficar, se eu me tornar um de seus peixes, a aldeia morrerá!


-         Uma decisão difícil. Como eu posso saber que você não vai levar o uirapuru, como saber que ele ficará aqui?


-         Porque eu sou Maramuzan e meu retorno foi profetizado!


A Iara andou circulando Fernando, e com seu toque passou pelo corpo dele, relaxando seus músculos. Ele estava quase entorpecido pelo seu cheiro, suave como flores do campo; pelo seu toque, macio como a brisa da manhã; pelo seu andar, encantador como o de uma onça. Ela parou em sua frente e se aproximou tanto que ele podia ver seus olhos negros pela primeira vez e isso quase o enfeitiçou totalmente.


-         Você me fala de profecia? – ela falou, com o rosto bem próximo ao dele, e continuou. – Eu tenho uma pra você, se ficar aqui comigo viverá para sempre, mas se partir encontrará o seu destino!


Assim, a Iara o beijou, um longo e forte beijo que quase o fez cair. Fernando se sentiu como um garoto inseguro em frente à sua primeira paixão, algo que há muito tempo não sentia. Ele a segurou com firmeza entregando-se a aquele momento sublime, mas o arqueólogo tinha uma vontade inabalável e lutando contra si mesmo a afastou.


Olhando diretamente em seus olhos, com firmeza pela primeira vez, Fernando disse, em grego antigo:


-         Enfrentei homens na guerra e ondas cruéis!


-         Como, o que disse, Maramuzan?


-         Eu não vou ficar aqui, Iara!


-         Então você a ama! Só pode ser isso, para resistir a mim!


-         Apenas tenho um dever a cumprir, nada mais!


Ele sabia que ela poderia ser ciumenta, principalmente após ter sido rejeitada, não queria que a Iara ferisse Eleanor.


A Senhora do Lago o levou através da floresta, para a margem da Ilha, de lá Fernando podia ver uma boa parte do Vale. Próximo à margem, havia uma pequena canoa, e do lado, algumas caixas. Ele tirou seu chapéu Cury, enxugando o suor de seu rosto com o braço e olhou para dentro delas.


-         Eu não sei o que é! – disse a mulher.


-         São dinamites, onde conseguiu isso?


-         Do outro, que chegou primeiro!


-         Mike, onde ele está agora?


-         Na floresta, ele não conseguiu abrir o templo, apenas Maramuzan pode!


-         Sim! Apenas eu posso abrir o templo.


-         As coisas da sua amada estão aí também!


Fernando olhou em uma das caixas e encontrou várias ferramentas que deviam ser da expedição de Eleanor, ela não pegou o que precisava, viu as pistolas dela, deduziu quais eram, por serem francesas, e as entregou a Iara.


-         Isso deve ser devolvido para ela, não vai sobreviver sem suas armas.


-         Ela está na aldeia, junto aos acritós.


Ele colocou tudo o que precisava na canoa, conferiu para ver se estava tudo certo, sabia o que devia fazer, sabia que seria quase impossível realizar tudo aquilo, e em seu momento de dúvida ele lembrou de algo que lera há muito tempo, quando estava na Faculdade, e sorriu a respeito de como era propício agora:


 


"Muitos homens, segundo me parece, desejam praticar belos feitos, mas poucos têm coragem de tentar, e raros entre os que tentam são capazes de perseverar até o fim”.


 


Com aquela frase em mente, Fernando tirou a canoa da terra, preparando-se para cruzar o lago até o resto do Vale, a Iara se aproximou dele e perguntou:


-         O que você vai fazer agora?


Ele apenas sorriu e respondeu:


-         Vou provocar uma grande confusão na aldeia dos acritós!


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Notas finais do capítulo

Nota do Autor: O título desse capítulo é uma homenagem ao último livro da trilogia do Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei. No entanto, realmente eu não fui o único a fazer uma homenagem assim, pois existe o filme O Retorno de Jedi de George Lucas, que torna isso uma homenagem dupla.
As Igupiaras são uma antiga lenda indígena, uma espécie de tribo que vive em baixo d’água, nos rios e lagos. Eles atacam os homens para comê-los e possuem uma cultura própria toda adaptada à vida subaquática.
O povo que fez o barco e o templo não seria fenício, mas um povo que viria da mistura deles com os índios que viviam no Vale, ao invés de uma cultura subjugar a outra, foram as duas que se misturaram e poderiam ter “gerado” os acritós, mas tudo isso é invenção, novamente digo que essa é uma estória e não história, ou seja, uma ficção e não relatos arqueológicos reais.
Novamente há muitas citações aqui principalmente dos historiadores clássicos gregos Heródoto e Políbio. No entanto, todas se encaixam muito bem aqui.
A Iara, creio eu, é um mito tanto indígena quanto europeu, já que há elementos da sereia nela. Como a sereia a Iara encanta com a voz e é incrivelmente linda, mas ela não mata os homens que encanta. Ao invés disso, ela os transforma em peixe para que vivam sempre com ela. Há uma mistura de Iara com Mãe do Ouro nessa personagem, porque ela realmente guarda tesouros e ajuda muito o Fernando com algumas informações.
Termino fazendo uma ligação, novamente, da parte do Fernando com a parte da Eleanor, mas tenham a atenção de notar que os eventos do Capítulo 06 ocorrem antes do Capítulo 05.



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