A Busca do ídolo de Ouro escrita por Fizban


Capítulo 4
Entrando no Vale




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Organizar aquela expedição demorou muito mais do que Eleanor LeBeau poderia prever. Foram necessários três longos meses para reunir os trinta e sete integrantes que eram compostos por arqueólogos, antropólogos, escavadores, geógrafos e rastreadores. Assim, com tudo devidamente preparado, eles finalmente partiram para o desconhecido Vale dos Acritós.

 

O Vale era cercado por um paredão de montes escarpados no qual a forma de entrar mais acessível seria uma estreita caverna, que provavelmente era a única entrada para se chegar ao interior da morada dos índios e claro, ao Templo. Um outro meio seria obviamente escalando, mas uma expedição daquele porte tornaria essa idéia completamente inviável.

 

A entrada da caverna era coberta por trepadeiras que camuflavam sua entrada, tornando-a muito difícil de achar. Os rastreadores e geógrafos foram fundamentais para que se encontrasse a abertura que ficava aos pés de um imenso morro formado por rochas sólidas. Principalmente o mestiço conhecido como Joel Oguatá, que fora o mais perto de um sangue indígena que Eleanor conseguiu contratar, pois todos os rastreadores nativos conheciam muito bem os Acritós por suas lendas e os temiam inexoravelmente.

 

Logo na entrada, mesmo antes de penetrarem na caverna, uma das antropólogas, linda e alta moça de cabelos loiros e olhos azuis que provavelmente já tinha estado em várias aldeias indígenas, chamada Fernanda Schimidt, disse espantada:

 

- Olhem ali!

 

Havia uma pequena coruja em uma árvore bem próxima à caverna, como se estivesse guardando o Vale. A ave era de uma tonalidade que ia do negro ao cinza e havia algo de muito sinistro em seu olhar! Ao ver o medo percorrer todos, LeBeau prontamente espantou a coruja e falou:

 

- Estão vendo? Não há mau-agouro nenhum. Trata-se apenas de uma simples e linda coruja!

 

- Não! É o... – começou a dizer o caboclo Oguatá, mas este foi bruscamente interrompido pela arqueóloga...

 

- Matintapereira? Isso é um mito, não existe na verdade!

 

Meio contrariados os integrantes da expedição continuaram e entraram relutantes na caverna. O seu interior não era muito íngreme, não dificultando seu acesso à Terra dos Acritós.

 

Ao entrarem, todos puderam sentir nitidamente o forte odor dos resíduos que se formaram ali durante os séculos de completas trevas e silêncio. Parecia que os humanos há muito não colocavam os olhos naquela escuridão, mas logo perceberiam que estavam enganados...

 

Os escavadores ligaram suas lanternas atendendo ao gentil pedido do líder dos geógrafos, um negro velho e muito experiente chamado Daniel Gonçalves Dias, iluminando completamente o local ajudando o trabalho dos rastreadores. Fizeram um longo caminho até que a caverna se bifurcou em duas novas passagens. Foi ali que o rastreador Joel pôde encontrar rastros de pessoas que passaram pela via da esquerda há pouco tempo e achou melhor avisar aos companheiros:

 

- Um grupo de aproximadamente vinte homens passou por aquele lado, a julgar pelos rastros eles não são indígenas e não estamos a mais de três horas de distância deles.

 

- Je comprends! – disse a francesa. – Oguatá, mas há uma suave brisa vinda do caminho da direita, deve haver uma saída não muito longe, não é mesmo?

 

- Eu... concordo!

 

- Mas e os que passaram pela esquerda? – perguntou um dos arqueólogos, um jovem rapaz muito magro e alto, chamado Joaquim Carvalho. – Quem poderiam ser eles? Não seria melhor segui-los?

 

- Acho melhor seguir por onde determinei! – respondeu com firmeza Eleanor, pois sabia que Carvalho acabara de se formar e estava ansioso para mostrar serviço e isso poderia ser um problema. – Mesmo porque o próprio rastreador concorda comigo.

 

LeBeau sabia exatamente quem liderava a outra expedição. Era Alex Michael Carter com certeza! Entretanto ela não tinha a menor vontade de encontrar o canalha que fizera tanto mal à sua amiga tão cedo...

 

Ao continuar pelo caminho da direita, a brisa logo foi aumentando drasticamente, tornando-se uma corrente gelada que esfriava até os ossos. Uma sensação estranha tomou conta da experiente arqueóloga, um arrepio lhe subiu à espinha como se algo muito ruim estivesse por acontecer.

 

Inesperadamente uma gargalhada maligna pôde ser ouvida claramente por Eleanor.  Suas pernas começaram a bambear, começou a se sentir caindo, caindo sem parar. Seus joelhos se dobraram e ela começou a vomitar. Ouvia agora os homens de sua expedição gritando apavorados.

 

A arqueóloga tinha que fazer alguma coisa, algo estava errado e tudo dependia dela. Quando já estava quase se recuperando, uma terrível visão surgiu em sua frente desafiando sua sanidade.

 

Seres horrendos quase amorfos, do tamanho de crianças, rodeavam-na por todos os lados. Tocavam seu corpo queimando suas roupas e dilacerando sua carne causando uma dor quase insuportável.

 

- Não! – ela disse. – Isso não pode ser real, isso não é real!

 

LeBeau fechou os olhos.

 

- Fique firme mocinha, são apenas alucinações, força, não há nada aqui! Tem que se recuperar. Você tem que levantar, erga-se!

 

Prontamente a francesa abriu os olhos, agora percebera a realidade, não havia nada, mas seus companheiros não participavam de sua recente e incrível revelação. A insanidade fazia com que atacassem uns aos outros, achando que na verdade eram aqueles monstros, criando em uma confusão generalizada.

 

Ela não podia deixar que aquilo permanecesse! Gritou e bateu em cada um deles até que recobrassem a consciência. Entretanto oito integrantes da expedição foram mortos em meio a aquela loucura, incluindo o jovem arqueólogo Carvalho...

 

Mas o que teria provocado tudo aquilo?

 

Quase como respondendo a essa pergunta Oguatá disse:

 

- Era um Avasati! – Fernanda encarou o caboclo reconhecendo suas palavras e Joel continuou – Olhem ali, estão vendo?

 

Havia um corpo próximo ao local em que estavam. Era tão antigo que Eleanor não conseguiu analisar há quanto tempo aquele cadáver estaria ali. Ela foi até lá, e examinou-o. Havia uma substância estranha entre os ossos, algo que deveria ter sido modificado com o passar dos anos...

 

- Non! – a arqueóloga exclamou. – Não é nenhum espírito maligno indígena! Estão vendo isso? É apenas algum tipo de alucinógeno. Deve ter nos afetado assim que entramos por essa passagem, quando o inalamos, nada demais!

 

- E fez com que víssemos os mesmos monstros? – falou um dos escavadores, o pequeno, mas esperto homem chamado Paulo Martins. – Essa não vai colar!

 

- Sim, alucinações coletivas já foram registradas antes! – respondeu a antropóloga Fernanda. – É mais comum do que vocês imaginam!

 

- Estou dizendo que é um Avasati, fomos amaldiçoados! – disse o rastreador apontando para a francesa. – Você não devia ter incomodado aquela coruja!

 

- É Dra. LeBeau para você, Oguatá! Já estou cansada de suas superstições! Vamos juntar e enterrar os mortos temporariamente e então continuar seguindo com a expedição!

 

Eles continuaram pelo caminho até começarem a ouvir um ruído de água fluindo ao longe. Não demorou muito para eles chegarem a uma grande fenda, comprida e bastante funda. O único acesso para continuar era uma ponte pênsil que ligava es extremidades da fenda. A ponte parecia ser muito antiga, feita com uma estreita passarela de madeira e cordas.

 

- Bom, acho melhor descansarmos aqui antes de prosseguirmos – concluiu Eleanor vendo que todos ainda estavam muito abatidos. – Depois continuaremos. A saída não deve estar muito longe.

 

- Não está – respondeu Daniel Dia.s – Pelo que pude ver pelo GPS acho que já estamos em bem mais que a metade do caminho!

 

- Ótimo! – a francesa sorriu e todos acharam que seria pela notícia, mas de fato foi por finalmente ela ter tido uma resposta rápida em português. Ela disse “ótimo” e não “très bon”. Estava se acostumando com o idioma. – Oguatá, eu quero sua ajuda aqui, sim?

 

Os dois foram até a ponte e a testaram para ver se era possível passar por ela. Concluíram que sim e quando voltaram a arqueóloga pôde ver a forma que Fernanda Schimidt, tocava suavemente sua linda flauta, parou e olhou para ambos. Aquela antropóloga está com ciúmes dela com Oguatá? Refletiu. Esse pensamento fez LeBeau lembrar de Beto, mas ela logo se recuperou disso.

 

 Todos descansaram bem e logo se colocaram de pé para continuar a expedição. Assim Eleanor testando novamente a ponte disse:

 

- Essa ponte é velha, mas bem forte! Nós iremos um a um por causa da carga. – fez uma pausa e continuou. – Se a ponte balançar vocês terão o impulso de se encolher, mas não façam isso. Se isso acontecer, estiquem os braços e separem as cordas, assim ela pára de balançar e volta a ser estável.

 

Houve uma demora muito grande para atravessarem a frágil ponte. A francesa teve que ajudar muitos que estavam com medo de passarem. Ela acabou ficando na ponte, próxima a uma extremidade, enquanto Oguatá ficava na outra, ajudando todos a passarem.

 

Apenas Fernanda quase caiu, derrubando sua lanterna, mas o rastreador a segurou firmemente e ficou sem jeito pelo olhar doce que a antropóloga lhe dirigiu. Eles ficaram ali por um tempo, até que Paulo Martins resolveu interromper o momento:

 

 - Já entendi, vão ficar aí o dia inteiro, né? – havia um grande sorriso no rosto do escavador. – Se fosse possível, gostaria de passar ainda hoje, sabe?

 

- Claro! – a jovem respondeu envergonhada. – Vamos indo!

 

Os outros conseguiram chegar ao outro lado sem muitos problemas e seguiram em frente.

 

Não demorou muito para eles chegarem ao final do caminho. Logo ouviram os pássaros e chegaram à saída. Era no alto do morro, assim eles podiam ver quase todo o Vale dos Acritós.

 

Era grande, ou maior que todos presumiam. Possuía uma mata fechada e escura, não muito típica da Mata Atlântica. Ostentava também um lago que ficava mais ou menos no centro do Vale, com uma pequena ilha de pedras.

 

Não conseguiam ver nenhuma aldeia, porém podiam notar uma estranha formação à esquerda de onde estavam, não muito distante do lago. Eleanor imaginou que podia ser muito bem o Templo e deu ordens para que todos se dirigissem a àquele local. Iriam até a margem e se guiariam por lá.

 

Eles seguiram resolutos por uma trilha se embrenhando pela mata, sempre atentos a algum possível encontro com os Acritós. Daniel Dias, o geógrafo, foi analisando o solo para guiá-los até o lago, já que não podiam ver quase nada dentro da densa floresta. Recebia a ajuda de Oguatá que colocou um de seus rastreadores à frente para poder cuidar da navegação terrestre.

 

Enquanto todos estavam tranqüilos e pensativos – cada um com sua tarefa e pensando no que fariam com os ganhos por aquele grande achado, um Templo Fenício na América – houve um estrondo e, os membros da expedição que se localizavam mais à frente da marcha puderam ver nitidamente um tronco de árvore, cheios de estacas, cair sobre o escavador Paulo Martins e dois dos rastreadores.

 

LeBeau em um impulso tentou correr até eles, mas foi impedida por Oguatá que, cuidadosamente, se aproximou da armadilha observando todos os lados antes de voltar-se para os três, que já estavam mortos. Tocou os corpos, tocou as estacas, passou o dedo em um musgo esverdeado presente nelas e depois de o lamber e cuspir disse:

 

- As estacas estão envenenadas, melhor tomarmos cuidado redobrado!

 

Transtornados, todos demoraram a continuar, a experiente arqueóloga achou que deveriam fazer mais uma pausa, mas voltando pelo caminho e ficando longe da armadilha, para não serem rastreados pelos Acritós.

 

Desta vez Fernanda estava muito abalada, pois nunca tinha visto ninguém morrer antes. Ela estava sob o efeito do alucinógeno na caverna e não vira quando os antigos companheiros morreram, apenas agora. Joel se aproximou dela para tentar confortá-la e a antropóloga aceitou seu abraço.

 

- Oguatá? – perguntou Schimidt. – Seu nome indígena, não?

 

- Sim, recebi esse nome da aldeia de minha mãe. Significa andarilho!

 

- Todo nome tem um significado! O meu, Fernanda, é teutônico e quer dizer ousada, já Schimidt é a palavra germânica para ferreiro.

 

- Que interessante! – disse o rastreador tentando ser amável. – Ficará tudo bem Fernanda. Eu cuidarei de você. 

 

Eu cuidarei de você. Eleanor, observando os dois, refletiu por um tempo sobre aquela frase. Será que Fernando um dia diria isso para ela? Provavelmente não porque LeBeau não fazia o tipo de moça indefesa. Era muito mais forte que aquilo e de qualquer forma Beto a tinha decepcionado, mas ainda pensava nele. Por quê?

 

- Não podemos parar toda vez que temos um problema! – pronunciou com cuidado o velho geógrafo. – Desculpe, não quero desafiar sua autoridade, mas acho que seria melhor sairmos logo daqui! Já estamos bem perto do lago.

 

- Tudo bem, Daniel! – a francesa respondeu com um sorriso tão delicado que fez Dias desviar o olhar. Ele tinha uma imagem paternal que a arqueóloga adorava. – Só estou dando um tempo para os outros, já partiremos. Obrigada pela ajuda!

 

Logo a expedição se colocou mais uma vez em marcha, agora com o caboclo Joel liderando à frente, passando pelo mesmo local onde a armadilha havia matado três dos seus membros.

 

- Foi muito prudente voltarmos, Doutora LeBeau! – exclamou Oguatá ajoelhado olhando para o chão. – Os Acritós estiveram aqui há pouco tempo.

 

- Como pode ter certeza de que são eles? – perguntou Fernanda. – Podem ser quaisquer outros índios!

 

- Está vendo a profundidade dessas pegadas? Se me der o exemplo de outra tribo que tenha entre seus integrantes homens com mais de cem quilos e acima de dois metros de altura...

 

Repentinamente ele parou, houve um perturbador silêncio por alguns instantes.

 

- Há um fio aqui, estão vendo? – disse o experiente rastreador. – Devia ser para mais algum tipo de armadilha, mas eu desarmei!

 

Daniel Gonçalves Dias tomou a frente:

 

- Mas agora esta não pode nos pegar mais. Temos que sair logo desta mata! Vamos!

 

Ao dizer isso o geógrafo saltou pelo fio e continuou, mas rapidamente afundou no chão e caiu sobre um buraco com mais estacas envenenadas. Berrou, tremeu em espasmos involuntários, até finalmente morrer. 

 

Esses Acritós são realmente o maior dos perigos desse maldito vale, Eleanor lembrou do que Dr. Vilela havia lhe dito. Todos se prepararam para continuar com mais cuidado ainda. Mas Joel continuava parado, absorto por um bom tempo.

 

- O que foi, Oguatá? – perguntou LeBeau.

 

- É o sentido de índio dele – respondeu outro rastreador. – Nunca o vi...

 

- Todos de costas uns para os outros. Agora! Os malditos estão aqui!        

 

 Ao falar isso Joel Oguatá foi alvejado por flechas vindo da mata e caiu ruidosamente no chão, já sem vida. A experiente arqueóloga rapidamente sacou suas pistolas, ela tinha duas 5.7 da Fabrique Nationale. Como alguns da expedição, ela atirou contra a mata tentando acertar os agressores, mas apenas mais flechas zumbiram no ar ao encontro dos membros da expedição.

 

O ataque foi rápido e esmagador. Flechas voavam de todos os lados sem que ninguém pudesse entender corretamente o que estava acontecendo. Os acritós gritavam escondidos na mata causando mais desespero e confusão. Em pouco tempo quase todos da expedição estavam mortos, o fim parecia inevitável.

 

A francesa, em um ato impulsivo, se embrenhou na mata para tentar encontrar algum daqueles índios e em meio a toda aquela confusão um tacape se chocou rapidamente com sua cabeça, Eleanor caiu e não conseguiu ver quem a atacou, apenas uma risada, que ela julgou ser feminina, pôde ser percebida antes de desmaiar...


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Notas finais do capítulo

Nota do Autor: O Matintapereira é uma lenda indígena de mau-agouro na qual o olhar de uma coruja revela que algo de muito ruim está para acontecer, e realmente coisas muito ruins acontecem no Vale, esse início é muito bom para prever o que aguardava Eleanor e principalmente a expedição.
O Avasati é um espírito indígena que entra no corpo de uma pessoa enfraquecendo sua mente para que ele possa possuí-la. A forma na qual é apresentada aqui é uma interpretação totalmente minha.
O ataque dos acritós foi rápido e furtivo, muitos me falaram que eu tirei isso de vários lugares, mas na verdade é assim um ataque indígena. Queria também mostrar logo de cara que os acritós são muito implacáveis e. claro, estão em seu território, o que torna muito difícil combatê-los.



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