A Busca do ídolo de Ouro escrita por Fizban


Capítulo 3
Sombras do Passado




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Eleanor já estava cansada. Ora, já tinha 12 horas de estrada, e ainda não havia encontrado a cidade na qual sabia que o Fernando estaria. Bem, pelo menos era o que a filha dele dissera...


A Filha dele, a pequena Vitória. Ela era uma menina linda e fez a francesa imaginar como seria sua mãe, a esposa de Roberto. Esses pensamentos trouxeram tristeza à arqueóloga e, para se distrair, tentou prestar a atenção em outra coisa.


O rádio estava ligado, mas não tocava música, apenas a mesma notícia sobre os recentes escândalos de corrupção e sobre a morte de uma tal de Marielza, uma cantora que estava envolvida de alguma forma em tudo aquilo...


Chega! Ela não queria ouvir mais isso! Não estava agüentando mais aquele calor e foi quando, já quase, desistindo de encontrar seu amado, a jovem finalmente avistou a cidade.


- Hameau! – exclama. – A cidade não passa de um vilarejo!


Realmente, Miraí fica em meio a montes sendo assim praticamente um vale, o que ela não achou um bom agouro. Não possuía mais de 15 mil habitantes com certeza. Bem, pelo menos era próximo da localização do Templo, seria por isso que Beto estava lá?


Dentro da cidade, precisava perguntar onde ficava o endereço que Dr. Vilela morava, já que ela apenas sabia que ele estava nessa cidade, mas não exatamente onde, se bem que pelo tamanho da mesma Eleanor imaginou que não seria muito difícil afinal de contas!


Estava na avenida principal e resolveu perguntar a uma simpática moça que estava, aparentemente, passeando na praça central bem enfrente a uma antiga igreja católica que, embora nenhuma das duas soubessem, estava lá desde a fundação da cidade.


- S’il vous plaît... – iniciou LeBeau esquecendo por um instante que não estava mais na França. – Desculpe! Por favor, a senhorita poderia me dar uma informação?  Sabe onde mora o Doutor Fernando Roberto Vilela?


- Uai! Será que você está falando do Fernando filho do Jucelino? Um que morou lá na Europa? Mas ele não é médico!


- Tout à fait! – respondeu eufórica a francesa. – Beto dava aulas de História!


- Oia, então só pode ser o mesmo! Saber onde ele mora, eu sei, mas acho mais fácil você encontrá-lo no Bar do Dedé! Sempre vejo ele lá essa hora!


- Oui, je pense, mas Bar do Dedé?


- Sim segue por lá e vai até a rodoviária – disse a mineira apontando o final da avenida. – Daí vira à direita e segue toda a vida. Vai passar por um corguinho. Depois na próxima entrada à esquerda fica o Beco José Romão. O bar fica na esquina!


- Obrigada!


A arqueóloga, agradecendo à moça, logo se colocou a dirigir o automóvel por onde foi indicada, achando o lugar facilmente. Ela estaciona em frente ao chamado Bar do Dedé. Parecia simpático, a jovem pensou, e decidiu entrar! Pegou um embrulho que trouxe da França, um presente que seu professor havia lhe dado na formatura, e se dirigiu ao balconista:


- Olá – disse com alegria. – Bom dia!


- Uai, bom dia moça! – respondeu rapidamente o dono do bar. – Está viajando? Quer algo para beber? Tenho café quentim saindo agora!


Eleanor teve certa dificuldade de entender a última palavra, mas poderia apenas ser café quente, no diminutivo. Ainda não estava acostumada com os vários regionalismos do português no Brasil e imaginou que isso deveria de dar devido à sua grande dimensão e, francamente, havia lugares na França que nem se falava francês. Realmente algo estranho tinha acontecido, pois todos no bar a olhavam e alguns faziam isso de uma maneira vulgar da qual LeBeau não gostou, mas tentou esquecer isso e voltou a falar:


- Por favor, estou procurando um velho amigo que me disseram estar aqui, em seu bar  – fez uma pausa, passou a mão nervosamente pelos longos cabelos e continuou. – Ele se chama Fernando Roberto Vilela.


A francesa percebeu facilmente a alegre expressão do velho balconista mudar radicalmente para um olhar ar, no mínimo, espantado! Será que a arqueóloga falara algo errado? Quer dizer, Eleanor fala português muito bem, mas nunca tinha vindo ao Brasil e poderia ter cometido algum erro!


- Oh, moça, se está procurando o Fernando ele está logo ali! Uai, viu ele não? Sentado, bebendo e dando problemas como sempre!


Novamente seu coração disparou. Finalmente! Ela o encontrara, depois de tanto tempo e de ter passado por tantas dificuldades... Finalmente o encontrara.


Entretanto aquela sensação a incomodava, parecia uma jovem universitária de novo. Aquele amor ingênuo novamente dominou sua mente. Suas mãos suavam frias de novo, mas LeBeau não queria isso. Depois de tantos anos não queria que ele a visse daquele modo.


Respirou fundo e... 


A arqueóloga não podia acreditar! A visão que a francesa teve não era real, não podia ser real. Ela o vira e quase não o reconheceu, aquele homem estava longe de ser o seu professor, de ser o homem pelo qual se apaixonara. No entanto, por mais absurdo que fosse, era ele! Aquilo era quase impossível de aceitar.


Fernando estava em uma mesa, nos fundos do bar. Bebendo, mas ele não bebe, ou não bebia. Estava de barba, isso já seria suficiente para ela saber que Beto não estava bem, pois ele nunca fazia a barba quando estava mal. Eleanor o conhecia muito bem, mas não era apenas aquilo que a assustava.


Seu amado, o grande homem por quem ela ainda estava apaixonada, estava sujo, na verdade imundo, e ao se aproximar sentiu o cheiro forte de bebida e mais coisas que preferia ignorar.


O olhar de Fernando estava vazio como se estivesse alheio a tudo em volta, mas repentinamente uma fúria surgiu na sua expressão e o velho Dr. Vilela gritou fazendo LeBeau pular assustada.


- Desligue essa velharia que você chama de rádio seu cachaceiro desgraçado! – levou mais um copo de pinga à boca e voltou a berrar – Não posso ter paz nem nessa espelunca de lugar? Heim?


 Mon Dieu, a arqueóloga pensou. Nunca tinha o ouvido falar um palavrão sequer, nunca! Fernando era extremamente polido e definitivamente aquele homem não era nem a metade do que ele fora. Mas ao menos ainda havia vida nele.


Percebeu que o balconista o ignorou totalmente e várias pessoas no bar abaixaram suas cabeças incomodadas.


A francesa se aproximou, apesar de tudo estava feliz por ver Beto novamente e por poder falar de novo sua língua natal. Ela disse:


- Doutor Fernando Roberto Vilela? Sou eu, sua aluna! Eleanor LeBeau.


Não houve resposta, nem sequer uma reação! O que havia acontecido com Dr. Vilela? O que o destino tinha feito com seu amado?


- Sou eu Beto, lembra de mim? Sua aluna da França, sua pequena!


Fernando a olhou quase não a reconhecendo, na verdade a idéia dela estar ali era muito improvável e julgou ser mais uma alucinação, como muitas que vinha tendo naquele ano, principalmente depois...


- Sombra do passado! – ele se irritou afastando as lembranças ruins. – Não me importa se você é real ou não, vá embora!


Enfim uma reação. Não gostou nada da forma como Roberto a tratou, mas ao menos havia se lembrado. Tentou mais uma vez entender o que havia acontecido com seu antigo professor e novamente voltou a falar:


- Não! Sou eu de verdade! O que houve com você?


- Já disse para ir embora, droga! – Fernando respondeu em português. – Nem com a bebida, vocês desaparecem?


Alguém no bar falou:


- Vixe! Esse aí já ficou louco, gatinha, mas se você quiser...


- Vai ver se eu estou no beco! – diz Eleanor, não sabendo se usou certo a expressão – Nem tente, estou acima do seu nível, ok?


Entretanto o homem não gostou nada da forma que foi humilhado na frente dos amigos e decidiu que podia pôr aquela pequena garota no seu devido lugar. Assim ele simplesmente foi até a francesa e a segurou no antebraço, puxando-a para si.


LeBeau por sua vez girou o pulso segurando firme, com as duas mãos, no braço do homem e com um efeito de alavanca abaixou-o fazendo que sua cabeça se chocasse violentamente em uma das mesas.


A própria arqueóloga se assustou com aquilo, pois tinha reagido por puro reflexo e percebera que todos os bêbados e desocupados do bar se levantaram para encará-la. Ela percebeu até mesmo o medo do balconista...


Subitamente Beto socou a mesa em que estava e acabou fazendo um barulho tão alto que assustou até mesmo as pessoas que passavam na rua. Dr. Vilela nem sequer precisou olhar para os homens que abaixaram a cabeça e se sentaram novamente, agora sem dizer nada.


 A mesma quietude estava na ação do dono do bar, que tirou dali o bêbado que tentou agredir a arqueóloga e se deculpou com um sorriso amarelo para ela.


- O que você quer comigo Eleanor? – disse Roberto quebrando o constrangedor silêncio. – Por que veio até aqui?


- Finalmente, você se lembrou!


- Pode ser, mas não respondeu minha pergunta!


- Por causa do Templo e do Ídolo de Ouro...


- Francesa burra! Um templo fenício na América e um objeto que abençoa aqueles que o possuem. Você está atrás de lendas. Perdeu seu tempo!


LeBeau tentou ignorar a ofensa, pois sabia que seu amado estava bêbado e não estava em seu juízo perfeito. Beto ainda estava evasivo, Eleanor lembrava que ele sempre fazia isso quando não queria responder algo, mas sabia que devia. Bem, ao menos está se recuperando! Estou conseguindo trazê-lo de volta! Eleanor imaginou e ficou feliz com esse pensamento.


Uma música começa a tocar na rádio, era a uma das candidatas a melhor de três na estação. Normalmente, devido à situação, a francesa não repararia, mas como até o momento estava passando noticiários, percebeu. Ela já tinha ouvido aquela música, era da banda Metallica que traduzindo ficaria mais ou menos assim:


 

Deite ao meu lado, diga-me o que eles fizeram.

Diga as palavras que eu quero ouvir, faça meus demônios saírem.

A porta está trancada agora, mas ela estará aberta se você for verdadeiro.

Se você consegue me entender, então eu consigo te entender.”

 


A música chamava-se The Unforgiven II, nada mais apropriado! Essa música era uma das favoritas de seu amado, a arqueóloga o conhecia bem. Isso com certeza a ajudaria agora, se alguém pudesse tirá-lo desse estado seria LeBeau sem dúvida!


Com certo otimismo Eleanor voltou a falar:


- Há um diário que...


- Eu sei, fui eu que o encontrei!


- Alex Michael Carter? Foi você que entregou o diário a ele?


- Não entreguei nada para aquele estadunidense mau caráter! O diário estava com aquele Departamento de História ridículo que vocês têm na França.


- Então o Mike realmente roubou deles!


- Você adquiriu a incrível habilidade de perceber o óbvio!


- Doutor Vilela! – a arqueóloga decidiu ser mais impessoal. – Você está sendo rude comigo!


A francesa viu novamente a fúria nos olhos de Fernando. Ela achou que ele reagiria mal, que diria insultos terríveis, mas não foi o que aconteceu. Algo o parou subitamente e seu amado voltou a falar perguntando:


- Bem o que você quer de mim afinal?


- Ora, quero sua ajuda, claro! – respondeu. – Quero que você vá comigo na expedição.


- Não!


- Simplesmente não? Beto, você precisa trabalhar, dá para ver isso, não...


- Já disse que não e você não deveria ir também!


Eleanor olhava para ele de forma profunda, sabia que seu olhar o encantava, sempre foi assim, mas diferente de todas as outras vezes, Fernando a encarou, não desviou sequer o olhar, simplesmente disse:


- A coisa mais desafiadora que tem nesse lugar não é o Templo, mas uma tribo indígena que vive lá, os Acritós.


- Acritós?


- Foi o que eu disse, afinal o que há com você?


- Desculpe!


- Os Acritós! Uma tribo extremamente hostil que muitos antropólogos acham que não passa de uma lenda...


- Como? Se você sabe onde eles estão?


- Eu não contei a ninguém, além do mais o vale é uma reserva, eu cuidei disso quando...


Houve uma pausa, Beto reagiu como se lembrasse de algo extremamente doloroso, sua expressão era como se estivesse recebido um golpe, uma facada. O que poderia ter causado isso? Então Eleanor continuou:


- Você realmente não vai vir comigo, não é?


- A garota está ficando inteligente...


- Bem, eu vou partir amanhã cedo, caso você mude de idéia.


- Eu não vou!


- Há uma coisa que eu queria te dar, você pode abrir quando quiser, é meu último presente para você, professor, adeus!


LeBeau entregou o embrulho que segurava durante toda a conversa. Ela lançou um último olhar para ele, para o amor de sua vida. Sentindo-se incapaz de ajudá-lo, pois pôde perceber nitidamente que tudo estava perdido.


A francesa se dirigiu ao carro, saiu o mais rápido que podia daquela maldita cidade, mas não agüentou dirigir por muito tempo.


Aquela música tocava novamente, parecia que tinha ganhado como a melhor de três da rádio...


 

“Yeah, o que eu senti, o que eu soube
Doente e cansado, eu permaneci sozinho
Você poderia estar lá, porque eu sou aquele que espera por você
Ou você é imperdoável também?”

 


Parou em um acostamento e ficou lá por alguns instantes refletindo sobre o que conversaram, sobre o que ela sentia, sobre sua decepção para com ele. Eleanor chorou copiosamente, e se não foi por seu amado, foi porque todos os seus sonhos e esperanças acabaram.

 

 

 

Doutor Vilela olhava para o embrulho tentando imaginar o que diabos poderia ser. O conhecia muito bem, sabia que aquilo era alguma forma de convencê-lo a ir com ela. No entanto, notou que sua pequena tinha dito adeus, mas nunca a ouvira falar assim, nem mesmo em sua despedida naquela bela manhã em Paris.


Intrigado, decidiu abrir e ele estava certo! O presente era realmente algo para convencê-lo a ir com ela. Fernando tinha dado aquele presente para a arqueóloga no dia de sua formatura no Café Montecristo. Sorriu, LeBeau continuava com sua inteligência apurada, como o próprio professor sempre a elogiava naquela época! No entanto, aquilo não importava agora, não passava de lembranças ao vento...


O presente era um chapéu, mas não qualquer um! Era um dos chapéus Cury usados para fazer os filmes da trilogia de Indiana Jones. Os filmes preferidos de ambos. Eleanor sabia que tinha um significado especial para ele.


Roberto alisou o chapéu, lembrando de seu passado. Lembrou-se de quando esteve no misterioso Reino de Preste João e encontrou os restos mortais de Dom Sebastião, enquanto trabalhava para o Projeto Ares.


Ele olhou para a mesa em que estava sentado e alisou mais uma vez o chapéu Cury sentindo seu corpo revigorar-se de uma longa e inexorável demanda. Como se sua antiga força e vontade voltassem, algo que julgava estar esquecido, mas ainda era capaz de se lembrar. Respirou fundo e colocou o chapéu...


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Notas finais do capítulo

Nota do Autor: A cidade de Miraí realmente existe e fica muito próxima de Juiz de Fora em Minas Gerais. Os poucos locais que descrevi existem e sim, realmente existe um Bar do Dedé. Essa é uma cidade linda, típica do interior de Minas e possui toda a doce simplicidade de uma cidade pequena.
O final conta com artefatos e sítios arqueológicos ainda não encontrados da cultura portuguesa e juntamente com já o Projeto Ares, estas são uma homenagem ao Goldfield que além de brilhante escritor é um grande irmão que me ajudou muito com esta estória.
Há uma grande carga de drama no fim, e isso ficou muito marcante. Tentei deixar a cena do chapéu mágica e acho que consegui, para muitos que leram minha estória esse foi o momento mais marcante e qualquer fã de Indiana Jones provavelmente deve ter ficado emocionado com o fim.



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