A Busca do ídolo de Ouro escrita por Fizban


Capítulo 10
Volta à França




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Os cafés, em Paris, não eram mais como os de antigamente. Agora vários turistas passeiam pelas praças à procura dos famosos bares franceses. Aquela calma e beleza que tinham no passado se foram com os flashes e vozes escandalosas.

A jovem arqueóloga Eleanor LeBeau estava no Montecristo Café e este não era tão famoso, apesar de ser um dos mais lindos de Paris. Podia ver, de sua mesa posta debaixo de um aconchegante toldo vermelho, o Arco do Triunfo, atrás das árvores que compunham a paisagem da grande Avenida Champs Élysées.

Ela olhava para os turistas com desdém, quase não admitindo que em meio a aquela confusão que provocavam, sua alegria contagiava a todos incluindo ela mesma. Eleanor via os homens que a haviam procurado naquela fatídica tarde; para ir a aquele maldito Vale. Sim, eles estavam ali novamente, mas agora Dr. René Bourdeaux, chefe do Département de Histoire, estava com eles.

O Dr. Bourdeaux via nitidamente que ela estava exausta, fazia somente dois dias que a moça tinha voltado à França e agora ele entendia porque ela não o tinha procurado ainda. A tristeza no olhar dela quase tirava sua beleza. “O que teria acontecido com ela para estar assim?”, perguntou a si mesmo. Ele indagou:

- Então, Mademoiselle LeBeau, o que aconteceu, você está com o Ídolo?

- Ídolo? Não, Monsieur Bourdeaux, eu não estou com ele.

“Ídolo?”, pensou ela. Sim, o Ídolo de Ouro, o Uirapuru. Ela se lembrava ainda, sabia o que acontecera; agora não passava de lembranças, mas a dor era forte ainda e ela quase podia vivenciar aquilo de novo...

Eleanor bateu desesperada contra a parede de pedra, contra a passagem que agora se fechara em sua frente, selando o destino de seu amor. Ela não podia acreditar naquilo, na verdade ela não queria. Como ele pôde ter se sacrificado daquela forma, não era do feitio do Beto se entregar daquela maneira sem luta. Devia haver alguma forma daquilo ser acionado sem que ele ficasse preso, teria que ter uma forma de abrir aquela droga de porta.

- Mince! Beto, non...

Foi quando ela escutou um som, uma espécie de estalo, mas muito alto! Pensou o que poderia ser aquilo e outro som igual foi ecoado. Sim, agora ela sabia o que era, um disparo, um tiro! Mas, não era de um revólver, tinha que ser de uma arma maior para que ela pudesse ouvir, será que havia alguém o atacando? Então ela se lembrou do embrulho de pano na mochila dele, era uma arma realmente, algum rifle ou algo assim.

Foi quando as pedras começaram a cair, o teto estava cedendo ao tremor, ela tinha que se decidir e tinha que ser rápido. Ela chorou, passou a mão nas pedras que a separavam dele e seguiu para o sarcófago, rumou para o Templo.

Ainda abalada pelo que acontecera, Eleanor mal viu como se aproximou do sarcófago. Era a câmara mais trabalhada da construção, com lajes de pedras coloridas formando desenhos no chão. Havia uma espécie de buraco no centro da sala onde estava um sarcófago de pedra com frisos dourados. Existiam seis discos de ouro presos à parede do buraco. Tudo muito bem trabalhado e valioso, mas Eleanor não se importava com nada disso, pensava apenas em como Beto podia ter feito aquilo com ela, como ele a tinha abandonado.

Mas aquilo tudo estava caindo, ela tinha que ser rápida. Eleanor entrou no buraco onde estava o sarcófago e com muito esforço tirou o tampão que o fechava. Ali estava mumificado um homem, e como tudo na construção, tinha vestes inspiradas nas Antigüidades européia e indígena. Ela viu um enorme arco dourado à direita do corpo e um Maracá, uma espécie de cajado com uma cabaça no seu topo, à esquerda.

Eleanor não viu o Ídolo de Ouro e ficou desesperada, não era possível que depois de tudo que ela passara, depois de seu amor ter se sacrificado, ela não tivesse o Ídolo. “Não, calma, menina”, ela pensou consigo mesma, aquele lugar tinha sido construído para proteger o Uirapuru, ele não podia simplesmente não existir.

Foi quando ela olhou melhor o Maracá e viu que havia furos incomuns nele, ela rapidamente tirou-o do sarcófago e um som saiu do objeto, parecia algo mágico, um som limpo e encantador, algo que fez com que ela se revitalizasse e se esquecesse de todos os seus tormentos e mágoas, ampliando sua percepção das coisas; sim aquilo era o Uirapuru, aquilo era o Ídolo de Ouro.

Mas o tempo corria e, enquanto ela admirava o objeto, os discos de ouro das paredes caíram, revelando buracos na superfície, de onde começaram a jorrar terra, preenchendo rapidamente o local. Uma outra armadilha, pensou Eleanor, algo para não permitir que ela saísse de lá com o Ídolo.

Ela rapidamente subiu e viu que a passagem e agora quase tudo estava desmoronado, correu para a saída onde quase todas as armadilhas, que dificultaram sua entrada, estavam já destruídas. Uma vez de volta à floresta ela viu a construção ruindo por completo e se havia uma esperança de que Beto estivesse vivo, ela a abandonou agora.

Dr. Bourdeaux olhou para os agentes e se voltou novamente para Eleanor. Olhou para ela fixamente tentando captar alguma informação de suas expressões, mas ela estava tão desolada que ele não tirou nada. Assim ele perguntou:

- Você não está com o Ídolo. Por quê?

- Pelo motivo mais óbvio do mundo, ele não existe!

- Tem certeza que você procurou pelo vale inteiro, Mademoiselle?

- Esse é exatamente o problema!

Eleanor voltou à aldeia com o Uirapuru junto a ela. Quando ela chegou e mostrou o Ídolo todos os índios festejaram. Aquela selvageria e raiva que tinha visto antes foram transformadas em respeito e gratidão. Todos a trataram bem na aldeia e ela por ali ficou até que suas feridas fossem realmente curadas. O tempo que ela passou com os acritós a fez respeitá-los e até amá-los.

Fernanda Schimidt, a antropóloga que tinha ficado na aldeia, resolvera permanecer em definitivo com os Acritós. Ela tinha sido poupada por saber tocar flauta, ou como diziam os índios, Fernanda sabia falar a língua dos Deuses. Claro que Eleanor não entendia bem como a colega teria decidido ficar ali com aqueles selvagens, mas a arqueóloga se lembrou das aulas de Fernando sobre a diversidade de culturas e como nós rapidamente julgamos os povos que não entendemos. O tempo que ela passou com os acritós a fez respeitá-los e até amá-los.

Quando Eleanor se arrumou para partir a acritó Emanuaçu, sua antiga rival, se aproximou dela, como em uma despedida, a abraçou e tirou um colar que a própria índia mesma usava e deu-o a francesa. Eleanor sorriu e retribuiu o gesto entregando o chicote de Beto que ela pegara na saída do Templo. Sabia que, como uma guerreira, ela apreciaria ganhar uma arma.

O velho pajé Rarití se despediu dela, com muita felicidade, dizendo que sabia que ela era o Maramuzan, que ela traria o Uirapuru e curaria seu povo. Mas Eleanor sabia que o verdadeiro responsável por estar ali era o Beto, sabia que se alguém fosse o salvador da aldeia seria ele. E realmente ele havia salvado, a francesa não sabia como, mas realmente os índios foram curados do mal que os afligia e tudo estava bem agora com os acritós.

Maramuzan, que significava “aquele que traz a guerra”, combateu os maiores perigos daquele vale e morreu para trazer a paz aos acritós. Foi pela guerra que ele trouxe a paz, pensou Eleanor. Beto teve que lutar contra ele mesmo para vencer e ela se confortou pensando que se não estivesse ido até ele, naquele bar em Minas Gerais, os acritós teriam perecido também.

Assim ela se foi. Agora examinava o equipamento que Beto a entregara e viu que tinha sobrado dinamite. Eleanor pensou que talvez, se não tivesse se irritado com ele e visto que ainda tinha aquilo, ela poderia ter destruído aquela passagem e o salvado, mas não o fez e ela se sentiu mal com aquilo.

Entretanto ela daria um bom uso a aquele explosivo! Eleanor explodiu a saída do Vale; Beto estava certo, aquilo não podia ser conhecido por ninguém. Nenhuma pessoa de fora podia saber o que havia ali, os índios deveriam ser deixados em paz, como estavam. Ali ela se perguntou se ele tinha colocado aqueles explosivos de propósito para que ela selasse o Vale dos Acritós.

Novamente os agentes do GIGN se entreolharam. Eleanor olhou fixamente para eles e os agentes não mais reconheceram aquela jovem arqueóloga que foram buscar há alguns meses. Ela parecia uma veterana de guerra que acabou de chegar de um conflito, percebiam que ela escondia algo, mas não sabiam o que.

- O Vale não existe, Monsieur Bourdeaux! – disse ela.

- Como assim, nossos...

- Estão errados! Não há nada lá além de pedras, nem é um vale!

- Isso é uma infeliz notícia. Tudo o que foi gasto...

- E me fizeram perder tempo com isso!

- Pardon Mademoiselle LeBeau! Todo esse transtorno realmente...

- Tudo bem, foi apenas um contratempo, não importa mais, já terminaram?

- Sim, perfeitamente!

Eles se levantaram, não havia mais nada a ser dito, tudo aquilo não passava de uma perda de tempo e dinheiro público, e antes de partir Dr. Bourdeaux olhou para a mesa, algo lhe chamou a atenção e ele voltou a falar.

- Você esteve com o Dr. Vilela?

- Não, apenas com a filha dele, acho que se chama Vitória!

- Uma pena realmente, au revoir Mademoiselle LeBeau!

Eleanor não respondeu e eles partiram. Finalmente tinha acabado, ela agora podia estar em paz com seus pensamentos. A conversa com a filha de Beto ainda a perturbava. Claro que ela, antes de voltar à França, foi contar à coitada que seu pai morrera no Vale. Mas ela também confirmou suas suspeitas.

Quando Beto voltou ao Brasil ele se tornou político. Tão logo entrou no senado ele se viu à volta com políticos corruptos, juntou provas contra eles e os delatou. Um escândalo que parou o país. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi organizada e quando todos sabiam que os políticos corruptos cairiam Beto foi seqüestrado sem que ninguém percebesse.

Ele foi levado a algum local desconhecido onde sofreu severas ameaças e quando viram que ele não se dobraria, resolveram capturar sua mãe, a cantora Marielza, e a mataram queimada na sua frente. Prometeram que fariam o mesmo com sua filha se ele não recuasse. Depois disso Beto renunciou ao mandato e se retirou da vida pública. Isso tinha ocorrido cinco meses antes de ela encontrá-lo naquele bar no interior de Minas Gerais.

Eleanor desejava ter descoberto isso antes, sabia que era por isso que ele se entregara tão fácil no Templo, ele buscava morrer ali. Se não estivesse tão boba de paixão por ele perceberia que apenas algo como aquilo podia fazer com que o Beto se tornasse aquele homem de olhar vazio. Ela sentia raiva e uma frustração enormes, sentiu vontade de chorar, porém não chorou. Estava como que num estado de êxtase, inconsolável. A busca pelo Ídolo de Ouro tinha mudado algo nela.

Ela olhou para a mesa em que estava sentada, e então para o chapéu Cury que ela trazia consigo desde a despedida de Beto. Eleanor alisou o chapéu, um antigo sentimento insurgiu dentro dela. Como se sua antiga força e vontade voltassem, algo que a arqueóloga julgava estar esquecido, mas ela ainda se lembrava. Eleanor respirou fundo e colocou o chapéu...

O Início e o Fim.


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Notas finais do capítulo

Nota do Autor: O capítulo final se inicia igual ao primeiro capítulo, achei que seria muito bacana isso e dá um ar saudosista em voltar aonde tudo começou. Uma homenagem à própria estória que gostei tanto de escrever e vai com certeza deixar muitas saudades.Aqui fecho todas as pontas soltas, explico como Eleanor resolveu o problema dos índios e todo o seu esforço para que o mundo exterior não destrua a sua cultura. Mais importante que estudar outras culturas é saber preservá-las e respeitá-las, assim ela é, ao meu ver, uma verdadeira arqueóloga e historiadora.Explico melhor o que aconteceu com Fernando e como suas atitudes o levaram a ficar tão desolado e deprimido buscando apenas o seu próprio fim, não antes de resolver problemas pendentes.Termino a estória novamente com a cena do chapéu, uma cena realmente marcante e que pode ser seu ponto mais alto.Bem, quero terminar agradecendo a todos que acompanharam a estória até o fim, muito obrigado mesmo. Voltar a escrever tem sido uma experiência muito boa e os comentários feitos à minha estória têm me motivado muito a continuar, com certeza essa não será minha última estória e já estou, agora, produzindo outra de um tema muito diferente.Obrigado e até a próxima oportunidade!



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