POV Wendy

 Assim que Smith me levou para onde eu iria dormir e me deixou sozinha os sentimentos me dominaram. Estava contente por ter me tornado uma verdadeira pirata e estava ainda mais feliz sabendo que Gancho me treinaria, porém estava triste por não poder mais ver Peter, pelo menos por enquanto, por não poder ficar perto de meus irmãos. Estava ansiosa pelo dia seguinte mas também com medo. Estava contente por ficar em um “quarto” sozinha porém não queria ficar só ao mesmo tempo. Estava tudo tão confuso para mim e ao mesmo tempo tão claro.

 – Com licença – Uma voz falou interrompendo meus devaneios. Fui até a porta e a abri revelando um homem de cabelos castanho e olhos verdes escuros. Sorri e deixei Heatrick entrar. Ele estava com algo nas duas mãos e só quando fechei a porta percebi o que era – Achei que estaria com fome – Ele falou colocando o recipiente com minha comida e uma taça com algo roxo em cima de uma mesa de madeira no canto do quarto.

 Ainda não tive tempo de reparar no local em que estava, nem sabia da mesa que estava ali. Só então comecei a analisar tudo. Uma cama de madeira no meio do quarto com lençóis azuis e limpos, um armário encostado na parede perto da cama junto com um criado mudo, ambos de madeira. Em cima do móvel tinha um abajur e também era o lugar que estavam minhas coisas juntamente com minha espada. Não havia percebido que eu havia largado tudo ali.

 O quarto era mal iluminado, com apenas uma pequena janela que Heatrick abriu deixando entrar uma brisa bem vinda. Sorri e fui para onde estava a mesa. Tinham três cadeiras. Ocupei uma e Heatrick a outra.

 – Pode comer, é gostoso – Ele falou percebendo que eu encarava a comida. Assenti e peguei o garfo com comida, colocando na boca. Ele estava falando a verdade. A comida era boa. Logo estava comendo mais a vontade. Ele riu de mim – Eu falei que você iria gostar

 – O que é? – Perguntei engolindo a comida da minha boca

 – Basicamente peixe e arroz – Ele falou e eu ergui uma sobrancelha

 – Basicamente? – Perguntei parando de comer

 – Não sei o que mais tem Wendy, talvez algum órgão – Ele falou e eu quase cuspi a comida, porém ele riu antes – Estou brincando. Tudo foi bem preparado – Suspirei aliviada e continuei comendo porém ainda desconfiada

 – O que tem ai? – Perguntei apontando para o líquido da taça. Imaginei ser vinho já que da última vez o velho pirata, Smith, me ofereceu

 – Suco de uva – Ele falou e eu peguei a taça cheirando antes de dar um pequeno gole

 – Sua falta de confiança em mim me ofende – Ele falou quando eu percebi que era realmente suco tomando um gole maior. Sorri para ele e coloquei a taça de volta na mesa

 – Os piratas não tem as melhores famas

 – Mas você é uma de nós agora, certo? Terá de perceber que nem tudo que ouve é verdade – Ele falou e eu voltei a comer pensando no que ele disse – Mas me diga, o que a fez querer se juntar a pirataria?

 – É complicado – Falei e ele se acomodou na cadeira em que estava fazendo um aceno com a mão me dizendo para continuar – Tudo bem, eu não sei – Falei dizendo uma parte da verdade. Realmente não sabia o porquê de eu ter me tornado pirata. Só sabia que confiava em Gancho e queria ficar mais perto dele

 – Não sabe ou é complicado até para você entender?

 – É complicado até pra eu entender – Falei e ele assentiu pensando. Decidi tirar o foco da conversa de mim – E você? O que o trouxe a pirataria? – Perguntei e ele me analisou por um momento, antes de dizer eu já sabia o que ele iria falar

 – É complicado – Nós dois falamos juntos e rimos

 – Um dia vai me contar? – Perguntei terminando de comer, bebendo o resto do meu suco

 – Um dia... E um dia você vai descobrir e me contar? – Ele perguntou e eu assenti. Ele era muito doce para ser um pirata. Algo muito estranho deve ter acontecido, mas decidi esquecer esse assunto por um momento

 – Por quê você é tão gentil comigo? – Perguntei olhando em seus olhos. Ele suspirou e pensou por um momento

 – Acho que ainda não sou um bom pirata – Falou e soltou uma risada, sorri e ele prosseguiu – Você não me deu nenhum motivo para não ser gentil

 – Acho que você precisa de um manual de como ser um pirata – Falei sorrindo e ele riu – Todos os piratas são como você? – Perguntei interessada em saber se alguém mais seria gentil comigo ou se todos seriam grossos ou indiferentes

 – Nenhum pirata te tratará com gentileza, se é isso o que está perguntando – Ele falou e eu fiz uma careta – Eles serão indiferentes. Alguns podem ser grossos, mas creio que a maioria te tratará como me tratam, com indiferença

 – Se sente sozinho? – Perguntei e ele abaixou o olhar assentindo. Será que eu me sentiria assim? Pelo menos sei que posso contar com ele – Agora você pode contar comigo, não se sentirá mais assim – Falei sorrindo e ele sorriu ainda olhando para o chão – Se você se sente assim e se é tratado dessa maneira por quê não vai embora? – Perguntei não querendo que ele fosse, apenas tentando entender o porquê dele continuar triste nesse lugar

 – Quantas perguntas! Você é muito curiosa – Ele falou desviando o assunto. Sorri para ele

 – Sou apenas uma criança, tenho muitas perguntas a serem respondidas, ainda tenho muito o que conhecer e aprender – Falei e foi a vez dele sorrir

 – Quantos anos tem, Wendy?

 – Treze, logo farei quatorze

 – Você toma decisões e fala de uma maneira que não parece que tem apenas essa idade – Ele falou pensando – Ah, e você não é mais criança. Logo se tornará adolescente, uma mulher – Falou e se levantou recolhendo o resto do meu jantar, indo para a porta

 – Heatrick? – Perguntei quando ele tocou a maçaneta. Ele se virou para mim antes de abrir a porta – Você deixou toda a sua família para vir? – Perguntei e vi uma grande tristeza no seu olhar. Seus olhos se tornaram mais escuros e profundos

 – É complicado – Ele falou tentando sorrir – Boa noite... Bucaneira Djil

 – Boa Noite Heatrick – Falei baixo quando ele fechou a porta do meu quarto – Vou descobrir um jeito de te ajudar

 E depois disso fui para a minha cama com mais pensamentos borbulhando na minha cabeça do que antes de Heatrick aparecer. Eu arrumaria um jeito de ajuda-lo, é claro, pensei enquanto me cobria, descansando minha cabeça no travesseiro. Mas será que iria demorar até ele confiar em mim e me contar o que houve? Pensei sentindo o peso das minhas pálpebras.

 Logo iria dormir, mas não queria deixar a inconsciência me dominar. Queria ficar acordada e tentar resolver alguns problemas, tentar clarear algumas ideias e fazer alguns planos, porém não iria conseguir. Em menos de um minuto iria dormir, e eu sabia que no dia seguinte Gancho me faria treinar muito, me deixando exausta. Talvez aquele fosse meu ultimo momento realmente inteira e com tempo para pensar e eu iria desperdiça-lo dormindo.

 Tentei pensar em Miguel e João, o primeiro de meus problemas. Teria que dar um jeito de vê-los, afinal nós três nunca nos separamos. Desde pequenos fazemos tudo juntos, mas o cansaço venceu e eu fechei meus olhos. Por quê tudo tinha de ser tão... complicado?