POV Gancho

Acordei cedo naquela manhã, mesmo sem motivo. Não poderia treinar com Wendy, não enquanto seu pulso estivesse melhorando. Fui um estúpido, não devia tê-la submetido à subir naquela árvore tão cedo.

– Não, Gancho. Você deve desafiá-la sim. Ela é capaz – Pensei em voz alta ainda em minha sala – É claro que ela é uma doce menina, porém é capaz de muito. Se for desafiada desde cedo será uma grande mulher, nada a deterá, nunca será machucada!

Continuei em minha sala por mais alguns minutos. Estava claro que continuaria treinando com ela e desafiando-a a fazer novas coisas, das quais ela seria capaz. Já me provou que tem muita atenção e dificilmente se perderá. É centrada, o que a ajudará, ainda mais se pretende continuar como pirata. Fui distraído dos meus pensamentos quando bateram à porta

– Entre – Falei e Smith apareceu

– Com licença, Capitão. Apenas queria comunicar-lhe que logo Heatrick levará a menina para se banhar – Smith falou e eu me segurei para lhe corrigir. A menina. Wendy é mais do que isso, mas deixei passar.

– Tudo bem, Smith. Obrigado, pode se retirar

– Ahn, o senhor quer seu café agora? – O velho pirata perguntou quase saindo da sala. Acenei positivamente com a cabeça e ele se retirou.

Me senti péssimo quando Wendy se machucou. Mesmo sabendo que devia desafiá-la sim, eu ainda me culpava por não ensiná-la antes de deixar ela tentar sozinha. Não podia me mostrar muito preocupado ou atento, já havia percebido que os piratas estavam prestando muita atenção em mim. Nunca havia treinado nenhum pirata, por mais que gostasse. Já sabia que a maioria desconfiava de algo, mas também sabia que todos os palpites estavam errados, afinal, eu sou um pirata sem coração e provavelmente só queria que a Wendy me levasse até o Pan. Ri amargamente ao notar que estava um pouco mudado. Aquela pequena mulher realmente conseguira mexer comigo.

– Aqui está seu café, Capitão – Smith falou entrando cuidadosamente em meu aposento. Me virei para ele e assenti com a cabeça fazendo-o se retirar.

Fiz meu desjejum rapidamente e logo terminei de me arrumar. Coloquei o gancho no lugar em que deveria estar minha mão direita e me retirei. Andei calmamente pelo convés e avistei Wendy e Heatrick descendo do navio. Já havia notado como ele é cuidadoso com Wendy, porém devido ao que escutei sobre seu passado duvidava que pudesse ser algo a mais, alguns demoram a se apaixonar novamente.

Vi que todos os piratas estavam com seus afazeres e assim também sai do navio praticamente sem ser notado. Andei por entre a floresta mas pela primeira vez sem o propósito de achar o esconderijo do Pan, apenas precisava pensar em tudo o que me levou até aqui. Depois de tantos anos na Terra do Nunca já havia explorado praticamente toda a floresta e nunca me perdia mas dessa vez, já longe do navio, avistei por entre as folhas algo que parecia um novo caminho. Caminhei cuidadosamente ao local mas antes de entrar ouvi algo que parecia um choro. Me virei para longe do recém descoberto caminho e fui em direção ao que havia ouvido. Não precisei caminhar muito, logo diante de mim estava Wendy.

Esfreguei meu olho novamente mas ela continuava lá. Achava que estaria se banhando com Heatrick, o que fazia ali sozinha? Estava infeliz? Pensava em fugir? Devo ter feito algum barulho pois Wendy se assustou. Me escondi atrás de uma árvore já velha e esperei. Ouvi um barulho no mesmo tempo que Wendy se sobressaltou novamente. Ela se escondeu atrás de um arbusto e esperou, assim como eu. Estava pronto para ajudá-la caso precisasse por isso fui um pouco mais para frente.

Me espantei quando o vi. Nunca conseguia acha-lo e agora ele estava na minha frente, sem nem mesmo notar minha presença. Quando acabou de se refrescar ele foi embora por onde tinha chegado e logo o segui, assim como Wendy. Não pude deixar de notar como ela o seguia com agilidade sem fazer quase nenhum barulho. Estava fazendo o mesmo porém não perseguindo Pan, mas Angel. Porém ela parou repentinamente. Esperei e entendi o porque, acabaram as folhas, não teriam mais esconderijos. Olhei para o alto das árvores ao mesmo tempo que ela e já ia começar minha subida quando ela abaixou a cabeça. Ela não tentaria, não com seu pulso desse jeito e sem ninguém para apoia-la caso caísse. Ela não sabia o que fazer e apenas a observei. Percebi quando seus olhos se decidiram do que fazer.

– Peter? – Ela falou e eu me escondi ainda mais, mas chegando mais perto para poder ouvir. Ele ficou claramente desconcertado pois não era pego desprevenido mas logo se recompôs.

– Sim, Wendy? Ou devo dizer Bucaneira Djil?

– Como está, Peter? – Wendy repetiu com uma voz doce porém nem um pouco verdadeira, não era a doce Angel quem falava. Mil perguntas se passavam pela minha cabeça. O que ela queria, será que preferia ficar com ele afinal?

– Estou bem

– E os meninos perdidos? – Ela perguntou e eu finalmente entendi. Ela não se preocupava com Peter, mas com seus irmãos que ainda estavam com ele.

– Estamos todos bem, Wendy – Ele suspirou – O que quer?

– Quero saber como estão meus irmãos, Miguel e João. Sinto muita a falta deles, nunca ficamos tanto tempo sem nos vermos – Ela falou sorrindo enquanto se lembrava dos irmãos

– Não merece vê-los, Wendy. Você é uma pirata agora, os abandonou – Fui instintivamente mais para frente para ataca-lo ao mesmo tempo em que me sentia triste por Wendy. Me contive, ela precisava tentar resolver sem eu interferir.

– É claro que mereço vê-los, são meus irmãos! E não os abandonei, apenas escolhi a pirataria

– Preferiu a pirataria a eles – Peter gritou

– Preferi a pirataria a você – Wendy gritou de volta. Não me mexi enquanto a ouvia dizer essas palavras, porém elas me senti diferente – Não quis dizer isso, Peter. Sinto muito. Só quis dizer que tenho sim o direito de ver meus irmãos, nunca os deixei sozinhos – Ela falou com sinceridade.

– Se depender de mim para guia-la você não os verá – Peter falou e saiu voando. Ela gritou seu nome e de repente começou a correr. A segui no mesmo momento porém ela era mais rápida do que eu. Apesar de conhecer melhor as florestas ela era muito rápida e passava rapidamente por entre os galhos.

Após alguns minutos a perdi mas não parei, continuei correndo e seguindo poucas pisadas marcadas no chão. Percebia que quanto mais tempo se passava provavelmente mais longe ela estava e assim corria mais, mas quando estava escurecendo eu parei onde estava e respirei profundamente. Não podia deixa-la sozinha, e seria muito difícil vê-la sem a luz do sol por isso precisava de um plano. Analisei onde estava e demorei um pouco para perceber, estávamos longe do navio, praticamente do outro lado da ilha mas estávamos próximos do lugar que ficavam algumas sereias, as que queriam se distanciar do grupo. Precisava achar Wendy antes delas. Vi o caminho que ela provavelmente teria corrido, normalmente em linha reta, com poucas curvas para não ficar muito perdida. Sabia um atalho para onde tinham as sereias, mais a frente e corri até o lugar.

Não demorei muito para chegar mas por sorte ou azar, não sabia, Wendy não estava lá e parecia que as sereias não tinham visto nada. Fui andando para o caminho que estávamos seguindo sem reais esperanças de encontra-la e foi quando a ouvi, o som estava baixo. Ainda estava distante mas minhas pernas foram rápidas, ela gritou apenas duas vezes o nome de seus irmãos quando tudo ficou em silêncio novamente. Continuei correndo por onde achava que ela poderia estar. Estava longe de desistir mas quando ia parar para ver onde estava e ver se fazia uma tocha para iluminar o caminho eu a vi. Ela estava encolhida sob a sombra de uma árvore. Fui calmamente até ela para não acordá-la e a peguei em meus braços. Ela soltou um lamento mas logo se encolheu contra mim. Estava gelada e tentei cobri-la com meus braços enquanto recomeçava a caminhada.

Se quisesse chegar antes do amanhecer no navio precisava ir logo mas ao mesmo tempo calmamente para não acordá-la.

(...)

Demorou menos do que previ para chegarmos ao navio, ou talvez eu apenas estivesse distraído demais para ver o tempo passar. Ela parecia tão inocente e ao mesmo tempo forte por ter chegado tão longe.

Quando cheguei perto o bastante do navio os piratas logo desceram e vieram até mim e Wendy. John, um grande pirata em quem confiava, tentou segurá-la para mim mas recusei com um gesto de cabeça

– Podem deixar, consigo subir com a menina – Falei o mais friamente que consegui ao mesmo tempo em que tentava deixá-la o mais confortável possível

Não parei para conversar com nenhum dos piratas mas sentia seus olhares me acompanhando. Deixei Angel em seu quarto e a cobri. Não me atrevi a olhar se estava bem nem nada parecido pois sabiam que estavam olhando. Apenas me virei sentindo a perda de tê-la tão perto.

– Heatrick foi procurá-la – John me falou assim que sai do quarto e fechei a porta. Eu assenti para ele e ele continuou – Nos falou que não sabia o que tinha acontecido e que ela deve ter se perdido pois não teria feito nada para nos magoar – John deu um sorriso debochado – Mas ninguém nunca tem intenção de nos magoar não é mesmo, Capitão?

– Claro, John – Sorri maldosamente – Mande alguém para encontra-lo antes que ele se perca nessa floresta. Heatrick ainda não a explorou suficientemente para voltar sozinho caso se perca

– Dick foi com ele, Capitão – Suspirei

– Claro que foi. Mesmo assim os acha, John. Não preciso procurar mais ninguém nessa noite que parecia tão agradável – Disse rude e ele assentiu. Me dirigi a minha sala e me troquei. Só queria dormir. Minhas pernas doíam com todo o caminho percorrido e me sentia exausto, só precisava encontrar Angel em meus sonhos.