"Algo vai acontecer...eu sei que vai! E é algo que vai mexer muito com a ordem das duas realidades. Mas, para além disso, outro acontecimento... e esse... irei lidar com ele de frente..."

- Bom dia a todos! - diz a professora.

- Bom dia! - responde a turma.

- Hoje recebemos na nossa turma uma nova integrante!

Logo começam os habituais murmúrios de ânsia que tentam adivinhar como será a nova colega.

- Podes entrar - diz a professora enquanto faz uns gestos de "vem cá" na direção da porta meio aberta.

Nesse momento entra na sala de aula uma garota de pele muito clara, o seu cabelo castanho claro repicado, repleto de fios dourados até às costas e uma franja que quase tapa os seus lindos olhos castanhos. Bochechas com um tom bem avermelhado fazendo a garota parecer uma boneca.

Todos ficam a admirar a sua beleza e fofura, mesmo com a sua expressão séria.

- Esta é a Amy Wasilewski. Ela e o seu irmão gémeo Dylan são alemães e vieram para o nosso país... - olha para a garota com dúvida - ... por razões pessoais. O Dylan ficou doente entretanto e amanhã já virá às aulas. Mas então? Vamos ver onde te sentas...

A professora analisa todos os lugares vazios e diz:

- Hum... senta-te ali! Ao lado do David - aponta para uma carteira quase do outro lado da sala onde está um rapaz de cabelos pretos repicados.

Amy acente com a cabeça e vai sentar-se onde a professora indicou. Suspiro aliviada. "Por momentos achei que ela se ia sentar ao meu lado e..."

- Daya Loren! - chama a professora interrompendo os meus pensamentos.

- Diga professora - levanto-me para que ela me visse.

- Quando o Dylan chegar irá sentar-se ao teu lado. Ficas já informada para guardares lugar para o teu colega. Mas bem, continuemos a aula!

"Eu sabia que algo mau ia acontecer! Se o Dylan for como a irmã não vou ter descanso..."

Durante toda a aula senti pequenos arrepios e quando olhava em redor via os olhares congelantes que a nova aluna me direccionava. Fiquei bastante aliviada assim que o sinal para sair das aulas soa.

Agora estou a passear pelo pátio para ver se encontro um lugar para lanchar em paz.

Ás vezes penso como seria a minha vida se eu fosse mais aberta, mais alegre e menos, muito menos tímida em relação a fazer novos laços de amizade. "Teria um dia-a-dia bem mais animado!" penso enquanto rio baixinho só de imaginar.

Quando finalmente encontro um lugar calmo sigo para aí. Um banco de pedra branco, alguns canteiros de flores pequenas em redor e um lago com apenas um ou dois metros ligeiramente afastado do banco. Sento-me para começar a comer mas assim que levo o biscoito à boca sinto um calafrio percorrer o meu corpo. "Outra vez esta sensação..." Olho discretamente em redor mas não vejo ninguém. Estão todos longe em vários grupos que conversam e riem animados.

- Estranho... - murmuro antes dar uma dentada no biscoito.

Estico a mão na direção da minha mochila para tirar mais algumas bolachinhas com pepitas de chocolate mas não encontro a caixa.

- QUÊÊÊÊ?! - grito depois de revirar a mochila em busca das restantes bolachas - MAS ONDE É QUE ELAS ESTÃO?!

Levantei-me para ver por de baixo do banco mas sinto alguém a tirar-me a boina da cabeça. Grito assustada mas logo tapo a boca para que ninguém ouvisse. Ao olhar em redor novamente não vejo ninguém ali.

- O que é que foi isto... - sussurro confusa.

A boina não está em lado nenhum, o pacote das bolachas também não e a cor branca dos meus cabelos está a descoberto. Por sorte estou a um canto do pátio da escola onde quase ninguém vem. Ou pelo menos era o que eu pensava até algum engraçadinho começar a brincar com a minha paciência.

Assumo uma expressão zangada, coloco as mãos na cintura e digo:

- Devolve as minhas coisas! Quem quer que sejas, aparece!

Ok...no momento seguinte o meu coração quase que me saltava do peito.

Alguém me abraça pela cintura atrás de mim e com o outra mão tapa-me a boca. O único pensamento que me invade a mente: "É hoje que vou ser raptada..."

- Chiiiu... não é preciso gritar... - oiço uma voz masculina sussurrar ao meu ouvido.

Esta voz é me familiar mas não sei quem será. É uma voz grave mas dá para perceber que não é um adulto e sim um rapaz mais ou menos da minha idade, talvez.

Obedeço-lhe. Calo-me, paro de me mexer e fecho os olhos com medo do que possa acontecer.

Assim que ele vê que não vou gritar retira a sua mão da minha boca e sinto que ele coloca um dos meus biscoitos entro os meus lábios. Abro os olhos ao sentir novamente a boina na minha cabeça.

- Já está... se bem que gosto mais de te ver de cabelo solto Anjinha... - volta a sussurrar ao meu ouvido.

De seguida dá-me um beijo suave na bochecha e larga-me.

Viro-me para trás completamente corada mas não encontro ninguém.

- Estranho... - sussurro - Isto só a mim...

Volto a sentar-me para acabar de comer e quanto estou quase a terminar a campainha toca avisando que as aulas irão recomeçar. Coloco o último pedaço de bolacha na boca e pego na mochila para voltar à sala de aula.

Durante o resto das aulas não consegui tirar o que aconteceu da minha cabeça. Quem era o rapaz? E de onde é que eu conheço aquela voz?

***

Depois de sair da escola, já a caminho de casa, recebo uma chamada da Lorena a pedir para nos encontrarmos na nossa pasteleria favorita. "Só podia ser um lugar com bolos..." penso com um sorriso divertido.

Telefono à minha irmã para ela saber que vou demorar um pouco mais para chegar a casa e depois dirijo-me para o local combinado.

Assim que entro na pastelaria corro o meu olhar pelo local à procura da minha amiga. Vejo-a sentada numa das mesas a saborear uma fatia de bolo de chocolate. Aproximo-me e sento-me ao seu lado.

- Então e a tal dieta de cantora famosa? - pergunto com um sorrisinho provocador.

Ela olha para mim com um ar chateado mas assim que leva mais um pedaço de bolo à boca relaxa e diz:

- Estou de folga.

- Huhum...sei. Mas então o que é que queres falar comigo?

Leva mais um pedaço de bolo à boca e depois olha para mim por cima dos óculos com uma falsa inocência.

- Já não se pode querer passar um tempinho com uma grande amiga? - diz falsamente indignada.

- Eu conheço-te bem demais para tentares mentir, ok?

Lorena ri um pouco e diz com um sorriso simpático:

- Sim, tens razão. É que aconteceu-me algo estranho durante a noite e quando acordei de manhã... - retira o grande chapéu de abas lilás da sua cabeça - ... estava assim.

Arregalei os olhos ao ver o seu cabelos bem mais curto que antes. Um corte incerto e num tom cinzento quase prateado com duas pequenas tranças de cada lado do pescoço que caiem sobre os seus ombros. "Onde é que  eu já vi este cabelo...?"

- Então, que achas? Fixe não? Deixa ver o teu! - diz esticando o braço na direção da minha boina.

- Está quieta! - reclamo enquanto agarro a boina com as duas mãos - Hoje todos me querem ver o cabelo?!

- Todos quem? - pergunta curiosa.

- Ah... tu sabes. O Chris, a Loretta, um rapaz misterioso, tu...

Ela interrompe-me.

- Uouh... espera aí! Repete lá o que disseste.

"Porque é que estou rodeada de pessoas curiosas?!" choro mentalmente.

- Tu... - tento disfarçar.

Ela envia-me um daqueles olhares de "estás a gozar comigo, só pode!"

- Um pouco antes... - diz fazendo um gesto com a mão de retroceder.

- A Loretta...?

Lorena suspira frustrada e insiste.

- Tu percebeste a que me refiro! Qual rapaz misterioso? O que é que aconteceu? Conta a mim conta...

Não tenho escapatória. Esta minha amiga, desde que a conheço (e foi à bastante tempo!), é muito persistente. Quando a Lorena mete algo na cabeça não desiste sem dar luta.

- Muito bem... foi o seguinte. Eu...

De repente paro. Não foi falta de coragem para contar, acreditem! É que por incrível que pareça o tempo parou.

Todas as pessoas ao nosso redor travaram! Os pássaros pararam no meio do céu e ficaram estáticos, um grupo de miúdos que jogava à bola do outro lado da rua bloqueou quando a bola está a centímetros de acertar na cabeça de um deles, um skater que parou no ar a meio de um dos seus truques. Dentro da pastelaria estava tudo igualmente parado tirando eu... e a Lorena.

- O que é que se está a passar?! - diz assustada.

- E estás a perguntar a mim?! - respondo indignada.

Passados uns segundos sinto uma grande sensação de cansaço envolver o meu corpo juntamente com uma luz branca. Olho para a Lorena que está na mesma situação que eu. Ainda consigo olhar para o grande relógio de parede em forma de queque da pastelaria.

"Outra vez esta sensação... a mesma que senti antes de entrar pela primeira vez no jogo. E olha só! À mesma hora e tudo..."