Ok. A meia hora seguinte foi utilizada para se achar o lindo telefone da pizzaria mais próxima. E para decidir o sabor. E, depois, a uma hora seguinte foi produtivamente utilizada para se fazer uma troca básica de ideias de forma educada e, no final, eu beijei o Ethan.

Certo, estou mentindo.

Uma hora foi utilizada para tirar aqueles gays demoníacos do meu pé e convencê-los – prefiro o termo "obrigá-los", mas a escolha e interpretação é sua – a sair da sala de jantar e não tocar na minha pizza. Depois, eu dei um chute no Ethan e me limitei a xingá-lo com apenas dois palavrões (acho que evoluí ao longo do tempo, depois paro para analisar essa situação melhor).

Enfim, o lado bom é que eu fiquei satisfeita com três pedaços de pizza. O lado ruim é que eu fiquei satisfeita com três pedaços de pizza. Tenho um grande dilema entre engordar e implicar com três idiotas que dividem um apartamento – até que – limpo comigo.

Deixar na geladeira é uma opção. Apesar de ser uma opção muito arriscada.

Não quero que eles toquem na minha preciosa pizza – um detalhe que esqueci de mencionar: Roubei o dinheiro do Ethan para pagá-la e quero deixar registrado que ele ainda não deu falta. E peguei vinte euros de brinde, mas ele não precisa saber dessa parte em específico –, mas se eu deixá-la fora da geladeira vai estragar. E ninguém com sanidade mental saudável iria desperdiçar cinco pedaços de pizza.

Certo, talvez eu não tenha sanidade mental em bom estado de saúde, mas, mesmo assim, ainda sei que desperdiçar pizza é como se você estivesse cometendo um homicídio. É errado e você pode ser preso.

Talvez você não seja preso. Mas, lógico, esse não é o caso em questão.

Enfiei a pizza na geladeira e seja o que Jeová preferir. Meu destino está nas mãos dele.

Isso foi religiosamente bíblico. Prefiro não comentar.

***

Lista das três coisas que preciso (urgentemente) fazer:

1°: Preciso pensar em algo que mate Ethan, Chris e Thomas de uma vez só, de forma que ninguém consiga sair correndo e/ou chamar a polícia.

2°: Preciso fazer com que pareça que Ethan, Chris e Thomas morreram de causas naturais. Isso é realmente importante.

3°: Preciso encontrar Brad Pitt e fugir com ele de volta para a América.

4° (tive que adicionar essa caso haja problemas com o item 3): Brad Pitt precisa passar férias/fins de semana/feriados/folgas e o que quer que seja em Londres.

***

Voltando para minha vida, assim que saí da cozinha, três pares de olhares assassinos me encararam.

Querem enfiar uma faca no meu pescoço.

Querem me trucidar.

Querem me enforcar.

Querem me defenestrar.

Querem arrancar minhas unhas seguidas de meus olhos verdes.

Ou, simplesmente, querem fazer todas as opções acima e ainda não chegaram numa ordem exata.

Bem, não que eu me importe com a opinião deles sobre meus atos – incluindo o que eu dividi ou deixei de dividir –, mas acho que, às vezes, é necessário tomar precauções. E isso clara e cristalinamente inclui o fato de deixar o número da polícia em discagem rápida.

Continuei andando até o corredor sem dizer uma palavra. Supostamente eu posso parecer um demônio. Porém – fique você surpreso ou não – eu não sou. Vou explicar porque estou com bom humor já que minha pequena vingança mexeu com o estado emocional – e alimentar, se devo dizer – de certos gays.

Vejamos, desde que eu cheguei aqui só fiz boas ações. Tirando o fato de perseguir uma criança que hipoteticamente me chamou de sem-teto quando estava sentada no aeroporto, eu simplesmente mudei a vida deles para melhor. Não acredita em mim? Bom, essa maravilhosa pessoa aqui fez com que três idiotas fizessem algo além de jogar videogame. Com certeza a mãe deles teria determinado orgulho de mim. Além disso, eles aprenderam a limpar uma casa devidamente e consequentemente a segurar uma vassoura. E, que eu saiba, contribuí para manter uma bom peso e saúde, uma vez que não dividi minha preciosa pizza. Analisando dessa forma, obviamente não é egoísmo, eu sei.

Caminhei até meu quarto e peguei meu notebook que estava em uma das malas posicionadas em baixo de minha cama. Acha mesmo que eu deixaria meu valioso – e muito caro – amado bebê em um canto qualquer do quarto e permitir que Ethan, Chris ou Thomas se vingassem pelo videogame? Se sim, acredito que você tem sérios problemas ao compreender as pessoas, inclusive eu.

Seria a primeira vez que ligaria o computador em Londres. Isso pode soar estranho, mas digamos que não tenho tamanha curiosidade para saber o que meus quase vinte e cinco amigos no Facebook estão fazendo nas férias. Aliás, é óbvio que estão se divertindo muito mais do que eu. Nenhum deles tem pais insanos o suficiente para mandá-los a outro continente. Muito menos, para a casa de três caras com hormônios e testosterona em demasia. Todos eles devem considerar que isso é loucura. Contudo, "todos" não inclui meus amados e extremamente preocupados com o meu futuro e com o fato de que eu provavelmente engravide antes dos, sei lá, trinta anos, pais.

Suspirei, talvez não fosse culpa deles. Talvez fosse culpa da empresa que fornece água para nossa casa, é. Devem ter colocado produtos químicos na água que levam as pessoas a tomar as decisões erradas.

Não. Isso é delírio demais. Lógico que é culpa deles. Ninguém tem um filho de propósito.

Assim que o computador ligou, percebi que teria de me lamentar até o resto de minha vida nessa pocilga.

Wi-Fi. Wi-Fi com senha. Minha vida é ótima. Queria deixar bem claro que essa frase foi totalmente irônica.

Mas, tudo bem. Não vou surtar. É só pedir a senha.

Pedir a senha que nunca irão me dar.

Nem em troca de todos os videogames do mundo. Muito menos das pizzas.

Ainda preciso ressaltar que me enviarem à Londres sem minha permissão foi a pior decisão que pais sem sanidade mental – nem conhecimento de métodos anticoncepcionais – poderiam ter tomado?

Poderiam ter me mandando para Hollywood. Los Angeles. Nova York. A porra que fosse. Menos Inglaterra.

Até mesmo pra China. Eu teria muito mais chances de conhecer Brad Pitt na China. Mas, ninguém pensa em mim.

Nem eu mesma estou pensando em mim no momento, já que estou praticamente me arrastando pelo corredor a caminho da sala, a fim de conseguir acessar a Internet a qualquer custo.

Sinto que estou me auto-humilhando. E, se querem saber, não é uma sensação satisfatória.