The Library escrita por themuggleriddle


Capítulo 4
memórias de brideshead




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Quando se cresce com alguém, acaba por conhecer todos os prós e contras de uma pessoa. Você sabe muito bem quais são as características positivas e negativas de seus pais por conviver com eles desde que nasceu, assim como consegue ver com clareza todas as falhas de um amigo que conhece há tempo. Fora com essa visão bem clara que encarei minha noiva no dia de nosso casamento.

 

Delphine, a bruxa que estava para se tornar a futura Madame Malfoy, era também minha prima, fato que proporcionou a mim o conhecimento de todas as suas peculiaridades, qualidades e defeitos. Sabia muito bem que a mocinha que se aproximava de mim no altar naquele dia, toda vestida de branco e com uma bela tiara forjada por duendes presa em seus cabelos loiros, conseguia ser a criatura mais viva e extrovertida dentro de nossa família. Nada daquela quietude e educação fria dos ingleses para Delphine. Para ela o que reinava era a espontaneidade e graça francesa, e isso era algo que eu não podia negar que gostava nela. Além disso, era bonita – um traço óbvio em nossa família – e, o mais importante de tudo, pura quando se tratava de seu sangue.

 

Mas, ao mesmo tempo em que tinha uma criatura adorável e divertida, tinha também alguém que eu sabia que nunca se restringiria à família como fizera minha mãe. Delphine não era como mamãe ou como minhas tias. A juventude na França, em Beuxbatons, dera-lhe asas para ir e vir quando bem entendesse e para fazer o que lhe viesse à cabeça. Minha querida prima não tinha pudor algum de admitir que, sim, aproveitara a noite de Ano Novo com dois rapazes que nunca havia visto na vida antes. Ou que já havia trocado beijinhos e palavras doces com, no mínimo, sete rapazes até completar dezoito anos.

 

Tais detalhes de suas aventuras eram compartilhados comigo durante os verões que passava com sua família na França. Ela sabia muito bem que eu não a julgaria e que, pelo contrário, eu me divertia com tudo aquilo. Nós riamos e comentávamos sobre cada um dos moços que caíram em suas mãos, fazíamos graça dos pobres cegos que a viam apenas pela sua beleza e ainda achávamos tempo para brincarmos sobre os meus casos. Ainda me lembro da risada alta e levemente extravagante de minha prima enquanto falava sobre as meninas de Hogwarts, as quais, de acordo com ela, estavam à minha mercê.

 

Nós éramos, acima de tudo, amigos. Talvez tenha sido isso que me fez agüentar os anos de casamento.

 

Eu gostava de Delphine. Muito. Mas sabia muito bem que, em meu íntimo, um casamento com vinte e três anos de idade não era o que eu queria para mim mesmo. O Abraxas Malfoy de meu íntimo queria jogar-se ao mar e viajar para onde a maré o carregasse, queria passar alguns bons anos jogando noites fora em bares, queria rodar o mundo em busca de criaturas fantásticas e aventuras dignas de livros. Tudo isso seria impedido com um casamento, afinal, aquilo não era apenas um casamento, mas sim um contrato onde eu e minha prima assinávamos embaixo de uma cláusula que nos dava a tarefa de levar em frente o nome de nossa família por meio do trabalho e de um herdeiro. Era impossível manter todos os desejos infames de meu íntimo em pé quando se tinha que cumprir tais metas.

 

Os primeiros anos de nosso casamento foram surpreendentemente agradáveis. Viajamos – nada de aventuras com navios e animais fantásticos -, fomos à festas, bebemos muito, gastamos muito... Chegamos ao ponto de deixar nossos pais preocupados: “Onde estão com a cabeça esses jovens que acham que a vida é uma festa?” eles sussurravam quando achavam que não podíamos ouvir. “Onde está o herdeiro que nossa família precisa?” eles perguntavam, enquanto a última coisa em nossas cabeças era a perspectiva de gerar um herdeiro.

 

Para não dar a impressão de que não fazia nada além de afundar-me em luxo e embriagar-me, posso dizer que trabalhei. Assumi uma cadeira na corte bruxa do Ministério, ao lado de meu pai, que agora me ensinava como tudo funcionava nos menores detalhes. Ficar sentado em uma corte no subsolo estava longe de ser a ambição de minha vida, mas, naquele momento, era a única coisa que me restara, além da vida de extravagância com minha mulher. A minha real vocação, o trabalho que eu jurara fazer e que me dava prazer, estava interrompido por tempo indeterminado.

 

Acho que fora um ano antes de finalmente gerarmos o tão aguardado herdeiro que as coisas começaram a ficar diferente. Como que um final de verão, quando o tempo começa a mudar e uma certa moleza começa a se abater sobre todos, a vida de festas e graças que eu e Delphine levávamos começou a desandar. Lentamente, tão lentamente que fora quase impossível de perceber. A princípio, parecia ser apenas uma semana na qual estávamos cansados. Depois, vimos que esse cansaço arrastou-se por mais um mês e, junto dele, somou-se às responsabilidades. Eu tinha que passar mais tempo no Ministério agora caso quisesse fazer por merecer o cargo de meu pai e Delphine tinha que ocupar-se em agradar as novas Senhoras Lestrange, Avery, Black, Potter, Longbottom e tantas outras que agora apareciam em nossa casa ou que a convidavam para visitas. Não era algo que eu gostasse de fazer, assim como ela detestava brincar de madame bem educada. Eu queria estar viajando. Ela queria estar esticada em alguma praia da França. E nós dois estávamos presos naquele mundinho aristocrático bruxo.

 

De vez em quando acredito que, quando Lucius nasceu, Delphine tomou por cumprida a sua parte do contrato. Não nos odiávamos, é claro, mas também não éramos mais o casal recém casado e apaixonado (apesar de ainda me perguntar se, em algum momento, realmente fomos apaixonados um pelo outro). Passamos a ser os primos, os amigos de anos atrás... É claro, agora com um filho em nossas mãos. Delphine pouco fazia questão de me questionar quando ficava tempo demais fora de casa e eu também me abstinha de interrogatórios quando ela o fazia.

 

Nessa época, o outono já havia tomado conta de nossas vidas. Quando penso nesse período, acabo por lembrar daquela sessão intermediária de Memórias de Brideshead. Na realidade, se parar e analisar bem a história de minha relação com minha esposa, posso muito bem dividi-la da mesma forma que o livro de Waugh foi dividido. O início era como aquele verão pelo qual acompanhamos o Capitão Ryder em suas memórias: colorido, esplendoroso, alegre e despreocupado. Mas, como já diz o início do livro: Et in Arcadia ego. Ali já havia uma espécie de presságio para o que viria. Todos nós sabíamos que aquilo iria acabar um dia ou outro, mas ignoramos esses incômodos avisos para aproveitar todas as emoções que eram exaltadas pela nossa juventude.

 

A segunda parte fora, como já disse, o outono. Aquele breve período após o nascimento de Lucius no qual eu e minha esposa nos afastamos lentamente. Eu passava mais tempo no Ministério do que em casa e, quando me encontrava na Mansão Malfoy, estava ou em meu escritório ou com meu filho. Quando esbarrava com Delphine nos corredores, trocávamos cumprimentos educados e até conversávamos. Vez por outra, deitados e esperando para cair no sono, voltávamos a ser os primos das praias francesas que ficavam queimando debaixo do sol forte enquanto riam de coisas idiotas.

 

Quando Lucius completou três anos, as coisas mudaram. Vi-me entrando no inverno de minha vida quando a minha vocação finalmente retornou. O trabalho o qual eu tanto ansiava realizar finalmente estava disponível... Não haveria mais aquele tédio da vida no Ministério ou da vida familiar. Dali a adiante daríamos continuidade àquilo que começamos anos atrás, quando éramos adolescentes que sonhavam demais e faziam de menos. Tínhamos o poder, o dinheiro e a influência agora.

 

Infelizmente, o Ministério continuou lá, assim como a vida como pai e marido. Mas tinha àqueles preciosos momentos nos quais fazia o que gostava, nos quais espalhava as idéias dele para os outros, nas quais via jovens bruxos e bruxas aderirem à nossa causa com entusiasmo. Eu estava fora dessa nova leva de seguidores. Não sairia pelas ruas amaldiçoando traidores do sangue ou cometendo atos de vandalismo desnecessários... Isso era coisa dos mais novos. Nem ele gostava disso, mas aceitava todas essas ações pois sabia que aqueles novatos, aqueles jovenzinhos cujos Superegos não conseguiam controlar seus instintos, eram o futuro de tudo aquilo que viemos planejando por tantos anos.

 

Com tudo isso, percebi que agora era eu quem me afastava de casa. Delphine continuava com seus sumiços, mas eu também tinha meus dias de desaparecer. Agora éramos quase que estranhos dividindo a mesma casa e o mesmo filho, o qual nos revezávamos para cuidar e educar com a ajuda de nossos parentes e governantas.

 

Minha prima morreu aos quarenta e um anos. Ou pelo menos era isso o que dizíamos à todos. Acontece que, em uma certa manhã de verão, ao voltar para casa depois de passar uma noite no Ministério, deparei-me com uma estranha sensação de perda. Alguma coisa estava faltando na casa e essa coisa era minha esposa. Sua fuga não me surpreendeu, afinal, sempre soube que Delphine era como um pássaro que fora preso em uma bonita gaiola. Quando viu que as portas desta não estavam mais sendo vigiadas, não demorou muito para que ela escapasse e saísse voando para onde bem entendesse. Meu filho tinha dezesseis anos nessa época e, quando lhe expliquei o que havia acontecido, Lucius consentiu sem hesitar em concordar com a história da morte da mãe sempre que alguém perguntasse dela. Ninguém precisava de um escândalo na família, não quando se estava sendo acusado de estar envolvido com um dos bruxos mais procurados do mundo mágico.

 

Eu compreendia os motivos dela. Na realidade, eu compartilhava de seus motivos. Se a chance tivesse sido dada à mim, eu também teria partido e me enfiado em algum navio. Ido para bem longe. Mas fora Delphine, com sua extroversão francesa e asas de passarinho, que tivera a maior sorte. Nunca lhe desejei mal por ter me deixado na Mansão Malfoy com um filho e um nome a zelar, pelo contrário: desejei-lhe a maior felicidade do mundo.

 

É aqui que me diferencio do nosso querido Capitão Ryder, de Brideshead. Não desejava que o coração de minha prima se partisse, como Charles desejara que acontecesse com o de sua Júlia. Esperava que ela aproveitasse tudo o que eu não poderia aproveitar. Que ela bebesse absinto o suficiente para nós dois, que ela dançasse tanto quanto dançaríamos juntos, que ela beijasse a quantidade de pessoas que eu gostaria de beijar, que ela vivesse as aventuras que eu desejava viver.

 


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Notas finais do capítulo

Publicado em 1945, BRIDESHEAD REVISITED (Memórias de Brideshead) foi escrito pelo inglês Evelyn Waugh (sim, Evelyn era um homem) e conta a história do Capitão Charles Ryder e o tempo em que ele viveu em contato com uma família católica e aristocrata, os Flyte, sempre carregando o tema da melancolia pelos tempos que já se foram, o catolicismo e a amizade. O livro é lindo, tem uma escrita elegante e transborda extravagancia. Você sente, enquanto lê, a saudade que o narrador tem das memórias sobre as quais ele fala. .
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*ET IN ARCADIA EGO - "Até na Arcadia (paraíso) eu estou", se referindo à morte.
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Delphine, a prima e esposa do Abraxas, surgiu no meio de um jogo de RP entre eu e uma amiga, sendo citada pelo Abraxas e, desde então, a personagem decidiu assumir uma personalidade própria e escrever a sua própria história, a gente perdeu o controle sobre essa moça.
Novamente, capa do capítulo foi feita por este que vos fala.
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Muito obrigada quem deixou review e favoritou a história :33 digam o que acharam, por favor :D



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