O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 9
Espelhos


Notas iniciais do capítulo

Testes quase quase a acabar. Férias da Páscoa quase quase a começar. FELIZ FELIZ :)



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Ele, ao ver-me, sorriu.

- Estás muito sexy assim vestida!

Não me permiti ficar envergonhada. Encaminhei-me para perto do ruivo e sentei-me ao seu lado.

- Vamos lá fazer isto!- anunciei.- Quanto mais depressa começarmos, mais depressa acabamos.

Ele descontraiu no seu lugar, apoiando-se nas costas da cama, pronto para ouvir.

- Por onde devo eu começar?- perguntei, tentando encontrar o que dizer.

- Talvez pelo início.- recomendou Castiel.

“A sério?”, pensei. Eu sabia que uma história teria de ter um início, mas o grande problema era saber por onde começar. De certeza que não iria ser “Era uma vez”, certo?

- Quando fiz seis anos, eu, os meus pais e o meu irmão de cinco meses fomos comemorar o meu aniversário. Decidiram que o melhor era ir ao parque de diversões que eu tanto gostava.

O que lhe iria contar a seguir era difícil. Nem eu, ao longo do tempo, tinha percebido o que tinha acontecido…

- No centro do parque havia uma roda gigante- a atracção que eu mais gostava. Como queria mostrar o quão crescida e corajosa já era, disse aos meus pais que iria subir sem eles, apenas com o meu irmãozinho. Eles hesitaram, mas deixaram-nos ir.

Respirei fundo e continuei.

- Quando chegámos ao pique, mostrei ao Christian o quão pequenas eram as pessoas daquela altura. Mesmo dali, conseguíamos avistar as caras das pessoas e vigiar cada movimento delas. Era uma vista mágica.- voltei a respirar.- De repente, vindo de algum lugar, um som surgiu e transpassou o meu pai e, seguidamente, a minha mãe.

Encarei-o.

- Quando descemos, vimos uma multidão rodeando os meus pais. Assim que cheguei a eles percebi que o som proviria de uma arma a disparar. Eles estavam mortos.

- Lamento imenso.- disse Castiel.

Detive as lágrimas que se estavam a formar nas minhas retinas. Dirigi-lhe um sorriso fraco.

- O funeral foi horrível. Eu não conhecia nenhum familiar e tive de tratar de tudo- até de convidar os amigos com os quais nunca mantive contacto. O funeral, resumidamente, foi a reunião de uma centena de pessoas que não iriam sentir falta das vítimas que ali estavam a ser referidas.

Ele interrompeu-me.

- Mas o facto de serem muitas pessoas quer dizer que os teus pais eram muito amados…- interrompi-o.

- Não importa.- referi.- Acreditas que, excepto eu, ninguém chorou? Limitaram-se a falar dos seus dia-a-dia, dos pecados dos maridos e das raparigas mais bem vestidas. Ninguém ouviu nada. Ninguém sentiu nada.

Tudo o que ele queria dizer extinguiu-se, assim que me ouviu.

- No dia seguinte, percebi que eu e Christian estávamos sozinhos. A nossa casa foi vendida. O nosso dinheiro foi recolhido pelos bancos. A comida era escassa. Começámos a viver nas ruas, pedindo esmola aos mais generosos.

Estremeci com as memórias frias, famintas e tristes daquela vida.

- E depois aquele homem encontrou-nos. Quando eu o vi pela primeira vez, pensei que ele fosse algum príncipe saído de um cavalo branco que nos viria salvar.- sorri, ao pensar na minha inocência.- Ele foi um raio de luz numa vida escura. Ele aumentou a réstia de esperança que ainda nos restava.

Castiel percebeu que eu me referia a Raúl.

- Então, porque reagiste daquela maneira?- perguntou.- Parecia que não gostavas dele…

- A história ainda nem começou…- expliquei-lhe.

Voltou a encostar-se à cama.

- Quando ele nos levou para o orfanato, senti-me aliviada, talvez até esperançosa. Teríamos comida, cama, roupa, tecto…Que mais poderíamos querer?

Senti a minha face a retesar-se.

- Mas o meu sonho tornou-se num pesadelo. Fez-me desejar nunca ter colocado um pé naquela instituição.

O ruivo, ao ver-me hesitar, rodeou-me os ombros, um pouco desconfortável e disse-me.

- Conta-me. Vais sentir-te melhor depois.

Fechei os olhos por momentos.

- Os órfãos que ali paravam eram divididos em dois grupos: “Os Chihuahas” e os “Bulldogs”.

Ele gargalhou.

- Que nomes tão parvos! Quem foi o génio que os inventou?

Ignorei-o.

- Os grupos distinguiam-se pelas idades dos constituintes. “Os Chihuahas” era constituído por meninos e meninas abaixo dos oito anos. Todos os maiores que oito eram “deportados” para o outro grupo.

Voltei a suspirar. Porque suspiro tanto?

- Eu como tinha seis anos fui colocada nos “Chihuahua”. O meu irmão, com apenas cinco meses, foi colocado noutro departamento e eu só o podia ver uma vez por dia. Informaram-me que só a partir dos quatro anos é que ele poderia fazer parte do meu grupo. A ideia de não poder estar com ele mais do que cinco minutos por quatro anos… foi angustiante! Mesmo assim visitei-o todos os dias, sem falta!

Gargalhei a pensar no que aconteceu a seguir. Não por ter graça, mas porque estava demasiado nervosa para deixar correr a mágoa que se estava a formar no meu coração.

- Éramos severamente castigos por qualquer coisa que fizéssemos. Se batêssemos em alguém ou mesmo se deixássemos cair um garfo… o castigo variava de uma palmada, até chicotadas.- respirei fundo.- Achava tão injusto o facto dos “Chihuahua” serem tão castigados, enquanto os “Bulldog” nem eram chamados à atenção. Depois de os observar, percebi que os maiores não faziam nada contra os adultos… pensei que isso se devesse a eles serem mais maduros que eu mas…

Abanei a cabeça, em desacordo com o meu pensamento de outrora.

- Eu era tão inocente!- gargalhei.- Lembro-me de contar cada dia, cada hora dos dois anos. Queria tornar-me uma “Bulldog” o mais rapidamente possível. Quando realizei oito anos, percebi porque eles não faziam nada de mal.

Uma lágrima caiu-me dos olhos. Castiel, ao ver-me daquela maneira, retirou da algibeira um lenço e limpou-me a cara, já molhada.

- Continua.- pediu ele.

- Eles não faziam nada porque tinham demasiado medo. Quando entrei no dormitório deles percebi que algo de mal se passava. O meu antigo grupo, mesmo sendo castigados, éramos alegres, estávamos sempre na brincadeira…nada nos deprimia. Os “Bulldog”, por sua vez, tinham uma expressão apagada, os olhos tristes, sem luz, sem vida. O mais misterioso era o facto de, por vezes, eles desaparecerem por uma porta e, quando minutos depois, saiam… a expressão era ainda mais escura, mais sombria. Fiquei curiosa, queria saber o que se escondia por aquela porta. Mas não demorei muito a descobrir o que era…

Mordi os lábios. Apanhei mais uma lágrima.

- Um dia, eu estava a lavar a loiça e um “Chihuahua” correu na minha direcção e fez-me deixar cair um prato, partindo-se em mil pedaços. Os professores e docentes começaram a agregar-se à nossa volta. Percebi que o rapaz iria ser castigado severamente, então levantei-me e exclamei “ A culpa é minha”. Os professores olharam-me, espantados. Raúl, entre a multidão, gritou “Não se preocupem. Desta trato eu.” Chegou-se a mim e empurrou-me até àquela porta.

-Ao entrar, avistei a sala que era forrada de espelhos. Senti-me como uma bailarina no seu estúdio. Sempre tivera o sonho de dançar em bicos dos pés.- Ri.- Quando ele me ordenou que tirasse a roupa, percebi que não ia dançar. Disse-lhe que não iria, de forma alguma, retirar as roupas. Ele, por sua vez, agarrou-me os ombros e deu-me uma estalada. Caí no chão, com dores na face. Disse-lhe novamente que não iria tirar nada. Raúl deu-me, novamente, uma estalada e começou a retirar-me as roupas. Tentei pará-lo mas ele era mais forte que eu.

Percebi que estava a tremer. Cruzei os braços em torno do meu corpo, numa tentativa desesperada de parar o meu estremecer.

- Ao ver-me nua nos espelhos pensei que algo estaria errado. Não percebia o que se estava a passar. Que tipo de castigo seria aquele?- gargalhei, entre lágrimas- Ele colocou-se atrás de mim e abriu o zíper das suas calças. Retirou de lá um membro grande e desconhecido para mim. Nunca tinha visto um pénis de um homem. Ainda pensava que os rapazes e as raparigas tinham a mesma coisa…

Comecei a chorar desalmadamente.

- Doeu tanto. Doeu tanto.- repeti, enquanto assoava-me à manga da camisa.- Tanto sangue… Ele, enquanto eu chorava e gritava por socorro, murmurava-me que eu era muito bonita e que, desde que me tinha visto, que queria ter-me feito aquilo.

Olhei para Castiel. Ele fitava-me boquiaberto.

- Depois de ele terminar, comecei a vomitar. Devo ter desmaiado, porque acordei na minha cama. Passei as noites seguintes a chorar e a vomitar, a chorar e a vomitar… Mas as coisas não melhoraram, apenas pioraram: violavam-me cada vez mais frequentemente e cada vez por mais pessoas ao mesmo tempo. Mas o pior de tudo era conseguir ver o que eles me faziam…pelos espelhos. Comecei a perder a força para contestar, para tentar fugir… Aquilo começou a tornar-se um hábito…Já não me conseguia olhar para o espelho…Tinha tanta vergonha de mim própria.

- Esmeralda, eu…- começou Castiel.

- Não digas nada!- interrompi-o.

Sequei as lágrimas, recompus-me e sorri.

- Tentei esconder tudo o que se passava do meu irmão. Sempre que estava com ele, fingia um sorriso e tentava parecer feliz. Mas tudo mudou quando ele fez sete anos… Percebi que daqui a um ano ele seria sujeito àquilo, à mesma dor que eu… Não suportava a ideia.

Encarei-o.

- Fugi.- murmurei com uma gargalhada.

- Como é que..?- perguntou o ruivo.

- Todos os domingos, os professores entregavam-nos a correspondência, as cartas que os de fora do orfanato nos escreviam. No princípio não recebi nada. Mas, a partir de um momento, cartas vindas de uma tia chegaram a mim. Ela dizia que não sabia da nossa existência e que gostava de nos ver. Eu nunca lhe respondi, mas ela, todas as semanas, escrevia-nos a contar como lhe estava a correr a vida.

Sorri ao pensar nas cartas estúpidas que li.

- Quando o meu irmão fez sete anos, peguei nas cartas e numa noite, despistando os guardas que nos guardavam os quartos, fugi. Demorei um ano a conseguir encontrar a morada que estava escrita nos envelopes das cartas. Há seis anos que não saía daquele edifício e perdi-me muitas vezes.

Ele sorriu.

- Consigo imaginar isso.- disse-me, tentando aliviar a tensão da conversa.

Bati-lhe, suavemente, no cotovelo.

- Se visses a minha cara quando entrei aqui.- ri.- Parecia que estava numa espelunca.

Ele voltou a gargalhar.

- Pensei exactamente o mesmo.- exclamou.

Ri-me.

- Apresentei-me à minha tia e pedi-lhe que nos retirasse do orfanato. No dia seguinte, já estava a abraçar o meu irmão. Mas ele já tinha feito oito anos na semana antes de eu chegar.

- Então…?- tentou ele.

- Sim.- desabafei.- Uma vez.

- Pelo menos, não sofreu tanto como tu.- exclamou o ruivo.- Salvaste-o!

Deitei-me e sussurrei.

- Gosto de pensar que sim.

Ele deitou-se ao meu lado.

- Mas ainda não percebi uma coisa.- declarou Castiel.

- O que é?- perguntei, curiosa.

- O porquê de dizeres que a tua vida é menos importante que o trabalho.

- Ah, isso.

Ele esperou, ansiosamente, pela resposta.

- Quando eu fiz quinze anos quis ser a responsável pelo meu irmão. Dirigi-me ao orfanato e pedi que me dessem a guarda dele. Custou-me muito pisar de novo aquele chão sujo e imundo, mas tinha que o fazer.

Inspirei e expirei.

- Raúl fez-me assinar um contrato e a prometer que iria trabalhar para manter a custódia de Christian. Informou-me que , se eu não tivesse capacidades para lhe proporcionar uma vida minimamente boa, tirar-me-ia Christian e o miúdo voltaria ao orfanato.

Fitei-o.

- Nunca iria colocar o meu irmão de novo naquele local.

Depois de dizer aquilo, as lágrimas voltaram a ganhar sobre o meu raciocínio. Chorei desalmadamente, enquanto Castiel me acolhia nos braços.

- Ficas tão gira com ranho a sair-te do nariz!- brincou ele.

Sorri.

- Quem mais sabe disto?- perguntou-me.

- Além de mim e do Christian, tu.- declarei.

- Nem a tua tia?- voltou a questionar-me.

- Não.

Estava cansada.

- Porquê?- investiu de novo.

- Castiel, quero dormir. Cala-te!

Ao calar-se, adormeci rapidamente. Quando entrei no mundo dos sonhos, percebi que o peso dentro de mim tinha, quase, desaparecido.

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Notas finais do capítulo

Espero que estejam a gostar e agora que a história está a avançar...Devo informar-vos que só voltarei a postar assim que receber alguns comentários (mazinha). Detesto trabalhar sem ter qualquer incentivo. VOCÊS SÃO O MEU INCENTIVO Nº1!



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