O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 5
Platinado


Notas iniciais do capítulo

Sem reviews tem sido dificil arranjar apetite para escrever. Mas tenho a certeza que eles, um dia, hão-de aparecer.



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Já tinha acordado há um bom tempo. Porém, ainda não tinha aberto os olhos, não por ter medo (essa palavra não existe no meu dicionário), mas porque queria assimilar tudo devagarinho, sem pressas.

Lembrava-me de tudo: da rapariga, da boneca, da carruagem, do platinado…

Mas, não sei porquê, estas memórias pareciam vindas de um sonho, nunca possível de acontecer, pelo menos não na minha aborrecida vida.

Concentrei-me noutras coisas. Afinei os meus sentidos. O meu tato distinguiu uma cama dura sem qualquer acomodação (não estava nem no meu quarto, nem num hotel). O meu paladar dizia-me que tinha a boca seca, ma sensação estranha e desagradável. O olfacto sentiu a ausência do mofo (antes presente no meu quarto) mas sim presenciou-se o cheiro a lixívia que me queimava os pelos das narinas. A audição percebeu um tic-tac, não de um relógio (já que os segundos não podiam ser assim tão rápidos), mas de outro utensílio a mim desconhecido. Só faltava a visão.

Abri os olhos.

Um tecto e paredes brancas protegiam-me do exterior. Uma porta entreaberta erguia-se no fundo da sala. O ruído (o irritante tic-tac de que vos falei) vinha de uma máquina que desenhava uma linha, cima para baixo, cima para baixo, sem qualquer pausa. Dela ramificava-se um tubo que espetava a minha veia da mão direita, e que levava desta um líquido avermelhado até a um saco não muito longe de mim.

Sangue… O meu sangue… Ninguém iria retirar-me mais uma gota que seja deste precioso líquido que faz falta no meu corpo.

Coloquei as mãos no fio, pronta para o retirar da minha veia.

– Se eu fosse a si, não faria isso.- disse uma voz masculina.

Virei-me e encarei o dono da voz. O platinado sentava-se num sofá a menos de três metros de mim, com o ar mais confortável que podem imaginar.

– Afinal não foi um sonho…- murmurei.

Ele olhou-me confuso.

– O que disse?- perguntou-me.

– Há quanto tempo está aí?- decidi questionar-lhe.

– Desde sempre.- respondeu-me, com um sorriso nos lábios.

Ok, tenho que confessar que o rapaz era bonito mas mesmo assim, não apreciava a ideia de andar a admirar-me enquanto durmo.

– Porquê?

– Porque tenho uma curiosidade inquestionável.- Oh, e usa palavrões caros que ninguém com a minha sabedoria percebe. O que raios quer dizer “inquestionável”?

Acenei com a cabeça, como se tivesse percebido tudo. Voltei a concentrar-me no fio que se enrolava na minha palma da mão.

– Porque continua a tentar arrancar isso?- perguntou-me curioso.

Fitei-o.

– Desde quando tenho de lhe dar satisfações da minha vida?- questionei-o.

Novamente, olhei para o fio transparente. “Preciso de uma tesoura”, pensei.

– Porquê?- voltou ele a investir.

– Porque, senhor curioso, tenho assuntos a tratar em casa e não me posso ao luxo de estar a descansar num hospital.

– Porque não?-perguntou ele.- A menina está ferida na perna e descansá-la não lhe fará mal nenhum.

Olhei para a minha perna. “Raios”, pensei, “o platinado tem razão”. A perna estava toda engessada e pouco se via da minha pele.

– Isto não é nada.- disse-lhe sem convicção.- Preferia realmente ir para casa.

– Se é assim que a menina quer… vou chamar um médico para lhe tirar isso da mão.- levantou-se do seu sofá e encaminhou-se para a porta.

–Além disso,- afirmei, parando-lhe o movimento das pernas. Encarou-me.- Pára de me chamar “menina”, deves ser da mesma idade que eu. E eu não gosto que me tratem como uma criança.

Conseguia ver, nos olhos dele, o divertimento que aquilo lhe estava a proporcionar.

– Como queira…- hesitou e pediu-me ajuda.

– Esmeralda.- ajudei-o.

– Como queira, Esmeralda.

E saiu pela porta.

**********************************************************************

– Já está pronta, Senhorita Esmeralda.- sorriu-me o doutor.- Agora, quando voltar para casa, a fim de melhorar terá de manter a perna longe da água…- continuou a dar-me conselhos, mesmo eu estando na lua.

Sabia que tinha de engendrar uma solução para sair daqui sem ninguém me ver. Hospitais custavam dinheiro e eu não o tinha.

Quando o doutor saiu, o platinado entrou e viu-me ali, embaraçada a olhar para o chão. Estranhando, com certeza, o meu silêncio perguntou-me:

– O que se passa, senhori…Esmeralda?

Fitei-o. Tentei não me mostrar tão envergonhada como me sentia.

– As minhas roupas?

Ele tentou, em vão, não se rir. Saiu do quarto e voltou com as minhas roupas masculinas, que mais pareciam vir de um velório.

– Quer estas roupas ou prefere que eu lhe arranje outras mais…adequadas ao seu sexo?- riu-se novamente.

– Essas servirão, obrigada.- estendeu-me as roupas e continuou a fitar-me. Fiz-lhe sinal com os olhos, mas ele não percebeu. Como é que alguém sabe tanto de palavras caras e, coisas simples como esta, consegue ser tão obtuso?

– Pode dar-me um pouco de privacidade, por favor?- perguntei-lhe.- Não gosto de ter público enquanto me dispo.

Ele corou e encaminhou-se para a porta, novamente.

– Chame-me se precisar de alguma coisa.

Vesti-me, pensando num plano. Coloquei o cabelo dentro do chapéu e olhei pela janela. Pois, como pensei, o hospital está totalmente cercado de guardas.

Fui à casa de banho e mirei-me ao espelho. Algo não estava bem. Faltava algo.

Abri a porta e vi-o encostado à secretária a falar com o doutor que me tinha…libertado talvez seja a palavra mais correta.

– Pussit.- chamei-o.

Ele fitou-me.

– Passa-se algo?- perguntou-me.

Respirei fundo. “Fala baixo, Esmeralda”, pensei para mim própria, “Não te envergonhes a ti própria”.

– O meu bigode, por favor!- pedi-lhe.

Ele gargalhou, gargalhou, e, retirou algo da algibeira do seu casaco. Sem pressas, e à frente de toda a gente, colou-o na minha cara.

– Pronto,- disse-me,- Já te tornas-te num homem!

Ele estava a divertir-se com isto. Ele estava a divertir-se a fazer com que eu fizesse figura de parva.

Sem o encarar, corada, encaminhei-me para a saída do hospital, apressada. Ele seguiu-me.

– Porque está com tanta pressa?- perguntou-me.

– Porque não posso pagar o tempo que estive aqui.

Ele olhou-me chocado e fez-me parar.

– Largue-me.- ordenei-lhe, com a voz baixinha.

– Acabou de me insultar, Esmeralda.- disse-me furioso.

Fitei-o confusa.

– Porquê?- questionei-lhe.

– Acha que depois de eu a ter quase atropelado, que eu a deixaria aqui sem qualquer apoio médico nem moral…?

Não estava a seguir a conversa. Demasiadas palavras que eu não conhecia.

– Fale como gente normal, por favor.- pedi-lhe.

– Eu paguei os cuidados médicos que precisou.

Estava boquiaberta. Aquilo tudo não teria sido nada barato.

– Eu não consigo, de modo nenhum, recompensá-lo.

Voltou a encarar-me com a mesma expressão furiosa.

– Voltou a insultar-me, Esmeralda.

– Eu não quero saber se o insultei ou não. Eu não posso, de algum mudo, pagar aquilo que acabou de gastar comigo.

– Não precisa de me dar nada em troca. Sou um homem abastecido…

Interrompi-o.

– Ninguém, e volto a repetir, ninguém nesta época, nesta crise, é abastecido. Todo o dinheiro faz falta. Talvez não agora, mas no futuro pode vir a arrepender-se.

Ele inspirou e expirou diversas vezes até se acalmar.

– Não vale a pena discutir consigo, pois não?- perguntou-se- Estou a ver que é uma mulher forte que não aceita um “não” como resposta.

– Tem razão.- disse-lhe.

– Então, como pagamento, aceitarei umas respostas e favores.

Pensei, durante algum tempo, nas consequências que aquele acordo poderia trazer-me.

– Acho que consigo viver com isso.- acabei dizendo, apertando-lhe a mão, selando o contrato.

Ele sorriu.

– Como primeira resposta, quero que me acerte esta adivinha “Qual é coisa, qual é ela, que atravessa todas as portas sem nunca entrar nem por elas sair?”

“Que jogo estúpido”, pensei. Concentrei-me por momentos na adivinha.

– A fechadura.- respondi-lhe.

Ele acenou a cabeça.

– Correto. Vamos a outra: “Quando será que se pode entrar sem perigo na jaula de um leão?”

– Para que serve isto?

– Apenas responda.

– Quando a jaula estiver vazia.

– Próxima questão e responda-me por favor.- começou ele.- Porque salvou a rapariga?

Era por causa desta questão que estávamos a fazer este jogo?

– Porque era a coisa acertada a fazer.- respondi.

– Mesmo não conhecendo a criança?- perguntou.

Acenei a cabeça.

– Mesmo colocando a sua vida em perigo?

Voltei a anuir.

– Porquê?

– Porque ela ainda não viveu a vida.- explodi, estava farta de perguntas parvas.

– A Esmeralda também não.

– Pelo menos, já vivi mais que ela.

Deixei-o sem resposta. Sorri. A vitória era minha.

– Agora se me dá licença…- voltei a caminhar para fora do edifício.

– Não se esqueça que me deve favores!

– Eu não esqueço.- gritei-lhe.

– Além disso, o meu nome é Lysandre.- disse-me de longe.

Lysandre era um nome familiar, mas não sabia de onde já o tinha ouvido. Concentrei-me noutra coisa. Quando chegasse a casa teria de enfrentar algo pior que a dor que tinha na perna- a fúria da minha tia!


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Notas finais do capítulo

Próximo apenas quando tiver criatividade (e uns reviews ajudariam é claro).
Até lá...Feliz Carnaval!



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