O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 34
Olhares


Notas iniciais do capítulo

Já se passou muito tempo. A verdade é que entrei na universidade e nunca pensei que os estudos fossem tão exigentes e tomassem tanto do meu tempo. Mas, boas notícias, estou de férias! Portanto vou aproveitar para repor a minha escrita.
Obrigada a todos os leitores que ainda têm a paciência de esperarem por mim. Obrigada às novas leitoras Trash e bells. Obrigada a todos.
Espero que gostem.



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—Ópera?- questionei, incrédula.

Já tinha passado uma semana desde que aqui cheguei. Uma semana cheia de surpresas inesperadas e de acontecimentos ainda por explicar. Um deles, e talvez o mais surpreendente de todos, tem a ver com o comportamento de louvar de Raúl. Tem tirado um pouco do seu tempo para me vir ver mas, além de umas palavras trocadas “aqui e acolá”, nada mais tentou.

E talvez seja por causa disto que este convite me deixou sem palavras.

— Eu suspeito que deve ser a tua primeira vez numa atividade social de tão alta estatuto como esta…- disse-me.- Mas se vais estar ao meu lado, terás de aprender a te comportar como uma mulher civilizada, conhecedora. Uma dama.

Olhou-me como se me conhecesse por inteiro:

—Pensa nisto como uma evolução. De plebeia para “lady”. Uma transformação tão complicada e, para muitas, tão demorada como a de um macaco para o homem.

Ignorei a implícita censura.

— Não me lembro de se apelidar o facto de estar consigo como uma escolha.- lembrei-lhe.- E eu estou satisfeita com pertencer aos “homens do povo”. Ser como as mulheres que se preocupam mais com o estado do seu cabelo do que com o facto dos seus maridos partilharem a cama com as outras não faz parte dos meus desejos a concretizar nesta vida.

Respirei:

— Nunca quis ser como as outras. E isso não mudou e não mudará.

— Nem quero que tal aconteça!- exclamou ele.- Mas as aparências são fundamentais nesta sociedade e, como estás sob a minha proteção, tudo o que deixas transparecer acabará por me afetar.

Estendeu uma caixa na minha direção.

— Aqui tens um vestido. Prepara-te e vem ter comigo.- ordenou.- E não te esqueças que o objetivo é fazer as pessoas gostarem de ti.

 

O vestido era extremamente apertado. O que se tornava extremamente irritante. E doloroso. A dor que tinha nas costelas e que esperava não deixar revelar na cara. E a dor que era não mostrar o que sentia. E os lábios mordidos para não soltar grunhidos e palavrões. Como odeio corpetes!

O não saber se aquela dor valia a pena era o que me chateava acima de tudo. E o não saber se aquele vestido era ou não o meu estilo só me fazia quer arrancá-lo ainda mais. Era roxo. Enorme. Quente. E complicadíssima era a tarefa de arrastar-me nele. Equilibrar-me tinha-se tornado agora um desafio. Neste momento percebo porque as mulheres andam de braço dado com os homens, perseguindo-os para onde fossem. Tudo uma questão de equilíbrio.

E foi por esta questão, esse problema e nada mais, que deixei Raúl escoltar-me, desde que saí da carruagem, até ao edifício onde o espetáculo se ia realizar. Isto porque não me queria espalhar no chão.

O anfiteatro enchia-se de cores e barulho. Era preenchido por um dourado que, sem cuidado, magoava os menos acostumados olhos. Não me pertencia a mim a tarefa de perceber se era ouro ou não o que emoldurava as paredes. Ou se eram verdadeiras as supostas estátuas de mármore que espreitavam pelo dourado. Ou, ainda, se eram ou não místicas as criaturas que se retratavam nessas.

E as pessoas! Essas traziam sim um esplendor ainda maior ao já espetacular sítio. Os vestidos exuberantes, as cabeleiras empenhadas, as caras emolduradas. Os lábios pintados, a tez aclarada. E no meio de tudo isto, no meio de tudo aquilo que gritava dinheiro, estava eu. Estonteada, aparvalhada.

E as conversas! Havia tanto para ouvir. E essa já numerosa quantidade crescia e crescia de coisas que eu não sabia, que não compreendia ou que, apenas, nunca tinha ouvido falar. Nomes de pintores, políticos, estilistas, cidades…

— Fecha a boca.- ordenou Raúl. Fiz o que me mandou.

Mas todo este ambiente festivo alterou-se quando os presentes dirigiram os olhares para a entrada, para os recentemente chegados, para nós. E aí, o silêncio encheu todo o espaço. Perguntei-me se eu estaria estranha. Sentia-me estranha. A minha maquilhagem era de certeza mais modesta do que a de todas as outras (gostava da minha cor de pele tal como era, para quê mudá-la?). E não sabia de todo acerca das tendências de Paris para comentar se o meu vestido era ou não antiquado.

Observavam-me. Isso eu sabia.

Raúl sem, acho, perceber estes olhares continuou a percorrer o espaço e por fim sentou-se num camarote. E a peça começou. Chamava-se “Amor de perdição” e aparentemente era um recente sucesso da arte portuguesa.

Era a minha primeira vez a assistir ópera, e notava-se. Quando a primeira atriz entrou-se e começou a cantar (se é que a palavra se adequa), deixei passar um grito. Não estava à espera que o canto fosse tão agudo. Mas, após umas cenas com pessoas a fazerem exatamente o mesmo, suspeitei que cantar alto fosse o que a ópera tem de único.

Depois de perceber que realmente era uma história de amor (não fosse o título estar a enganar-nos), mas não antes de compreender se gostava daquele tipo de cantoria, senti-me observada.

Ao retirar os olhos da peça para perceber o que se passava, concluí que os camarotes têm um grande defeito: toda a gente nos consegue ver. Parecia mesmo que tinha todo o mundo a percorrer o seu olhar em mim, o que me distraiu solenemente da primeira parte do espetáculo.

O intervalo veio. Não sabia se devia arranjar uma desculpa para permanecer sentada ou se devia ir lá fora enfrentar os donos e donas dos olhares. Arranjei um pouco de coragem e levantei-me. Tomei, infelizmente, mais uma vez o braço de Raúl e dirigimo-nos até à sala de espera.

Talvez por causa dos meus pés não habituados a saltos altos e da consequente lentidão, fomos os últimos a chegar. De novo o centro das atenções. Percorremos o espaço, lentamente, surgindo, de espetros que nos rodeavam, murmúrios:

— Que alma gentil, o Sr. Raúl.

— Um anjo.

Fitei os espetros, sem achar quais os responsáveis por aquelas expressões. Estariam doidos? Estariam iludidos? Doentes? Alucinados?

Uma praga. Foram todos afetados por uma praga. Era a única resposta para aqueles olhares. Olhavam-no como se ele fosse um deus, um anjo caído na terra. Admiração e respeito emolduravam-lhes o rosto. E na minha? Um irreprimível nojo.

Com a repentina vontade de vomitar, pedi que me mostrassem a casa de banho e aproveitei para respirar ar menos “atribulado” e “doente”.

Enquanto lavava uma última vez a cara (uma última tentativa de acordar de um pesadelo), ouvi umas risadas vindas de fora da casa de banho. Curiosa, coloquei os ouvidos na porta.

— Não acredito que ele a trouxe.- disse uma voz feminina.

— Ele é sem dúvida uma alma caridosa.- confirmou outra.

— Salvou aquela mulher da prisão, e como é que ela retribui? Aparecendo com ele usando aquele vestido ridículo.- questionou-se uma terceira voz.- Parece saída de uma esquina ou de um quarto de algum que lhe pagasse uma quantia satisfatória por um serviço.

— Esse estilo de vida não lhe deve ser desconhecido.- respondeu a primeira.- Diz-se que o Sr. Raúl salvou-a quando ela estava prestes a vender-se a si própria.

— Que escândalo!- exclamou a segunda.

— Sim. E aparentemente era o irmão que sofria com tudo isso.- continuou.- Dizem que andava sempre sujo e com fome. Viu-se no extremo de ter de roubar…

Abri a porta num estrondo, interrompendo qualquer barbaridade que elas fossem dizer a seguir. Surpreendidas, deram uns passos para trás, como se estivessem a ver um fantasma.

— Precisam de alguma coisa vinda de mim, minhas senhoras?- perguntei.

Não me deram resposta.

— Adoro ser motivo de falatório.- menti.- Posso saber o motivo de estar presente em todas as vossas conversas? Inveja? Ou apenas medo que eu seduza os vossos maridos?  

Continuavam boquiabertas.

— Não me surpreenderia que fosse o último. Qualquer homem cairia no desejo… quando se tem esposas com as vossas caras…

— O que têm as nossas caras?!- assustou-se uma.

— O batom saiu do sítio?- perguntou outra, histérica.

Sorri e peguei num copo de ponche que se encontrava um metros atrás delas.

— Sim. Acho que está um bocado esborratado.- respondi, atirando o ponche para a cara de uma delas, fazendo-a gritar.

Virei-me para as outras duas que tremiam.

— O mesmo acontecerá a vocês se continuarem a falar do meu irmão.- ameacei, erguendo o copo.- Falem o que quiserem de mim, tenho costas largas… Mas não têm o direito de falar do meu irmão.

Direcionei mais uma olhar ameaçador e virei costas. Finalmente percebi qual o objetivo de Raúl quando me trouxe aqui. Não o fizera para me elevar como dama, nem nada do género. Fizera-o para elevar-se a si próprio. Fizera-o para todos o admirarem e elogiarem. Para todos perceberem que ele é tão gentil que até dá uma segunda chance de vida aos menos merecedores.

Pensei em sair dali. Mas se o fizesse eles ganhariam. Tanto Raúl como aquelas megeras. E eu tinha que provar que era melhor do que eles. Tinha que provar que isto não era suficiente para me derrubarem.

Assim, sentei-me de novo ao pé de Raúl e fingi tomar atenção à peça.

 

— Gostou da peça?- perguntou-me ele, quando nos dirigíamos à saída.

— Não foi mau.- respondi, desinteressada. Foi a melhor resposta que consegui. Não tomei muita atenção à ópera. Percebi, no início, que era uma história de amor e, no fim, que morria toda a gente. Nada mais. Se me perguntasse os nomes das personagens, seria uma sorte se lhe dissesse mais do que um corretamente. Esperava que com esta resposta não insistisse com mais perguntas.

Estava frio cá fora. Muito frio. Fui obrigada a vestir o casaco.

— A carruagem já cá devia estar.- disse Raúl, chateado.- Não seria melhor irmos para dentro?

Não, não seria. Lá dentro estaria quente, sim, mas os olhares daquela gente gelavam-me mais do que qualquer brisa cá fora.

Quando me preparava para lhe dizer que nada me faria voltar para o covil das cobras, uma voz interpelou-me:

— Esmeralda?

Vacilei. Eu conhecia aquela voz. E sabia que ver o dono da voz não seria uma decisão sensata, porque, ainda assim, teria que deixá-lo. Mas a tentação foi muita. A saudade era muita. E a necessidade de ver alguém que me enchesse de calor, ao invés de frio, quando me fitasse nunca foi tanta.

Encarei o homem que me chamara.

— Castiel?


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Notas finais do capítulo

O capítulo foi praticamente todo escrito hoje, portanto perdoem-me se existirem erros.



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